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01/08/2008

Parecer sobre as normas que regem os deveres funcionais de Defensor Público e estabelecem o órgão disciplinador para apuração de se descumprimento

Fonte: ANADEP
Estado: DF

Carlos Weis é Defensor Público do Estado de São Paulo

1. Introdução

O presente estudo tem como objetivo dirimir eventuais dúvidas a respeito da legislação de regência para a definição dos deveres funcionais de Defensor Público, assim como do órgão encarregado de proceder à apuração de eventual descumprimento daqueles e aplicação da sanção correlata.

Mais especificamente, o parecer se atém à possibilidade, ou não, de as normas da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 e de o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil conhecer e julgar representações contra membro da Defensoria Pública por violação a dever funcional, no exercício da função pública, em substituição ou em paralelo à atuação das Corregedorias-Gerais das Defensorias Públicas.

Evidentemente, o estudo parte da premissa meramente lógica de que os Defensores Públicos são legalmente considerados advogados, pois, caso assim não fosse, evidente que as normas de regência da advocacia e de seu órgão de classe não se lhes aplicariam e o parecer não teria sentido.

Portanto, parte-se de uma dada hipótese de trabalho para averiguar as correlações legislativas, caso seja ela verdadeira, sem que isso signifique esposar a tese em questão, ou a contrária.

Importante frisar que a hipotética equiparação dos Defensores Públicos à condição de advogados não se dá a partir de uma análise ontológica quanto à natureza das atividades desempenhadas por ambas as categorias, o que é objeto de profunda discussão e que não cabe nos limites deste parecer.

Assemelha-se, neste ponto, à comparação entre a advocacia e o Ministério Público, vez que, ontologicamente, é discutível se as atividades do Promotor de Justiça e a do advogado guardam ou não, em essência, semelhanças fundamentais, o que poderia permitir a incidência das normas da advocacia sobre o Parquet. Mas, neste caso, por decisão da Lei, as categorias são estanques.

Logo, deixo a outros, mais sapientes, a tarefa de perquirir se, em face da construção normativa da Defensoria Pública, submete-se ela ao regime jurídico da advocacia, ou, como no caso do Ministério Público, isso não ocorre.

Ainda uma última ressalva. O tema será tratado a partir do ponto de vista das Defensorias Públicas dos Estados, notadamente do Estado de São Paulo, o que pouco muda em relação à Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, salvo pela inclusão das normas decorrentes da Lei Orgânica da Defensoria Pública paulista.

Assim, as perguntas que ora se busca responder são:

A. Quais são as normas jurídicas que estabelecem os deveres funcionais dos Defensores Públicos?

B. O Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil é competente para processar representações de supostas violações a tais deveres, lançadas contra Defensor Público, por atos ou omissões havidas no exercício da função?

C. Se afirmativa a resposta ao item precedente, qual o limite, se existente, de sua competência, em face das atribuições legais das Corregedorias-Gerais das Defensorias Públicas?

2. Panorama legislativo

A conformação da Defensoria Pública, a partir da Constituição Federal de 1988, a coloca como instituição pública voltada à consecução de um direito fundamental, qual seja, o de os financeiramente hipossuficientes serem assistidos juridicamente, de forma integral e gratuita.

Logo, se inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição criou o direito à assistência jurídica a todos os comprovadamente hipossuficientes, no mesmo inciso previu o dever estatal de prover o serviço correlato, não deixando dúvidas quanto ao sujeito passivo do direito fundamental conferido aos destinatários da norma.

Mais que isso, cuidou a Carta Magna de precisar, dentre a estrutura estatal, qual o órgão destinado a se desincumbir da obrigação prevista na norma citada, estatuindo, assim, a Defensoria Pública no universo administrativo brasileiro, definitivamente.

Assim é que o artigo 134 da Constituição traçou os dados essenciais da nova instituição e lhe atribuiu finalidade específica. Além disso, delegou à lei complementar o papel de mais detalhadamente estruturar o novo órgão, como expressamente previsto pelo parágrafo primeiro da norma referida, da qual se extrai, para a finalidade deste parecer, o seguinte:

“§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, (...)”

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, agregou novos atributos às Defensorias Públicas, notadamente conferindo-lhes autonomias de duas ordens, funcional e administrativa, nos termos seguintes:

“§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa (...).

Regulamentando a matéria, a Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, estabeleceu os lineamentos para o funcionamento das Defensorias Públicas no país.

No que diz respeito aos deveres funcionais dos membros da Defensoria Pública dos Estados, sua fiscalização e aplicação de penalidades, a referida lei complementar estabeleceu que as Defensorias Públicas deverão contar com Corregedoria-Geral, cuja atribuição, genericamente falando, é a de fiscalizar a atividade funcional e a conduta dos membros e dos servidores da Instituição, nos termos dos artigos 103 a 105, assim redigidos:

Art. 103. A Corregedoria-Geral é órgão de fiscalização da atividade funcional e da conduta dos membros e dos servidores da Instituição.

Art. 104. A Corregedoria-Geral é exercida pelo Corregedor-Geral, indicado dentre os integrantes da classe mais elevada da carreira em lista sêxtupla formada pelo Conselho Superior, e nomeado pelo Governador do Estado, para mandato de dois anos.

