"Garantir aos indígenas o acesso à justiça para que possam alterar o nome e incluir no assento de nascimento o seu nome e etnia indígena é uma forma de assegurar-lhes o direito a um documento que reflete suas origens, tradições e cultura que estão inseridos”. Foi assim que o defensor público Salomão Rodrigues da Silva Neto, então colaborador do Núcleo Especializado em Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de Goiás (NUDH/DPE-GO) argumentou a necessidade da inclusão da identidade indígena, de uma família de etnia Tapuia, em seus registros civis.
A decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), assinada no dia 23 de fevereiro determinou, ao Cartório de Nova América, em Goiás, que proceda a retificação do registro civil de Eunice da Rocha Moraes Rodrigues e seus três filhos, César da Rocha Rodrigues, Yasmin Moraes Rodrigues e Nuiawã Moraes Rodrigues. A Ação de Alteração/Retificação de Assentamento do Registro Civil foi interposta por meio do NUDH.
A família, de etnia Tapuia, integra a aldeia Carretão, situada no município de Nova América. Somente Eunice possui carteira de identidade indígena, uma vez que seus descendentes foram registrados diretamente no Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais, não sendo oportunizada a realização do Registro Administrativo de Nascimento de Índio (Rani).
O defensor público reforçou que, por não constar nas certidões de nascimento qualquer identificação de suas origens indígenas, eles possuem dificuldade em comprovar que pertencem à sua comunidade, além de gerar sérios riscos aos seus direitos, prejudicando a identificação e o resgate da ancestralidade da família.
Decisão
O TJGO afirmou que a Constituição da República foi um marco importante para o reconhecimento dos direitos indígenas, reconhecendo sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. O juízo verificou que ficou demonstrado que Eunice possui etnia indígena e que, embora seus descendentes não possuam identidade indígena, esta se deduz por conclusão lógica.
Portanto, foi determinado ao Cartório de Nova América, por meio do 1º Tabelionato de Notas, Protestos e anexos que proceda com a retificação do registro civil da família. “O sentimento que tem ficado aqui entre a gente é o sentimento de emoção, de sabermos que agora o nome do meu povo, a minha identidade, está ali no registro, está ali para todas as pessoas”, explicou Eunice Pirkodi Caetano Moraes Tapuia, nome que agora foi conquistado judicialmente.
“Agora seremos reconhecidos! Porque uma coisa é eu saber que eu sou a Eunice Tapuia, outra coisa é eu ser reconhecida como Eunice Tapuia. Agora a gente tem como provar na linguagem do branco. Porque o branco só entende aquilo que está escrito. Isso é muito importante para nós”.
Salomão Neto também comemorou a decisão. “Recebemos com muita alegria a decisão judicial que garantiu o reconhecimento dos nomes e sobrenomes indígenas nos registros da assistida Eunice Pirkodi Tapuia e de seus três filhos através da atuação do NUDH da DPE-GO”.
“É uma resposta jurídica que também nos chama à reflexão do papel da Defensoria Pública na efetivação dos direitos humanos fundamentais dos povos indígenas, em especial do autorreconhecimento desse fundamental direito da personalidade, previsto não só na Constituição Federal e em leis nacionais, mas também em tratados e convenções internacionais, a exemplo da Convenção nº 169/OIT. Importante ressaltar que a sentença foi proferida em fevereiro, mês em que se comemora o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas. Portanto, simboliza também a efetivação de um direito humano básico ainda menosprezado em relação a diversas etnias não só do estado de Goiás, como do Brasil”, completou.
O Tribunal de Justiça também acatou o pedido de Eunice para incluir o sobrenome materno no seu registro. Ao ser registrada pelo pai, Eunice ficou apenas com os sobrenomes paternos e sentia falta do reconhecimento materno em seus documentos. Agora, seu registro civil terá, também, o sobrenome Caetano, de sua mãe.
Após a alteração, seus nomes passarão a ser Eunice Pirkodi Caetano Moraes Tapuia, César Mõritu Moraes Rodrigues Tapuio, Yasmin Wa’utõmõdzahuiwē Moraes Rodrigues Tapuia e Nuiawã Moraes Rodrigues Tapuio. Para Eunice, o próximo passo é realizar o mesmo processo para toda a comunidade indígena.