Composição pela Defensoria Pública
Estado: RN
Paulo Maycon é Defensor Público do Estado do Rio Grande do Norte
Para São Tomás de Aquino, justiça consiste em dar a outrem o que lhe é devido, segundo uma igualdade. Essa concepção, inspirada nas idéias de Platão e Aristóteles, eternizou-se na seguinte expressão de Eneo Domitius Ulpianus:“Tais são os preceitos do direito: viver honestamente (honeste vivere), não ofender ninguém (neminem laedere), dar a cada um o que lhe pertence (suum cuique tribuere)". Assim, quando esse conjunto de princípios são desconsiderados nas relações sociais, passam a existir as questões, as controvérsias, os conflitos, as contendas, as disputas, enfim, tudo que possa romper a paz e a quietude social.
Os professores Cândido Dinamarco, Ada Pelegrini e Antônio Cintra, ensinam que “a pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por conseqüência, de todo o sistema processual”. Esse propósito, traduzido na solução das contendas com justiça, torna-se possível sem a necessária intervenção do Poder Judiciário, tanto que outro jurista contemporâneo, Luiz Guilherme Marinoni, questiona essa conceituação, entendendo que a pacificação, ao revés de ser função, consiste, a bem da verdade, numa conseqüência da jurisdição.
A despeito dessa divergência, essa pacificação social passou a contar com um importante protagonista institucional: a Defensoria Pública. Isso porque, entre as recentes funções institucionais inseridas na Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, compete ao Órgão “promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos”, conforme redação do art. 4º, II, da Lei Complementar 80/94. Incube, portanto, ao Defensor Público o poder-dever de estimular a composição dos dissídios individuais e coletivos envolvendo seus assistidos antes de submetê-los à apreciação do Judiciário.
Por oportuno, convém destacar que o acordo referendado pelo Defensor Público do Estado vale como título executivo extrajudicial, inclusive quando firmado com pessoa jurídica de direito público, por expressa determinação do art. 4º, § 4º, da Lei Complementar 80/94. Essa circunstância confere ao instrumento de composição uma determinada eficácia jurídica, a ponto de dispensar a fase cognitiva do processo judicial, passando diretamente à execução.
Essas duas regras permitem à Defensoria Pública do Estado maiores condições de promover soluções aos conflitos de interesses. Porém, outro aspecto parece mais decisivo às composições protagonizadas pela Instituição. Esta diz respeito ao desinteresse pecuniário do Defensor Público. É que o Defensor Público do Estado ou Federal não pode exercer advocacia fora das atribuições institucionais, bem como receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais, em razão de suas atribuições, nos termos do art. 130, I e III, da Lei Complementar 80/94. Isso repercute, sobremodo, na condução da negociação, uma vez que não busca o melhor acordo para uma parte, mas aquela proposta adequada a todos os interessados, sob o ângulo da justiça e da equidade, endossadas por um órgão genuinamente público destinado a assegurar o direito de todos, desprovido de qualquer propósito econômico.
O resultado disso pode ser sentido na prática. O Núcleo Regional da Defensoria Pública do Vale do Açu, com sede na cidade do Assu, Município da região central do Estado do Rio Grande do Norte, promoveu no derradeiro e primeiro trimestre de atuação na região, 30 (trinta) acordos extrajudiciais. O que representa uma economia ao erário, considerando que são demandas solucionadas, ou seja, contendas pacificadas, sem a necessidade de acionar o Poder Judiciário, evitando, assim, a judicialização desses conflitos. É o reflexo, podemos assim considerar, do empenho da Instituição, no afã de construir uma cultura de paz e mediação das contendas sociais.
Espera-se, deste modo, um crescimento acentuado da atuação da Defensoria Pública do Estado na composição das questões que desarmonizam as relações sociais, no sentido de colaborar com a pacificação social, realizando o ideal de justiça que todos os cidadãos reclamam, nem sempre obtida com rapidez e efetividade no Judiciário, mormente aos desprovidos de melhor situação econômica.