Parágrafo único. O Corregedor-Geral poderá ser destituído por proposta do Defensor Público-Geral, pelo voto de dois terços do Conselho Superior, antes do término do mandato.

Art. 105. À Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado compete:

I - realizar correições e inspeções funcionais;

II - sugerir ao Defensor Público-Geral o afastamento de Defensor Público que esteja sendo submetido a correição, sindicância ou processo administrativo disciplinar, quando cabível;

III - propor, fundamentadamente, ao Conselho Superior a suspensão do estágio probatório de membro da Defensoria Pública do Estado;

IV - apresentar ao Defensor Público-Geral, em janeiro de cada ano, relatório das atividades desenvolvidas no ano anterior;

V - receber e processar as representações contra os membros da Defensoria Pública do Estado, encaminhado-as, com parecer, ao Conselho Superior;

VI - propor a instauração de processo disciplinar contra membros da Defensoria Pública do Estado e seus servidores;

VII - acompanhar o estágio probatório dos membros da Defensoria Pública do Estado;

VIII - propor a exoneração de membros da Defensoria Pública do Estado que não cumprirem as condições do estágio probatório.

No que diz respeito aos deveres, a LC nº 80/94 também é específica, descrevendo com minúcia a respectiva relação, nos incisos I a VII do artigo 129.

No âmbito do Estado de São Paulo, também por Lei Complementar, foi instituída a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública, fixando-se, ainda com maior minúcia, os deveres funcionais dos membros da instituição, isso em atenção à própria previsão constitucional, inserta no artigo 134, § 1º, de que a lei federal se limitaria a prever normas gerais.

Quanto à Corregedoria-Geral, diz a Lei Complementar nº 988, de 9 de janeiro de 2006, em seus artigos 32 e seguintes:

Artigo 32 - A Corregedoria-Geral é órgão da administração superior da Defensoria Pública do Estado encarregado da orientação e fiscalização da atividade funcional e da conduta pública dos membros da instituição, bem como da regularidade do serviço.

Artigo 33 - O Defensor Público do Estado Corregedor- Geral será nomeado pelo Governador do Estado, observado o disposto no artigo 31, inciso V, desta lei complementar, para mandato de 2 (dois) anos, permitida 1 (uma) recondução.

Parágrafo único - Compete ao Governador do Estado destituir o Defensor Público do Estado Corregedor- Geral, observado o disposto no artigo 31, inciso XVI, desta lei complementar.

Artigo 34 - Compete ao Defensor Público do Estado Corregedor-Geral:

I - realizar a fiscalização:

a) das atividades funcionais dos Defensores Públicos, por meio de correições ordinárias e extraordinárias;

b) da regularidade do serviço, por meio de inspeções;

II - instaurar e instruir processos administrativos disciplinares em face de Defensores Públicos, encaminhando- os, com parecer conclusivo, ao Defensor Público- Geral do Estado;

III - representar ao Defensor Público-Geral do Estado visando ao afastamento provisório de membro da carreira que figure como sindicado ou indiciado, nos termos do artigo 189 desta lei complementar;

IV - acompanhar o estágio probatório dos Defensores Públicos, enviando relatórios individuais ao Conselho Superior;

V - representar ao Conselho Superior visando à exoneração de Defensor Público que não cumprir as condições do estágio probatório, assegurada a ampla defesa;

VI - receber e analisar os relatórios mensais de atividades dos Defensores Públicos;

VII - estabelecer os meios de coleta dos dados que deverão compor o relatório mensal, bem como a forma de preenchimento e encaminhamento;

VIII - solicitar, a qualquer órgão de execução ou atuação, esclarecimentos sobre os dados fornecidos nos relatórios mensais;

IX - solicitar, a qualquer órgão de execução ou atuação, relatórios específicos, sempre que necessários à análise do desempenho ou do zelo no exercício das atribuições institucionais;

X - organizar o serviço de estatística das atividades da Defensoria Pública do Estado;

XI - requisitar, às secretarias dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Justiça, aos diversos cartórios ou repartições judiciárias e a qualquer repartição pública, cópias ou certidões referentes a processos judiciais ou administrativos, bem como informações em geral;

XII - aconselhar qualquer órgão de execução ou atuação da Defensoria Pública do Estado sobre o procedimento correto a ser adotado em casos de irregularidades reputadas de menor gravidade;

XIII - acompanhar o cumprimento do plano anual de atuação da Defensoria Pública do Estado;

XIV - fazer publicar, integral ou resumidamente, os dados estatísticos a que se refere o inciso X deste artigo;

XV - fazer recomendações que julgar cabíveis aos Defensores Públicos, diante de informações recebidas ou obtidas durante inspeção ou correição, bem como dar-lhes ciência dos elogios, determinando as anotações pertinentes nos assentos individuais;

XVI - indicar, ao Defensor Público-Geral do Estado, Defensores Públicos para o cargo de Defensor Público do Estado Corregedor-Assistente e para as funções de Corregedor-Auxiliar, que atuarão com prejuízo de suas atribuições normais.

