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05/01/2022

Equidade racial como propósito de uma Defensoria Pública efetivamente democrática

Fonte: Revista Justiça&Cidadania
No mês de maio se celebra a Defensoria Pública. Neste ano de 2021, a data será marcada na nossa história como conclamação institucional para a construção efetiva de cenários livres de preconceitos e discriminações raciais por meio da campanha temática da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos: “Racismo se combate em todo lugar: Defensoras e Defensores Públicos pela equidade racial”.
 
Esta é a edição nº 13 do Projeto, que tem por objetivo disseminar a atuação das defensoras e defensores públicos como agentes de transformação social, bem como trabalhar a conscientização de todas as pessoas sobre seus direitos e o relevante papel daquela que foi concebida pela ordem constitucional como principal responsável pelo acesso à justiça da população em estado de vulnerabilidade e promotora de direitos humanos, a Defensoria Pública.
 
Dia 13 de maio – e aqui todas as simbologias dos números e datas anteriormente citados se entrecruzam – também é o marco da abolição formal da escravatura. Somos o país com a maior população negra fora da África. Entretanto, fomos o último da América a abolir legalmente o perverso escravismo. Somente após mais de 120 anos de silêncios, dissimulações e omissões daqueles que ocupavam e ocupam os espaços de poder no Brasil, foi promulgado um Estatuto legal que compreendesse as particularidades vivenciadas pelo povo negro, na tentativa de estancar os efeitos advindos de discursos que fundamentaram o mito da democracia racial e que, na prática, não objetivaram ou não conseguiram alcançar todos e todas de maneira igualitária.
 
A propósito, estamos no décimo ano de vigência do Estatuto da Igualdade Racial e os direitos ali consagrados, fruto da luta constante dos movimentos negros brasileiros, ainda não se encontram presentes em políticas públicas e, mesmo no âmbito da iniciativa privada, são diuturnamente dificultados por inúmeras ingerências, inclusive estatais. Neste ponto, constitui provocação institucional necessária saber o que já fizemos e o que deixamos de fazer, isto é, qual a nossa contribuição para a permanência dessa realidade.
 
Vivemos a década dedicada aos povos de ascendência africana declarada pela Organização das Nações Unidas e, pelo peso desse passado não descortinado, assistimos em nosso País as crianças negras representarem a grande maioria no trabalho infantil. Os adolescentes em restrição e privação de liberdade serem essencialmente negros. Os homens jovens negros constituírem o alvo predileto da violência policial letal. As mulheres negras serem as que mais sofrem violência doméstica, assim como as maiores vítimas da violência obstétrica. As mulheres e os homens negros somarem o maior contingente de pessoas encarceradas nas masmorras prisionais. As religiões de matrizes africanas serem as principais ofendidas pela intolerância religiosa. A desigualdade racial no mercado de trabalho e na educação persistirem de forma orquestrada. A ausência de representação adequada de pessoas negras e indígenas nos órgãos públicos, instituições privadas e carreiras políticas, embora constituam a maioria da população.
 
Em âmbito internacional, comemoraremos durante o tramitar da Campanha os 20 anos da Conferência e da Declaração de Durban, na qual o Estado brasileiro reconheceu internacionalmente por meio de sua diplomacia o racismo em nossa sociedade, comprometendo-se a implementar políticas públicas afirmativas para a superação das desigualdades raciais coletadas por diversos institutos de pesquisas nacionais. Quais os resultados alcançados até o momento? Como devemos agir para a ampla efetivação dos compromissos assumidos dentro do nosso mister de expressão e instrumento do regime democrático?
 
Os indígenas brasileiros, desde os tempos das invasões coloniais, têm amargado o genocídio e o desprezo de suas múltiplas identidades e cosmovisões jurídicas e espirituais. Vislumbramos o crescimento do número de assassinatos das lideranças nos últimos anos, muitas vezes resultante da prática colonialista que informalmente ainda vigora: a invasão dos seus territórios. Diversas disposições normativas nacionais, tais como o Estatuto “do Índio”, demandam atualização urgente, em especial para a superação do paradigma assimilacionista e tutelar nelas inseridas, não se podendo jamais olvidar a indispensável participação ativa dos povos indígenas nas novas formulações.
 
Situação que não difere em relação aos povos quilombolas que, não obstante também tenham reconhecida a propriedade definitiva de suas terras pelas normas constitucionais vigentes, até os dias atuais sofrem com os obstáculos da identificação, reconhecimento, e titulação.
 
