O caso do menino de 9 anos, morador da cidade de Quixeramobim, que tinha o desejo de ter o nome do seu padrasto em sua certidão de nascimento, despertou na última semana o debate acerca da organização familiar. Dentro do contexto e a fim de promover conhecimento acerca da temático do direito de família, a 94º edição do #Na pausa, que aconteceu nesta quinta-feira (12), tratou sobre “Multiparentalidade: da origem biológica aos laços de afeto”, em um bate-papo com a defensora pública titular do Núcleo de Resposta do Réu, Roberta Madeira Quaranta e com o defensor público titular da comarca de Quixeramobim, Jefferson Dias.
O fato é que a paternidade socioafetiva conhecida no caso de Quixeramobim, é uma realidade comum em muitos lares e que pode existir sem a obrigatoriedade de a paternidade biológica ser retirada dos documentos.
O defensor público Jefferson Dias, que realizou o atendimento da família de Ângelo para andamento do processo sobre a inserção do novo nome, explica que pode parecer um pedido simples, uma coisa singela, mas que isso conta vários desdobramentos jurídicos.
“Esse caso chegou e ganhou uma grande repercussão pela forma que aconteceu, por vermos o afeto, o amor que o menino tem e como ter o nome do padrasto era importante para ele. Contudo, no atendimento conversei bastante com a família para esclarecer sobre os benefícios da Multiparentalidade, já que retirar o nome do pai biológico, se caracteriza por desconstituir o poder familiar, algo que pelo nosso código civil exige que tenham justificativas bem rígidas”, detalhou Jefferson.
“O que abunda não prejudica”. A afirmação da defensora pública Roberta Quaranta ressalta que a multiparentalidade não exclui, ao contrário, soma. A possibilidade da múltipla filiação registral resguarda em melhor medida o direito da criança, ela passa a ter dois pais – a coexistência de vínculos – biológico e afetivo – culminando no registro de nascimento. Entendemos que um vínculo não tem que excluir o outro, assim como nenhum dos vínculos não se sobrepõe”, contextualiza.
A partir de 12 anos, com o consenso de todas as partes, o pedido pode ser feito administrativamente, no próprio cartório.
Os debatedores reconhecem o quanto o direito de família é um tema delicado e exige maior sensibilidade e atenção. “É mesmo um campo espinhoso, afinal lida com a intimidade e questões bem profundas. A família é algo que está entranhado na gente, que mexe com a nossa estrutura. Precisamos priorizar no trato destas questões, o lado emocional, atendemos pessoas devastadas, que por vezes falta lucidez, avalia Roberta. Em concordância, Jefferson ressalta os desafios. “Relações de famílias sempre trazem muito calor, vigor, conflitos por conta de desgastes. É preciso ter paciência e disposição para ouvir. Não é incomum atendermos pessoas que só querem desabafar, precisando apenas de uma palavra mais acolhedora, com demandas sem nenhuma irregularidade jurídica, querendo ajuda para refletir e tomar melhores decisões”.
Instituição de vanguarda – Roberta Quaranta destaca que o tema já faz parte da rotina de atendimentos da Defensoria antes mesmo de a multiparentalidade ser reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “ Neste em específico, teve a questão da criança escrever a cartinha para a juíza, expressando o seu desejo e mesmo a juíza sem poder agir diretamente, teve a sensibilidade de encaminhar à defensoria. Mas, é uma realidade comum, inclusive desde 2011, quando o supremo passou a reconhecer as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo e logo depois o casamento. Vários casais já vinham fazendo processos de adoção, portanto, na via transversa já vinha acontecendo”, revelou Roberta Quaranta.
As transformações na família estão cada vez mais dinâmicas e complexas, em virtude disto a defensora pública fala sobre as lacunas que desenham o direito de família, como a desbiologização da paternidade. “O fato é que o direito se depara com essas perguntas e não temos respostas imediatas, porque a família é uma construção constante, não é uma receita de bolo pronta, e você só aquilo estaríamos engessados. O afeto hoje tem valor jurídico e a família é uma construção social que vai além do laço sanguíneo”, disse.
Em ações como esta, pode haver dúvidas sobre como ficaria a situação em uma questão de discordância por parte do pai/mãe biológicos. Os defensores explicam que os mesmos tomarão conhecimento da ação, mas como no processo de adoção de maior, a opinião não superaria o vínculo socioafetivo, já que é algo que existe no mundo dos fatos e que a inclusão do nome irá apenas declarar juridicamente uma relação que já existe. Será necessário apenas que fique provado todos os provimentos exigidos na ação.
As demandas do direito de família trazem um contexto emocional que ocasiona desdobramentos diferenciados. “O afeto é como mola propulsora no direito de família. Temos que compreender que as relações de afeto são a base das relações familiares. Em um dos meus atendimentos, o pai afetivo estava tendo resistência daqueles que seriam avós da criança. Chamei os dois e expliquei que do mesmo jeito que os avós não escolhem os netos biológicos, não lhes era conferido o direito de poder escolher o vínculo socioafetivo. Então, eu disse: “se seu filho ama tanto essa criança, se deem essa chance também”. Filho é um substantivo que não cabe adjetivo. Filho biológico, socioafetivo, hoje podemos ter esse olhar acolhedor e elastecer o espectro familiar”.