E, no tocante aos deveres funcionais, ampliando o rol da LC 80/94, dispôs o seguinte:

Artigo 164 - São deveres dos membros da Defensoria Pública do Estado, além de outros previstos em lei:

I - prestar aos necessitados atendimento de qualidade, tratando-os com urbanidade e respeito, nos termos do artigo 6º desta lei complementar;

II - racionalizar, simplificar e desburocratizar os procedimentos, evitando solicitar aos usuários documentos ou diligências prescindíveis à prestação do serviço;

III - atender aos necessitados, nos dias e horários previamente estabelecidos e divulgados, salvo nos casos urgentes;

IV - desempenhar com zelo e presteza, dentro dos prazos, os serviços a seu cargo e os que, na forma da lei, lhes sejam atribuídos pelos órgãos da administração superior;

V - participar dos atos judiciais, quando necessária a sua presença;

VI - esgotar as medidas e recursos cabíveis na defesa dos interesses do necessitado assistido, inclusive promover a revisão criminal e a ação rescisória;

VII - zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções;

VIII - zelar pelo respeito aos membros da Defensoria Pública do Estado e do Ministério Público, aos magistrados e aos advogados;

IX - tratar com urbanidade as partes, testemunhas e auxiliares da Justiça;

X - declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei;

XI - manter conduta compatível com o exercício das funções;

XII - residir, se titular, no Município onde exerce suas funções, salvo autorização expressa do Defensor Público-Geral do Estado, em caso de justificada e relevante razão;

XIII - resguardar o sigilo sobre o conteúdo de documentos ou informações obtidas em razão do cargo ou função e que, por força de lei, tenham caráter sigiloso;

XIV - comparecer, em horário normal de expediente, ao local onde exerce suas funções;

XV - exercer permanente fiscalização sobre os servidores subordinados;

XVI - representar ao Defensor Público-Geral do Estado e ao Corregedor-Geral sobre irregularidades que dificultem ou impeçam o desempenho de suas funções;

XVII - prestar as informações solicitadas pelos órgãos da administração superior da Defensoria Pública do Estado;

XVIII - zelar pelo recolhimento ou promover a cobrança de honorários advocatícios, sempre que o necessitado for vencedor da demanda ou houver arbitramento judicial, bem como de quaisquer despesas adiantadas pelo Fundo de Assistência Judiciária, tais como honorários periciais;

XIX - observar fielmente o plano anual de atuação, aprovado pelo Conselho Superior;

XX - encaminhar relatório de suas atividades, na forma e periodicidade estabelecidas pela Corregedoria- Geral;

XXI - zelar pela guarda e boa aplicação dos bens e recursos que lhe forem confiados.

De outro lado, o exercício da advocacia vem previsto no artigo 133 da Constituição Federal, de forma singela, porém contundente, no sentido de que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

No plano infraconstitucional, sobreveio a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, dito Estatuto da Advocacia, cujos destinatários são fixados no respectivo artigo 3º, § 1º, nos termos seguintes:

§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.

Logo, para o Estatuto, os ditames ali previstos aplicam-se aos Defensores Públicos, em adendo às prescrições de sua legislação específica. Daí que, nessa ótica, os Defensores Públicos devem observar os preceitos éticos da profissão e cuidar de não incorrer em infração disciplinar, conforme relação seguinte:

Da Ética do Advogado

Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.

§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.

Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.

Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares.

Das Infrações e Sanções Disciplinares

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

I - exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos;

II - manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos nesta lei;

III - valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos honorários a receber;

IV - angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros;

V - assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado;

VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior;

VII - violar, sem justa causa, sigilo profissional;

VIII - estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do advogado contrário;

IX - prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio;

X - acarretar, conscientemente, por ato próprio, a anulação ou a nulidade do processo em que funcione;

XI - abandonar a causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias da comunicação da renúncia;

XII - recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública;

XIII - fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes;

XIV - deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa;

XV - fazer, em nome do constituinte, sem autorização escrita deste, imputação a terceiro de fato definido como crime;

XVI - deixar de cumprir, no prazo estabelecido, determinação emanada do órgão ou de autoridade da Ordem, em matéria da competência desta, depois de regularmente notificado;

XVII - prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la;

XVIII - solicitar ou receber de constituinte qualquer importância para aplicação ilícita ou desonesta;

XIX - receber valores, da parte contrária ou de terceiro, relacionados com o objeto do mandato, sem expressa autorização do constituinte;

XX - locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte adversa, por si ou interposta pessoa;

XXI - recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele;

XXII - reter, abusivamente, ou extraviar autos recebidos com vista ou em confiança;

XXIII - deixar de pagar as contribuições, multas e preços de serviços devidos à OAB, depois de regularmente notificado a fazê-lo;

XXIV - incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional;

XXV - manter conduta incompatível com a advocacia;

XXVI - fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na OAB;

XXVII - tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;

XXVIII - praticar crime infamante;

XXIX - praticar, o estagiário, ato excedente de sua habilitação.