O tratamento dispensado aos demais povos e comunidades tradicionais refletem da mesma forma a ausência ou, quando muito, a insuficiência de projetos e ações que respeitem todas as suas contribuições histórico-culturais e salvaguardem a fruição de seus direitos.
 
Eis o gigantesco desafio da Campanha: assumir e difundir na Defensoria Pública o compromisso de enfrentamento cotidiano do racismo institucional, com a disseminação de práticas antirracistas ao seu público interno e externo, assim como amplificar as vozes dos indígenas, negros, quilombolas e demais povos tradicionais, que, em razão da situação de vulnerabilidade imposta, são nossos assistidos por excelência.
 
Buscar a equidade racial é efetivar aquilo que se considera justo. Transcender a mera igualdade formal, com mecanismos de justiça racial é compreender a necessidade de superação de várias lacunas constitutivas da nossa construção social. É levar em consideração as particularidades dos componentes racialmente subalternizadas no nosso País, superando o tratamento dito universalista que sempre moldou privilégios. Buscar a equidade racial é reconhecer as diferenças existentes entre as pessoas, dispensando o tratamento necessário para aqueles que demandam proteção especial em razão das fragilidades construídas pela exclusão.
 
Assim como as demais carreiras jurídicas do sistema de Justiça, conforme o IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, realizado em 2016 pelo Ministério de Justiça, nossa Instituição é composta por cerca de 75% de defensoras e defensores públicos que se autodeclaram brancos. É imprescindível discutirmos a posição de privilégio da maioria dos membros da nossa Instituição e como isso impacta o acolhimento das demandas dos grupos que são os principais destinatários da campanha. Precisamos trabalhar a implantação ou o aperfeiçoamento da política de cotas étnico-raciais, a fim de que ela seja estabelecida de forma perene em todas as unidades estaduais e distrital, além de outras ações afirmativas a serem enxergadas como práticas exitosas.
 
É tempo de dialogarmos, entre outros, com os povos de terreiro e comunidades de matriz africana, ciganos, pescadores artesanais, extrativistas, catingueiros, pantaneiros, quebradeiras de coco babaçu, retireiros do Araguaia, ribeirinhos, e com a juventude de povos e comunidades tradicionais. Colocarmo-nos em posição de escuta, com vistas à efetivação de seus direitos e focados em contribuir para a implementação dos objetos fundamentais traçados na Constituição Federal deve se tornar prática cotidiana.
 
Inspirações não nos faltarão. Tentaremos superar o epistemicídio imposto por uma sociedade edificada em práticas racistas de apagamento e invisibilização, acolhendo estratégias e semeando, interna e externamente, novos Abdias, Lélias, Mães Stellas, Luíses Gamas, Esperanças, Miltons e Laudelinas, na busca constante de trilhar caminhos inclusivos e dar continuidade às possibilidades construídas por aqueles que nos antecederam.
 
Será uma grande oportunidade para aprendermos sobre multiculturalidade e pluralismo com os povos Apinayé, Aruá, Avá-Canoeiro, Baniwa, Guajajara, Iny Karajá, Kaimbé, Kambeba, Karuazu, Krenak, Manchineri, Pankararu, Potiguara, Tapuia, Terena, Xakriabá, Yawalapiti, e outros povos indígenas que nos constituem enquanto nação. São mais de trezentas etnias que bravamente resistem há séculos de colonialismo e utilizam conhecimentos diversos, inovações múltiplas e práticas admiráveis transmitidas de forma geracional, reafirmando suas identidades e tradições.
 
Em outras palavras, a atual Campanha Nacional da Anadep convida a todos e todas defensoras públicas a despirem-se de seus preconceitos e unirem-se à caminhada de construção de uma sociedade efetivamente democrática – secularmente reivindicada pelas vozes negras, indígenas, quilombolas e tradicionais – que confira igualdade de condições econômicas, políticas, jurídicas e sociais, para toda a pluralidade étnico-racial que construiu e constrói nossa história, mas que ainda é obstaculizada por meio de condutas forjadas pelo racismo estrutural que nos permeia.
 
Que a campanha seja o início ou o aprofundamento da contribuição institucional para a superação dos simulacros de cidadania racialmente construídos e visualizados diante de nossas atuações perante os estados e o Distrito Federal. E que, enquanto não alcançado o ideal de equidade, sejamos porta-vozes incansáveis do “Protesto poético” de Carlos de Assumpção: “Não paremos de gritar!”.
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