“Eu falo o seguinte: morreu uma Fátima portuguesa e nasceu uma Jurema Tupinambá”. Em busca do resgate de sua identidade, Jurema Tupinambá de Jesus Batista, 60 anos, indígena da etnia Tupi-Guarani, procurou a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) durante mutirão em Goiânia para retificar seu nome e sobrenome em seus documentos oficiais.
Por meio da atuação do Núcleo Especializado de Direitos Humanos (NUDH), a artesã alcançou o direito à alteração do registro civil em uma decisão judicial proferida no último dia 13 de agosto. Agora, Jurema passa a se reconhecer e ter um nome que reflete sua ancestralidade e orgulho de sua origem indígena.
Atualmente a assistida mora em Aparecida de Goiânia, mas nasceu na aldeia Tapirema, em Carmo do Paranaíba-MG. Como muitas pessoas indígenas, Jurema não teve a oportunidade de registrar seu nome e etnia no momento de seu nascimento, uma realidade comum entre as populações originárias. Portanto, a indígena sempre sentiu a ausência de sua verdadeira identidade nos documentos oficiais.
“Sou originária da terra, sou indígena e acho que os indígenas têm que ter os seus nomes próprios. Porque esses que estão usando não são os nomes deles, são nomes que os brancos trouxeram para cá”, declarou. O nome Jurema, junto à etnia Tupinambá, foi o escolhido para dar lugar ao antigo.
Diante do dever de promoção dos direitos dos povos indígenas, entre eles a preservação da identidade cultural, em 16 de abril, o defensor público Tairo Esperança propôs uma Ação de Retificação de Registro Civil. Além de amparado pelo Código Civil, o pedido de retificação também se embasou na Resolução Conjunta n° 03/2012 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Tais legislações asseguram aos indígenas o direito de registrar seus nomes originários, incluindo a etnia como sobrenome, como forma de preservar e reconhecer sua identidade. Além de incluir a etnia Tupi-Guarani em seu nome, Jurema também solicitou a supressão do sobrenome "Melo", de seu cônjuge, substituindo-o por "Batista", sobrenome de seu pai, reforçando ainda mais o vínculo com suas origens familiares.
História
A história de Jurema é marcada por décadas de curiosidade sobre a sua origem, e pelo desejo de reconectar-se com suas raízes. Quando ainda era bebê, seus pais foram expulsos da aldeia onde viviam e se estabeleceram em Morro Agudo de Goiás. Porém, ambos faleceram quando ainda era criança. “Minha mãe eu sabia que era indígena, mas sobre o meu pai não. Aí comecei a mexer, procurar para saber quem são os parentes”, contou.
A jornada de descoberta de Jurema foi dividida com a parente Janira Pataxó, também assistida pela DPE-GO durante o mutirão realizado na 53ª Edição da Semana dos Povos Indígenas. Foi a parente que puxou a sua etnia por meio de seus documentos. Foi então que descobriu que sua origem era indígena não só por parte de mãe, mas também por parte de pai.
“Eu fiquei feliz demais em saber que todos os dois eram originários, ai como fiquei feliz. Meu esposo falou que meus olhos chegaram a brilhar de felicidade. Foi o dia mais alegre da minha vida”, relembrou.
Quando ainda era menor de idade, Jurema saiu da fazenda onde moravam em Morro Agudo de Goiás junto da irmã, que a levou para Aparecida de Goiânia. Hoje, vivendo na cidade, Jurema cultiva um novo sonho. “Tenho vontade de ir embora para Minas Gerais, terra dos meus pais, onde eles nasceram, criaram e casaram. Quero meu pedaço de terra lá”, relatou.
Decisão
O juízo da Vara da Fazenda Pública Municipal de Aparecida de Goiânia destacou a veracidade dos documentos apresentados na ação movida pela DPE-GO e a importância de refletir a realidade fática nos registros civis. Com a decisão, proferida em 13 de agosto, o direito da assistida foi reconhecido e agora o nome Jurema Tupinambá de Jesus Batista será registrado em todos os documentos oficiais, garantindo à idosa o reconhecimento de sua origem e a conexão com suas raízes.