Parágrafo único. Inclui-se na conduta incompatível:

a) prática reiterada de jogo de azar, não autorizado por lei;

b) incontinência pública e escandalosa;

c) embriaguez ou toxicomania habituais.

Por fim, a respeito do órgão de controle e fiscalização do cumprimento das prescrições acima, a lei prevê, ainda que singelamente, a existência de um Tribunal de Ética e Disciplina, que deverá julgar os processos disciplinares, remetendo o caso ao Conselho Seccional da OAB local para aplicação da sanção.

Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal.

§ 1º Cabe ao Tribunal de Ética e Disciplina, do Conselho Seccional competente, julgar os processos disciplinares, instruídos pelas Subseções ou por relatores do próprio conselho

Feito esse extenso, porém necessário, apanhado das normas em vigor, fica mais claro o ponto de eventual conflito entre aquelas que regem a advocacia e as que instituíram e regulamentam a Defensoria Pública, notadamente ante a previsão do artigo 3º, § 1º, do Estatuto da Advocacia, que fixa sua incidência sobre as atividades dos Defensores Públicos.

Esta é a norma que mescla os dois sistemas e, ao menos do ponto de vista da lei nº 8906/94, equipara os Defensores Públicos aos advogados, daí gerando as questões propostas nesse estudo, do que se cuidará a seguir.

3. A necessidade de Lei Complementar para dispor sobre a organização da Defensoria Pública.

Da leitura dos textos legais acima transcritos, ressalta o comando do artigo 134, § 1º, da Constituição Federal, segundo o qual as questões relativas à organização da Defensoria Pública devem ser reguladas por lei complementar, o que exclui a possibilidade de outro tipo de ato normativo dispor sobre a matéria.

Portanto, tratando-se o Estatuto da Advocacia de lei ordinária, forçoso entender que a extensão de sua aplicação aos Defensores Públicos, como previsto em seu artigo 3º, § 1º, invadiu indevidamente esfera reservada à lei complementar.

A respeito do tema, a doutrina é assente, como ressalta da lição da MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, que, ao dispor sobre a especificidade da lei complementar, ensina:

“A Constituição enuncia claramente em muitos de seus dispositivos a edição de lei que irá complementar suas normas relativamente a esta ou àquela matéria. Fê-lo por considerar a especial importância dessas matérias, frisando a necessidade de receberem um tratamento especial. Só nessas matérias, só em decorrência dessas indicações expressas, é que cabe a lei complementar.[1]

Em concordância, LUIZ ALBERTO DAVID ARAÚJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR assentam que “A matéria reservada à lei complementar não pode ser veiculada por medida provisória, nem tampouco por lei delegada”.[2]

E, a respeito da forma legislativa exigida para dispor sobre as matérias de competência do Congresso Nacional, estatuídas no artigo 48 da Constituição, reiteram que, a princípio, não há diferença entre lei ordinária e complementar, salvo se assim dispuser a lei maior, expressamente. Afirmam os autores:

“As matérias do art. 48 da Constituição Federal devem ser veiculadas tanto por lei ordinária quanto complementar (estas apenas quando explicitamente requeridas pelo texto constitucional).” [3]

No caso em estudo, resta patente que a Constituição Federal exige que a organização da Defensoria Pública se dê por meio de lei complementar, por força do artigo 134, § 1º, o que afasta definitivamente a incidência do Estatuto da Advocacia sobre a atividade dos membros da Defensoria Pública e, mais especificamente, sobre fixação dos deveres no exercício da profissão e do órgão encarregado de apreciar denúncias de sua não observância.

Ainda, para parte da doutrina, a impossibilidade de a lei ordinária invadir seara constitucionalmente atribuída à lei complementar decorre da relação de hierarquia entre ambas, sendo que a primeira deveria se submeter à segunda.

Conquanto essa teoria não seja unânime, juristas de consagrada reputação a abraçam, como é o caso do já citado Ferreira Filho, que expõe o tema da seguinte forma:

“Outra modalidade de ato normativo prevista pela Constituição é a ‘lei complementar’, sobre a qual o texto constitucional é lacônico e obscuro, forçando o intérprete a apoiar-se quase que exclusivamente na opinião da doutrina em seu estudo.



Numa análise percuciente, o Prof. Miguel Reale demonstrou serem essas leis um “tertium genus de leis, que ostentam a rigidez dos preceitos constitucionais, nem tampouco devem comportar a revogação (perda da ‘vigência’) força de qualquer lei ordinária superveniente”, opinião essa partilhada por outros juristas, como Pontes de Miranda.



Da inserção da lei complementar entre a Constituição e a lei ordinária, decorrem conseqüências inexoráveis e óbvias.



Em primeiro lugar, a lei complementar não pode contradizer a Constituição. Não é outra forma de emenda constitucional, embora desta se aproxime pela matéria e pelo quorum de votação. Tanto não é que foi prevista à parte pelo constituinte... Tanto não o é, que seria um bis in idem se tivesse a força da emenda. Daí decorre que pode incidir em inconstitucionalidade e ser, por isso, inválida.



