Fernanda Fernandes
Presidenta da Anadep
Com dimensões continentais, o Brasil possui, hoje, mais de 210 milhões de cidadãs e cidadãos. Apesar dos inúmeros avanços nas últimas décadas em políticas sociais voltadas à dignidade humana, grande parte da população brasileira ainda tem dificuldade de acessar os direitos mais básicos.
Em nosso país, ainda temos a triste marca de 8,7 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza – critério que define se uma pessoa ou grupo familiar sobrevive com rendimento igual ou inferior a meio salário
mínimo, sendo expostos à insegurança alimentar e à fome.
E, quando falamos de portas fechadas para o emprego, a saúde e o alimento sagrado na mesa, a quem o cidadão irá recorrer? É nesse cenário de múltiplas vulnerabilidades que a Defensoria Pública se torna essencial para a garantia do direito a ter direitos. Prevista no artigo 134 da Constituição Federal, a Defensoria Pública é sinônimo de justiça social para milhões de brasileiras e brasileiros nas mais diversas regiões do país.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 80% da população brasileira são potenciais usuários dos serviços da Defensoria Pública. São aquelas pessoas que não têm condições de contratar os serviços de um(a) advogado(a) particular sem prejudicar o próprio sustento ou que não podem pagar pelas custas e despesas processuais.
No caso das Defensorias Públicas dos estados e do Distrito Federal, que conta com mais de sete mil defensoras e defensores públicos em atuação, a Instituição se destaca com mais de 21 milhões de atendimentos por ano.
Hoje, a Defensoria Pública está devidamente instalada em 51% das comarcas brasileiras. No entanto, mesmo onde não há comarcas instaladas, o atendimento é feito por defensoras e defensores atuando simultaneamente, por meio do atendimento por cumulação ou itinerante. Há, ainda, a promoção de mutirões, que são uma iniciativa essencial para garantir o acesso à justiça aos cidadãos em regiões mais distantes.
As Defensorias Públicas e as Associações Estaduais desenvolvem também projetos especiais para promover o acesso à justiça à população. É o caso do programa “Meu pai tem nome”, lançado em 2019. A iniciativa permite a regularização registral não só biológica, mas também socioafetiva e por adoção. Em 2023, o “Meu pai tem nome” realizou quase seis mil atendimentos, em todo o Brasil, com a solução extrajudicial de mais de 80% das demandas.
É neste cenário de aproximação e diálogo direto com a população que, cada vez mais, se torna essencial a valorização da atuação de defensoras e defensores públicos em todo o território nacional – agentes de transformação social que se dedicam com compromisso e coragem à efetivação dos direitos fundamentais, promovendo a inclusão e combatendo desigualdades estruturais.
Um exemplo é que, nos últimos anos, muitas ações deixaram de ser ingressadas no Poder Judiciário porque a Defensoria Pública atuou de forma estratégica na ponta por meio da atuação extrajudicial de conflitos por meio da mediação ou da conciliação. Esta atuação é vista com a célebre marca de mais de 1.798.238 acordos extrajudiciais registrados pela instituição. A atuação coletiva também segue sendo destaque, com crescimento de 354,6% entre os anos 2018 e 2022.
Diante desse cenário, a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) tem atuado para assegurar que esses profissionais exerçam as funções com autonomia e independência. Nesse sentido, a entidade defende intransigentemente a simetria constitucional entre a Defensoria Pública, a Magistratura e o Ministério Público. A defesa das prerrogativas da classe não é uma defesa de um poder, mas uma forma de incentivar e ampliar a expertise da categoria nas mais diversas esferas.
A Anadep compreende que a valorização das defensoras e dos defensores públicos, bem como a expansão quantitativa e qualitativa da Defensoria Pública em todo o território nacional, são medidas essenciais para um planejamento institucional mais eficiente e, consequentemente, para a melhoria do atendimento à população vulnerabilizada. Por essa razão, a atual gestão tem como prioridade a efetivação da Emenda Constitucional no 80/2014, garantindo-se que todas as comarcas do país contem com defensores(as) públicos(as).
Além disso, a Anadep tem empenhado esforços na ocupação de espaços estratégicos dentro do sistema de justiça. Um dos caminhos para isso é a destinação de vagas específicas para a Defensoria Pública nos Tribunais, por meio do quinto constitucional, o que contribuirá significativamente para a democratização do sistema de justiça. A experiência acumulada pela Defensoria Pública na defesa da força normativa da Constituição e na construção do ordenamento jurídico reforça a necessidade dessa representação.
No âmbito legislativo, a entidade tem trabalhado pelo reconhecimento do risco inerente às atividades desempenhadas por defensoras e defensores públicos, buscando a aprovação do PL no 4.015/2023. Outro passo fundamental é a derrubada do Veto no 44/2012, que permitirá a inclusão da Defensoria Pública na Lei de Responsabilidade Fiscal, assegurando orçamento justo para o pleno desempenho de suas funções.
A concretização desses objetivos fortalecerá a Defensoria Pública como instituição essencial ao Estado Democrático de Direito, garantindo maior acesso à justiça e promovendo a cidadania de forma efetiva.