A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul conseguiu na justiça que o Município de Campo Grande seja obrigado a fornecer receitas e pedidos de exames digitados e impressos pelo próprio profissional médico ou, em caso de atendimento emergencial, que a prescrição se dê em letra de forma.
A decisão determinou ainda que o Município providencie a instalação de equipamentos de informática consistentes em computadores, impressoras, tinta e papel sulfite em todas as unidades de saúde da família e demais órgãos que compõem a Atenção Primária à Saúde, a fim de ser cumprida a obrigação.
A inicial da ação civil pública foi assinada pelo defensor público Amarildo Cabral, titular da 40ª Defensoria Pública. Segundo o documento “Inúmeros assistidos da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul buscam diariamente assistência médica a ser ofertada pelas Instituições de Saúde desta cidade. A fim de promover o devido atendimento solicitamos uma lista de documentos, sobretudo receitas, exames, relatórios e outros a serem elaborados por médicos (doc. anexo).
Os citados documentos, oriundos dos Postos de Saúde Municipais e da Santa Casa, na maioria das vezes, são redigidos à mão pelos médicos e, muita vez, com letra ilegível. Tal fato tem trazido inúmeros dissabores e danos aos assistidos da Defensoria Pública eis que, amiúde, solicitamos o retorno deles ao médico a fim de ser ofertado documento com letra legível ou digitado impresso. Assim, até risco de morte sofre o assistido ante à demora na propositura de ação judicial por conta da impossibilidade da decodificação dos documentos médicos”.
A ação foi acompanhada pelo defensor público Nilton Marcelo de Camargo, titular da 4ª Defensoria Pública de Atenção à Saúde (NAS) de Campo Grande, que destacou a importância da decisão para garantir o direito à saúde e à vida dos cidadãos assistidos pela Defensoria Pública. Segundo o defensor, “a expectativa é de que esta medida resulte em uma melhoria significativa na comunicação entre médicos e farmacêuticos, reduzindo os riscos associados à dispensação incorreta de medicamentos. A decisão marca um passo importante na garantia de um serviço de saúde coletiva mais eficiente e seguro para a população de Campo Grande”.
O Problema das prescrições ilegíveis
A questão das prescrições médicas ilegíveis se manifesta de várias formas. Com base em dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais da metade dos medicamentos são utilizados de maneira inadequada, um problema agravado pelas prescrições ilegíveis. Nos Estados Unidos, por exemplo, essas prescrições resultam na morte de cerca de 7 mil pessoas anualmente, um número alarmante que chama a atenção para a gravidade dessa questão.
A caligrafia ininteligível e as abreviações não padronizadas de dosagens também criam uma mistura perigosa.
Erros graves de no aviamento ou no uso de medicações ocorrem frequentemente devido à confusão na interpretação da grafia. Em muitos casos o uso equivocado de um medicamento pode não produzir o efeito esperado, enquanto em outros pode agravar ou até causar a morte do paciente. São exemplos de medicamentos com nomes ou sons semelhantes:
O problema não impacta apenas os pacientes, que lutam para entender suas receitas médicas, mas também coloca em risco farmacêuticos, médicos e toda a sociedade. Essa prática resulta em danos sociais, comprometendo a segurança dos tratamentos médicos.
Desafios no SUS: a realidade dos pacientes e profissionais de saúde
Enquanto na rede privada de saúde os receituários emitidos pelos profissionais de saúde são impressos ou eletrônicos, no Sistema Único de Saúde (SUS), o problema das prescrições ilegíveis está agravado pela falta de instalação recursos tecnológicos, como computadores e impressoras nas unidades de saúde, levando profissionais de saúde a emitirem prescrições manuais ilegíveis. O dano é individual e social esclarece o defensor público. Do ponto de vista individual, potencializa-se o risco de aviamento de um medicamento equivocado pelo farmacêutico. Também obriga os pacientes a procurarem várias farmácias na esperança de que alguma decifre a prescrição, um processo que aumenta o risco de erros de medicação. Do ponto de vista social, aceita-se que um agir profissional tão tacanho se prolongue indefinidamente”, pontua o Dr. Nilton, membro do NAS.
Para a Secretaria Municipal de Saúde (SESAU), a rede de internet também é um problema. Até 2021, a internet da SESAU funcionava através de rádio, e somente agora está ocorrendo a substituição por cabo, possibilitando um acesso mais rápido aos sistemas de informação do próprio órgão.
“A tecnologia será sempre meio. O fim sempre será a prescrição legível. A prescrição ilegível continua ocorrendo dia-a-dia, potencializando o risco de dano à vida e à saúde de pacientes. O discurso vulgar de que a prescrição ilegível pode ser tolerada devido à falta, indisponibilidade ou gradual, mas lento, aparelhamento tecnológico nas unidades básicas é também nefasto. Não pode ser convincente para justificar a falta ética de profissionais que insistem em fazer uso de letra ilegível ao prescreverem algum receituário. Conduta dessa natureza revela o profundo desrespeito do profissional de saúde com seu paciente e a sociedade.”, argumenta o defensor público Nilton Marcelo de Camargo, titular da 4ª Defensoria Pública de Atenção à Saúde de Campo Grande.
Ação da Defensoria Pública: estratégias e planejamento
A sentença favorável foi apenas o primeiro passo. Segundo o defensor público Nilton Marcelo de Camargo, o Núcleo de Atenção à Saúde (NAS) da Defensoria Pública apresentou um planejamento de atuação estratégica para coibir, reduzir, conscientizar e acompanhar a mudança de paradigma: de prescrição ilegível para prescrição legível. Ao lado de outras instituições, o NAS desenvolverá atividades com o fim de monitorar o progresso das medidas adotadas e promover a adoção de prescrições legíveis. Além disso, há um esforço colaborativo para desenvolver um manual de prescrição legível, envolvendo órgãos reguladores e instituições educacionais.
“Trata-se de um planejamento cuja execução será superior a 1 (um) ano. Acreditamos que o envolvimento e a colaboração de todos os órgãos e instituições de classe nesta problemática fará a diferença. À medida que as metas forem alcançadas espera-se uma mudança social. Órgãos e instituições antes desagregados, possam prestar sua colaboração para a eliminação da prescrição ilegível, essa anomalia ética tão desrespeitosa aos pacientes e com tão potencial risco de dano ao indivíduo e a sociedade”, concluiu o defensor.