Em segundo lugar, a lei ordinária, a medida provisória e a lei delegada estão sujeitas à lei complementar. Em conseqüência disso, não prevalecem contra ela, sendo inválidas as normas que a contradisserem.”[4]



Em conclusão, o fato é que a doutrina concorda que lei ordinária, ou outros tipos de atos legislativos, não podem dispor sobre matéria reservada pela Constituição Federal à lei complementar, como é o caso da organização da Defensoria Pública.

Por derradeiro, importa destacar que a expressão “organização” da Defensoria Pública, nos termos do já citado artigo 134, § 1º, da Constituição Federal, merece acepção ampla, a abranger, além da mera previsão da estrutura interna da Instituição, a fixação das atribuições funcionais de seus membros e, indubitavelmente, os deveres de seus membros.

Com maioria de razão, a organização da Defensoria Pública envolve a previsão, estruturação e atribuições da Corregedoria-Geral, como o órgão incumbido de fiscalizar a conduta dos membros da Instituição e de propor a aplicação das sanções administrativas cabíveis.

A respeito do tema, vale relembrar que os Defensores Públicos, no exercício de suas funções, não atuam individualmente, sendo entendidos como órgãos de execução da Defensoria Pública, nos termos do que dispõe o artigo 53, inciso III, da Lei Complementar nº 80/94:

Art. 53. A Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios compreende:

III - órgãos de execução: os Defensores Públicos do Distrito Federal e dos Territórios.

Portanto, se os Defensores Públicos são órgãos da Instituição, evidente que o vocábulo “organização”, empregado pela Constituição Federal se lhes aplica, reforçando a noção de que somente por lei complementar podem ser fixadas regras que lhes afetem.

Em conclusão, é de se entender que falece competência legislativa para que a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 disponha sobre questões relativas à Defensoria Pública e o exercício da atividade de Defensor Público por seus membros.

4. As normas que fixam os deveres funcionais dos Defensores Públicos

Dando continuidade à averiguação acerca de qual conjunto normativo se presta a estabelecer os deveres funcionais dos membros da Defensoria Pública, a partir do que se acabou de expor, resta evidenciado que neste universo se inserem apenas aqueles previstos no artigo 129 da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994 e, no caso do Estado de São Paulo, os do artigo 164 da Lei Complementar nº 988, de 9 de janeiro de 2006, além de eventuais determinações esparsas, contidos no texto das referidas leis.

Da mesma forma, as normas da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 não incidem sobre a atividade do Defensor Público.

Contudo, no caso da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, há uma aparente brecha legal instituída pelo caput do artigo 164 da respectiva Lei Orgânica, eis que ali consta que ao rol de deveres dos membros da Defensoria Pública somam-se “outros previstos em lei”.

Logo, por expressa previsão legal estadual, poder-se-ia entender que as previsões da Lei nº 8.906/94 integrariam os deveres funcionais dos Defensores Públicos do Estado de São Paulo.

Porém, a interpretação não se pode dar dessa forma, caso contrário estar-se-ia permitindo que a lei complementar dispusesse contrariamente à norma que lhe deu origem, a própria Constituição, o que não é possível, como lembrado por FERREIRA FILHO, no trecho acima transcrito, visto que lei complementar não pode emendar a Constituição.

Logo, se a norma da Lei Complementar nº 988, de 9 de janeiro de 2006 indicasse que lei de qualquer natureza pudesse complementar seus ditames para dispor sobre os deveres de Defensor Público, tal interpretação levaria à sua inexorável inconstitucionalidade, visto que a própria Constituição Federal reservou tal matéria à lei complementar.

Entretanto, é regra de interpretação constitucional que as normas inferiores devam ser tomadas de maneira que melhor se adaptem aos comandos da Lei Maior, a fim de com ela se harmonizem, sem prejudicar sua vigência e eficácia.

Assim, para que o artigo 164 da Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado de São Paulo não colida com a Constituição, a única interpretação razoável é a de que a palavra “lei”, ali contida, refere-se a “lei complementar”, única modalidade legislativa admitida pela Constituição como forma de regular a organização da Defensoria Pública.

Por isso, mais uma vez, incabível entender que os dispositivos do Estatuto da Advocacia que regulam a ética profissional e fixam as infrações disciplinares se aplicam a Defensor Público.

5. O órgão competente para fiscalizar a atuação dos Defensores Públicos.

Outra questão proposta dizia respeito ao tema deste tópico, sendo certo é que a Corregedoria-Geral das Defensorias Públicas Estaduais possui tal competência, como decorre de expressa determinação legal, a do artigo 103 da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994 e, no caso do Estado de São Paulo, o artigo 32 da Lei Complementar nº 988, de 9 de janeiro de 2006.

A questão é saber se o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB é também competente para apreciar eventuais infrações disciplinares praticadas por Defensor Público, em paralelo ou subsidiariamente à atuação da Corregedoria-Geral.

Neste ponto, é de se entender pela negativa, isso fundado em quatro pontos, a saber: Reserva legal; Autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública; Fixação de competência específica na legislação; e Princípio do non bis in idem.

5.1 Reserva legal

Sobre a reserva legal, apenas cumpre reiterar o já estudado quanto à obrigatoriedade de lei complementar para dispor sobre a organização da Defensoria Pública, em face do que o Tribunal de Ética e Disciplina jamais poderia incidir sobre a atividade dos membros da Instituição.

