Fernanda Fernandes
Presidenta da ANADEP
A recente sanção da lei 15.134/25, oriunda do PL 4.015/23, representou um importante reconhecimento da atividade de risco das funções essenciais à justiça - Defensoria Pública, Ministério Público, Poder Judiciário e oficiais de justiça. No entanto, os vetos presidenciais a dispositivos centrais da norma fragilizam sua efetividade e ignoram as evidências de exposição concreta enfrentada por esses profissionais.
Entre os dispositivos vetados estão os artigos que reconhecem, de forma explícita, o risco permanente das atribuições dessas carreiras, inclusive fora da seara penal. A justificativa do veto se baseia na ideia de que tal reconhecimento afrontaria a isonomia com outros servidores públicos. No entanto, o próprio STF já reconheceu que a isonomia exige tratamento proporcional, não uniforme, a depender das especificidades de cada função.
Exigir que defensoras e defensores públicos, magistradas e magistrados ou membros do Ministério Público provem individualmente o risco de suas atividades é, além de desnecessário, perigoso, pois o tempo dessa análise individual pode ser suficiente para a situação de risco se concretizar em uma efetiva violação a vida ou integridade dos membros e membras.
Outro ponto preocupante é o veto à previsão de proteção de dados pessoais de membros dessas instituições. A alegação de que a LGPD já oferece cobertura suficiente não resiste à análise concreta dos riscos. Em diversas unidades da federação, os dados públicos - como nomes, cargos e lotações - têm sido utilizados para aplicar golpes contra pessoas vulneráveis, fingindo-se representantes da Defensoria Pública.
O Jornal Nacional recentemente noticiou fraudes ocorridas em 12 estados e no Distrito Federal, envolvendo extorsão de valores com uso indevido de identidade funcional, por pessoas que se faziam passar por defensores públicos, se valendo de seus dados concretos para extorquir pessoas idosas e integrantes de outros grupos em situação de vulnerabilidade.
Esses episódios revelam que a proteção de dados sensíveis, como endereço pessoal, nome de familiares e rotina institucional, não se opõe à transparência sobre remuneração ou exercício da função pública. Trata-se de resguardar a integridade de agentes públicos e, sobretudo, das pessoas atendidas por eles.
Também foi vetada a possibilidade de requerer proteção à polícia judiciária em casos de risco, sob o argumento de que isso feriria a separação dos poderes e sobrecarregaria os órgãos de segurança. O texto, no entanto, não impõe obrigação, mas apenas viabiliza a análise fundamentada do pedido, como já ocorre com magistrados ameaçados.
A atuação das defensoras e defensores públicos ocorre em ambientes de alta exposição, muitas vezes sem qualquer aparato de segurança. Reintegrações de posse, visitas a unidades prisionais, atendimentos em áreas de milícia ou conflitos fundiários são apenas alguns dos exemplos da realidade enfrentada por esses profissionais. A estruturação para a atuação em casos de atividade de risco, portanto, e urgente e flagrante.
Por fim, é importante destacar que a proposta não gera impacto orçamentário. Tanto que não houve exigência de análise pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados ou pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Qualquer repercussão futura em outras legislações dependeria de regulamentações, inclusive legislativas, específicas.
A derrubada dos vetos é, portanto, uma medida de justiça institucional e de proteção democrática. Proteger quem promove o acesso à Justiça é proteger a própria cidadania.