A família é uma entidade fundamental no desenvolvimento de traços e personalidades de uma pessoa. A ausência de um ente ou de uma rede de apoio pode gerar danos emocionais, patrimoniais e de outras ordens que impactam de forma direta na vida de quem passa por isso.
Por isso, em todo o Brasil a Defensoria Pública reforça um dia D de mutirão de reconhecimento de paternidade. Na realidade, mais que isso: de filiação. Porque diante dos tantos arranjos familiares, tem pai que não pode registrar ao nascer; que reconheceu tardiamente; pai e mãe que são do coração; tem avós querendo fazer direito de filhos falecidos. “Meu pai tem nome” reúne histórias e reencontros e batiza a ação formatada pelo Conselho Nacional da Defensoria (Condege) e que escolheu este dia 19 de agosto para uma ação concentrada.
No Ceará envolveu sete cidades e aconteceu em quatro pólos durante toda a manhã reunindo defensores, defensoras, assistidos e colaboradores. As cidades de Fortaleza, Sobral, Juazeiro do Norte, Quixadá e Jaguaruana fizeram uma manhã de atendimentos para os 235 agendados. Ação que também envolveu os cartórios, por meio da parceria com a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado do Ceará (Arpen-CE) e com o Sindicato dos Notários, Registradores e Distribuidores do Estado do Ceará (SINOREDI/CE). Em Fortaleza, teve também a Fundação da Criança e da Família Cidadã (FUNCI) e de laboratórios de DNA parceiros.
“Ser pai é ser presente. Ser pai é estar junto do filho e esse filho se sentir seguro em suas necessidades e em suas demandas. O que a gente quer hoje aqui é refletir sobre o exercício da paternidade responsável. Esse exercício responsável vai muito além do nome na certidão; vai muito além do papel. Estamos tentando conversar aqui com vocês hoje é exatamente a importância desse momento. É muito importante a criança ter esse momento. Para além desse momento, o pai precisa ser efetivo, ele precisa ser responsável na vida dessas crianças”, explicou Andreya Amendola, coordenadora do setor de psicossocial, em Fortaleza, ao abrir a ação.
“Hoje é o Dia D da paternidade e da filiação. Fazemos este tipo de atendimento durante todo o ano, todos os dias, mas hoje a gente concentra as atividades, em uma ação global do Condege, trazendo luz a esse tema. Aqui reunimos a equipe e membros, onde dispomos de atendimento defensorial, de acolhimento psicossocial, exames de DNA e a presença dos cartórios, tudo para facilitar em um dia e local, o reconhecimento da paternidade e o direito de pertencer a uma família”, disse Elizabeth Chagas, defensora geral do Ceará.
Acompanhando a ação estiveram a defensora pública geral, Elizabeth Chagas, a subdefensora geral, Samia Farias, o coordenador das Defensoras da Capital, Manfredo Rommel, que este ano coordenou a realização do mutirão. Estiveram ainda o presidente da Funci, Raimundo Gomes de Matos, o presidente da Arpen, Vitor Storch de Moraes e o diretor do Sinoredi, Jacks Rodrigues.
Investigação de paternidade – Cento e trinta e uma histórias foram agendadas para serem atendidas na capital cearense. Uma delas foi a do seu Antônio Vauires, de 50 anos, que iniciou uma ação de investigação de paternidade de três filhos. O caminhoneiro chegou cedo junto da ex-companheira e de três filhos pequenos, duas meninas e um menino. A energia das crianças condizia com o semblante ansioso do pai. Neste dia, Antônio confirmaria sua identidade como pai por meio do exame de DNA. “É importante fazer esse exame, tenho como provar a minha paternidade e com isso pretendo ficar ciente que meus filhos são meus. Porque a família é muito importante, a base da vida é a família”, conta. Ele deseja presença, assim como todos que passaram pelo portão da sede da Defensoria, no bairro Luciano Cavalcante. “Quero ver elas casarem, viverem a vida delas do jeito que elas quiserem”, complementa.