Mas bem se poderia argumentar que, acaso se entendesse que os Defensores Públicos são advogados, haveria dois órgãos competentes para fiscalizar a atuação daqueles e, eventualmente, aplicar as correspondentes sanções disciplinares.

Seria algo assemelhado a um advogado, contratado por escritório, que, ao praticar infração disciplinar, sofresse a sanção dentro da própria empresa (v.g. subordinação a outro profissional, mudança de área de trabalho ou mesmo demissão) e, além disso, sofresse a sanção disciplinar aplicada pelo T.E.D.

Seria isso possível no caso de Defensor Público? Novamente, entendemos pela negativa, justamente porque, diversamente de sociedade de advogados ou de empresa privada, a Defensoria Pública é dotada de autonomia funcional e administrativa, como se passa a expor.

5.2 A autonomia administrativa da Defensoria Pública

Um dos elementos caracterizadores da “nova” Defensoria Pública, isto é, aquela surgida com a Constituição Federal de 1988, sobretudo após a edição da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, foi o outorga à instituição das autonomias funcional e administrativa.

Tais autonomias, a partir de então, passaram à condição de atributos institucionais da Defensoria Pública, cujo significado é precisado pela lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA:

“Assim é que, por autonomia funcional se entende o exercício de suas funções livre de ingerências de qualquer outro órgão do Estado. É predicativo institucional, tanto que se poderia falar – e às vezes se fala – em autonomia institucional, mas ela se comunica aos membros da instituição, porque suas atividades-fim se realizam por meio deles. Assim, eles compartilham dessa autonomia institucional, porque não tem que aceitar interferência de autoridades ou órgãos de outro Poder no exercício de suas funções institucionais.”[5]

Ainda, conforme salienta Hely Lopes Meirelles[6], tais autonomias são exercidas relativamente a outro órgão, agente ou Poder, os quais não podem dispor sobre as matérias reservadas àquela.

Revela-se, portanto, que as autonomias constitucionalmente atribuídas à Defensoria Pública lhe preservam da ingerência de outrem em seus negócios, salvo nas exceções previstas pela própria Constituição, como é o caso das decisões do Poder Judiciário e, no âmbito administrativo, as determinações do Tribunal de Contas.

Além disso, aos Defensores Público, como componentes da Defensoria Pública, estendem-se as garantias, sem o que a norma constitucional não seria plenamente respeitada, visto que, na grande maioria das vezes, é no exercício das funções pelos componentes da Defensoria Pública que se define a própria atividade institucional, como bem destacado por José Afonso da Silva.

Trata-se, portanto, de uma reserva contra a ingerência de outrem em matérias que sejam afetas exclusivamente à instituição em comento, resultando em garantia própria do órgão público.

Em decorrência, respeitada a vontade soberana do povo, traduzida nas normas constitucionais, nas leis complementares e ordinárias e em outros atos normativos de mesma natureza, a Defensoria Pública tem o poder de dispor sobre as matérias que lhe são afetas, nos limites do artigo 134 da Constituição Federal, significando que a ela não se aplicam atos de terceiros ou decisões de outros órgãos da Administração Pública, tais como decretos estaduais, resoluções, portarias etc. que interfiram na gestão de seus negócios, sendo este o cerne da noção de autonomia funcional e administrativa.

Em decorrência do mandamento constitucional, o Tribunal de Ética e Disciplina, cuja natureza é de órgão administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil, não possui competência para apreciar reclamações contra Defensor Público e, muito menos, estabelecer sanções, o mesmo valendo para o Conselho Seccional, que, seguindo o Estatuto da Advocacia, determina a aplicação da sanção.

Realmente, a OAB é órgão alheio à Administração Pública, possuindo conformação especial, bem definida na lição de JOSÉ CRETELLA JR.

"A natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil é a de corporação pública ou corporação de direito público, espécie do gênero autarquia, ao lado da fundação pública ou fundação de direito público. Pelo substrato, pela índole estrutural, a Ordem dos Advogados do Brasil é corporação, porque constituída de um conjunto de pessoas. A corporação é constituída de membros, associados ou corporados, de indivíduos que se agrupam formando o corpus.

Na realidade, a OAB é uma constelação autárquica, verdadeira federação de autarquias corporativas.

Trata-se de federação de corporações públicas menores, que são as Seções da Ordem dos diversos Estados. Constelações autárquicas corporativas são conjuntos ou federações de corporações de direito público que se subordinam à autarquia corporativa maior de direito público.

A OAB é, antes de tudo, uma ordem profissional.”[7]

Em consonância com a boa doutrina, o artigo 44, § 1º, do Estatuto da Advocacia não deixa dúvidas quanto a não vinculação da Ordem à Administração Pública, ao prescrever que:

Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

§ 1º A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.

Se, de um lado, a Constituição Federal assegura à Defensoria Pública autonomia funcional e administrativa e, de outro, a lei de regência da advocacia prescreve que a Ordem dos Advogados não guarda vínculo funcional ou hierárquico com a Administração, resta patente que entre ambas as instituições não há qualquer liame de natureza administrativa, tornando inviável que o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB exerça papel disciplinar em face de Defensor Público.

E, como já ressaltado, o Defensor Público, além de servidor público, é considerado órgão da própria Administração, soando incongruente que fosse objeto de perquirição por parte de órgão que se reconhece como não vinculado com o Poder Público.

Assim, a fiscalização da atividade de Defensor Público é matéria de natureza administrativa e, neste passo, de competência exclusiva dos órgãos que compõem a Defensoria Pública, por expressa determinação constitucional.

5.3 A fixação de competência específica

Outro aspecto que converge para que se entenda que somente as Corregedorias-Gerais têm o poder de fiscalizar a atividade dos Defensores Públicos e aplicar sanções de natureza administrativa é a fixação expressa, na legislação, da competência de tais órgãos para tanto.

Como visto, o artigo 103 da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, fixa que “a Corregedoria-Geral é órgão de fiscalização da atividade funcional e da conduta dos membros e dos servidores da Instituição”, indo além, nos incisos do artigo 105, para estabelecer, com mais especificidade, as respectivas atribuições, dentre as quais inserem-se as de “realizar correições e inspeções funcionais”, “receber e processar as representações contra os membros da Defensoria Pública do Estado, encaminhado-as, com parecer, ao Conselho Superior” e “propor a instauração de processo disciplinar contra membros da Defensoria Pública do Estado e seus servidores”.

Pode-se então dizer que a legislação pátria criou e elegeu o órgão que, administrativamente, é o competente de fiscalizar a conduta profissional dos Defensores Públicos.

Em matéria de competência, notadamente a jurisdicional, o entendimento assente é o de que na estrutura da Justiça, deve existir um, e apenas um, órgão encarregado de apreciar uma lide, como bem ensina a doutrina processual.

Enrico Tullio Liebman assenta que: "a competência é a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão, ou seja, a medida da jurisdição. Em outras palavras, ela determina em que casos e com relação a que controvérsias tem cada órgão em particular o poder de emitir provimentos, ao mesmo tempo em que delimita, em abstrato, o grupo de controvérsias que lhe são atribuídas " .[8]

Discorrendo sobre a forma pela qual a jurisdição se concretiza por meio de regras de fixação da competência, Cintra, Grinover e Dinamarco ensinam:

“E assim, a função jurisdicional, que é uma só e atribuída abstratamente a todos os órgãos integrantes do Poder Judiciário, passa por um processo gradativo de concretização, até chegar-se à determinação do juiz competente para determinado processo; através das regras legais que atribuem a cada órgão o exercício da jurisdição com referência a dada categoria de causas (regras de competência), excluem-se os demais órgãos jurisdicionais para que só aquele deva exercê-la ali, em concreto.”[9]

Valendo-se de tais ensinamentos, é juridicamente seguro afirmar que, na esfera administrativa, notadamente a disciplinar, vige o princípio segundo o qual há apenas um órgão competente para processar representações relacionadas a eventual descumprimento de obrigações por membro da Administração Pública.

Assim, mesmo que se admitisse que o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB pudesse dispor sobre ações ou omissões praticadas por membro da Defensoria Pública, pelas regras que fixam a competência para a instauração do processo administrativo de natureza disciplinar, apenas as Corregedorias-Gerais das Defensorias Públicas poderiam fazê-lo, ante a existência de norma específica, já citada.

Logo, a competência da Corregedoria-Geral, sendo específica, se sobrepõe à do T.E.D., da mesma forma que a existência de órgãos judicantes com destinação específica prevalecem sobre a justiça comum, de cunho residual.

Ademais, não custa lembrar, a Corregedoria-Geral foi criada por lei complementar federal, enquanto o Tribunal de Ética e Disciplina por lei ordinária, o que, para doutrinadores de alto relevo, faz com que prevaleça a lei complementar nº 80/94, sobre a lei ordinária nº 8.906/94, novamente indicando a competência exclusiva dos órgãos de fiscalização das Defensorias Públicas.

Nem se argumente que o Tribunal de Ética e Disciplina seria competente para apreciar infrações disciplinares previstas na Lei 8.906/94-caso fossem elas aplicáveis a Defensores Públicos-, enquanto que a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública para aquelas relativas à violação dos preceitos da respectiva Lei Orgânica. E isso pelo simples fato de que não há norma jurídica que justifique esse raciocínio.

Ao contrário, a Constituição Federal previu a autonomia administrativa das Defensorias Públicas, vale dizer, lhes atribuiu o poder de estabelecer e aplicar as normas que regulam o funcionamento da Instituição, como amplamente debatido neste parecer.

Portanto, o ordenamento não só não prevê a possibilidade de o T.E.D. atuar em face de representação contra Defensor Público, como expressamente a legislação cometeu à Corregedoria-Geral a função de receber e processar demandas de tal natureza.

5.4 O primado do non bis in idem

Por fim, sendo certo que a Corregedoria-Geral é competente para fiscalizar a atividade funcional de Defensor Público, a idéia de que o Tribunal de Ética e Disciplina também possa fazê-lo esbarra na proibição do non bis in idem, princípio geral de Direito que rege todo o ordenamento e indica a melhor interpretação.