Investigação de maternidade – Entre tantas histórias estava a de Raquel Cristina Apolonio (39) e Elsa Eugênio (62), vieram do Jardim Iracema, fazer o inverso, um reconhecimento de maternidade. Já com o nome do pai no registro, Raquel relembrou sua história, similar a tantas, que envolve vulnerabilidades: maternidade precoce, busca por melhores condições, criação por avós, alienação parental e reencontros.Embora a ausência da mãe tenha sido sentida. “A gente tem o vínculo. Eu sempre trabalhei para sustentar elas, quando estava em São Paulo”, disse a Elsa, relembrando que deixou Fortaleza para tentar a vida em outro lugar, deixando as filhas aos cuidados do pai. Fizeram juntas o exame de DNA e tentam conectar suas histórias, a partir daqui. “Tá tudo bem, mamãe, estamos aqui”, dizia Raquel ao tentar explicar o viver e remendar-se.
Reconhecimento de paternidade – Antes, Ana Karla Lima. Neste sábado, Ana Karla Lima Matias (28). Carlos Alberto Matias (61), pai biológico de Ana, falava orgulhoso de ter seu sobrenome no registro da filha adulta. O desejo era antigo. Desde jovem, Ana convivia com ele, porém a relação difícil com a mãe biológica e o trabalho impediram de ajustar o registro da filha. “Nossa aproximação foi mesmo aos poucos. O dia de hoje é muito importante para mim e acredito que para ela também. É uma nova fase da vida que começa”. A mudança também significou muito para Maria da Conceição (60), madrasta que desenvolveu um grande afeto pela jovem. “Eu a conheci com 15 anos. Era no dia do aniversário dela. Tinha muita vontade que ela morasse com a gente. Comecei a conversar com ela, levar ela para casa, passei um bom tempo com ela na juventude. Hoje foi um sonho realizado. Eu disse a ela que, antes de eu morrer, queria ver ela com as iniciais dela com o nome do pai. Ver os dois aqui juntos, fazendo esse registro, é uma graça alcançada”, comemorou.
Reconhecimento de paternidade post mortem – A frase de que o amor não morre se aplica perfeitamente a um dos casos recebidos no mutirão. Caroline dos Santos, de 28 anos, perdeu o pai ainda na adolescência, há pouco mais de uma década, mas nem mesmo o tempo a fez desistir de querer o sobrenome do genitor em seu registro. Durante o atendimento, Caroline deu entrada no reconhecimento de paternidade post mortem. “Descobri que ia ter essa ação através de uma reportagem na televisão e decidi vir atrás com a minha avó [paterna] para fazer o exame de DNA”. Com os olhos marejados, Ângela Maria, de 66 anos, narra a emoção em conseguir reconhecer a neta de forma oficial. “Perdi meu filho ainda muito novo, quando ele tinha 35 anos, de um infarto, e ela ainda não tinha sido registrada. Pra mim era uma falta muito grande o nome dele não tá nos documentos dela. Minha única neta. Na verdade, nem precisava mesmo desse exame, ela é a cara todinha do pai”, saiu agradecida por honrar esta memória.
Paternidade socioafetiva – O gerente Macário Moreira veio registrar a filha Ana Lia de 18 anos. Estudante de farmácia, ela veio acompanhada da mãe para consolidar na lei dos homens – os papéis – o vínculo que eles têm desde os cinco meses de vida dela. Macário é o que chamam de ‘pai do coração’, mas agora também vem assumir no papel este amor. “Conheci o Macário já estava com a minha filha com cinco meses de idade e desde o início do nosso relacionamento, ele sempre fez tudo, tanto me ajudava financeiramente, como nos cuidados com ela, dividia as obrigações escolares. E esse desejo de reconhecer a paternidade era dos dois. Na verdade, de nós três”, revela a contadora Meyrilane Batista. “Tenho um filho mais velho, do meu primeiro relacionamento e o mesmo amor que tenho pra ele, tenho pra ela também. Ela é minha filha, desde sempre estive presente em tudo. Então, não tem como olhar de outra forma”, revela Macário.