Assim, como destaca o Professor Israel Domingos Jorio, “o non bis in idem é um princípio geral de direito, com aplicação especialmente no âmbito administrativo e penal, que veda a dupla punição. DANIEL FERREIRA comenta: ‘O non bis in idem, ao contrario, tem outra e especial serventia enquanto princípio geral do Direito: a de proibir reiterado sancionamento por uma mesma infração – vale dizer, afastar a possibilidade de múltipla e reiterada manifestação sancionadora da Administração Pública.’ (in “Sanções Administrativas”, Malheiros Editores).”[10]

Logo, a vedação à dupla sanção pelo mesmo ato ou omissão implica não só a proibição de duplicidade de processos, como a existência de um, e apenas um, órgão responsável pela aplicação da sanção correspondente.

O tema também foi objeto de estudo pelo Procurador da Fazenda Nacional Glênio Sabbad Guedes, especialmente atendo-se aos aspectos administrativos do princípio em questão, que destaca:

“A idéia básica do non bis idem é que ninguém pode ser condenado duas ou mais vezes por um mesmo fato. Já foi definida essa norma como ‘princípio geral de direito’, que, com base nos princípios da proporcionalidade e coisa julgada, proíbe a aplicação de dois ou mais procedimentos, seja em uma ou mais ordens sancionadoras, nos quais se dê uma identidade de sujeitos, fatos e fundamentos, e sempre que não exista uma relação de supremacia especial da Administração Pública – in Osório, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador – SP : Editora RT, 2000, fls.279.[11]



É justamente por esse motivo que o Supremo Tribunal Federal já resolveu definitivamente acerca da matéria, nos termos da Súmula nº 19, assim plasmada: “É inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira.”

Em conclusão, o princípio do non bis in idem aplica-se ao processo administrativo disciplinar e, como tal, impede que haja dupla punição, de mesma natureza, em razão do mesmo fato, do que decorre que apenas um órgão é o competente para processar o servidor público e aplicar a respectiva sanção.

Ora, dúvida não resta de que a sanção aplicável ao profissional, seja pela Corregedoria-Geral da Defensoria Pública, seja pelo Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil é de natureza administrativa.

Logo, somente pode existir uma única apuração e punição para o mesmo fato, o que impede eventual atuação concorrente dos dois órgãos. E, pelo que foi antes explanado, prevalece a atuação da Corregedoria-Geral em prejuízo do Tribunal de Ética e Disciplina.

6. Conclusão

Em face do estudo ora produzido, as perguntas inicialmente propostas podem ser respondidas da seguinte forma:

A. Quais são as normas jurídicas que estabelecem os deveres funcionais dos Defensores Públicos?

Aquelas decorrentes da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994 e, no caso das Defensorias Públicas dos Estados, as de suas Leis Orgânicas, ou de outras, desde que se tratem de leis complementares.

B. O Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil é competente para processar representações de supostas violações a tais deveres, lançadas contra Defensor Público, por atos ou omissões havidas no exercício da função?

Não. Em face da reserva legal, da autonomia funcional e administrativa, da competência especializada e do primado do non bis in idem, somente as Corregedorias-Gerais das Defensorias Públicas podem fazê-lo.

C. Se afirmativa a resposta ao item precedente, qual o limite, se existente, de sua competência, em face das atribuições legais das Corregedorias-Gerais das Defensorias Públicas?

Resposta prejudicada.

São Paulo, 24 de julho de 2008.



CARLOS WEIS
Defensor Público Corregedor-Geral


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[1] Curso de direito constitucional. 23ª Ed. atual. São Paulo, Ed. Saraiva, 1996. p. 185.

[2] Curso de direito constitucional. 2ª Ed. ver. e atual. São Paulo, Ed. Saraiva, 1999. p. 274.

[3] Idem. PP. 274-5.

[4] Ob. cit. PP. 183 e 184.

[5] Comentário contextual à Constituição. 2a ed. São Paulo, Malheiros, 2006. p. 615

[6] Revista Justitia. Ano 45. Vol. 123. Procuradoria Geral de Justiça e Associação Paulista do Ministério Público, São Paulo. 1983. p. 123:183.

[7] Do Mandado de Segurança Coletivo. Ed. Forense. citado por http://www.examedaordem.com.br/oab.htm. Acesso em 23 de julho de 2008.

[8] Apud CORRÊA DE SOUZA, Victor Roberto. Competência criminal da Justiça Federal. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5232.

[9] Teoria Geral do Processo. CINTRA, Antônio Carlos Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. 20ª ed. rev. e atual. São Paulo, Malheiros. 2004. p. 230.

[10] Princípio do "non bis in idem":uma releitura à luz do direito penal constitucionalizado. Em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8884. Elaborado em 08.2006. Acesso em 24 de julho de 2008.

[11] Do princípio da proibição do bis in idem no direito administrativo sancionador do mercado financeiro – essência e consectários. Em http://www.bcb.gov.br/crsfn/doutrina/BIS_IN_IDEM.pdf. Acesso em 24 de julho de 2008.

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