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24/04/2017

Mas é só uma brincadeira… – Por Fernanda Mambrini Rudolfo

Fonte: Poder Jurídico

Não é incomum que grupos de whatsapp sejam invadidos por atos misóginos, sob o pretexto de se tratar apenas de brincadeiras. Não importa qual o caráter do grupo: pode ser de trabalho, de condomínio ou de mero lazer. E quando alguém se incomoda com postagens que admitem e incentivam a coisificação da mulher, por exemplo, é tratada como exagerada, como histérica. Argui-se tratar-se de mero “mimimi”.

Paremos de minimizar o que não pode ser escondido nem ignorado.

Afirma-se que o termo histeria tem origem em uma expressão grega que dizia respeito a uma suposta condição médica restrita a mulheres, eis que seria causada por perturbações no útero. Não é de hoje, portanto, que a mulher é tratada como um ser perturbado, inferior ao homem.

No entanto, hoje sabemos quão falacioso é o argumento da histeria e que a igualdade entre gêneros deve ser reconhecida (utilizando-se a expressão igualdade no sentido da generalização dos direitos, não de homogeneização, evidentemente). Dispomos hoje de inúmeros recursos para pesquisas e não podemos nos escorar na ignorância quanto a determinados assuntos, a fim de legitimar atos misóginos, homofóbicos, racistas etc.

Precisamos falar sobre isso. Precisamos mostrar que não se trata de mimimi. Trata-se de um país em que uma em cada três pessoas ainda acha que o estupro é culpa da vítima. Um país em que a representação feminina na política é ínfima, porque a mulher não tem espaço nem credibilidade (afinal, quem confere credibilidade a uma histérica?). Um país em que ainda se fala em profissões para homens e profissões para mulheres. O pior país da América do Sul para ser menina, de acordo com o relatório Every Last Girl, elaborado em 2016 pela ONG Save the Children. Um país que demorará mais de 90 anos para que se tenha igualdade material entre homens e mulheres, de acordo com o Fórum Econômico Mundial (WEF).

Não é mimimi. É o reconhecimento de uma violência que vem se perpetuando, também com a conivência de muitas mulheres, que temem ser chamadas de loucas ou exageradas. Também elas são vítimas; vítimas da falta de empoderamento, da ausência de representatividade, de uma sociedade incapaz de lidar com mulheres fortes. Por isso, precisamos falar, precisamos combater o machismo desde as mais simplórias manifestações. Porque a foto de uma bunda em uma rede social não é só uma brincadeira; é a submissão da mulher a um caráter de objeto, é a sua inferiorização e a sua sexualização, por meio do que parece uma simples foto.

Não é só uma brincadeira quando mulheres são interrompidas em reuniões, quando têm suas ideias apropriadas ou quando são ignoradas em decorrência da falácia de que estão no espaço errado, em virtude de uma infantilização. Não é brincadeira quando as mulheres são vítimas de violência, física ou psicológica, especialmente quando não têm coragem de expor as agressões. Não é mimimi quando uma mulher é estuprada. Também não é mimimi quando uma mulher vítima de violência sofre uma nova agressão ao tentar registrar a ocorrência.

E tudo começa com “é só uma brincadeira…”. Porque, ao que parece, a mulher não se ofende ao ser chamada de má motorista, de mera cozinheira ou de objeto sexual. Que brincadeira engraçada essa! Estamos todas chorando de tanto rir!

Estamos, de fato, chorando. Mas são lágrimas que advêm da constatação de que pouco mudou desde o surgimento da expressão grega que deu origem ao termo histeria, da conclusão de que o machismo mudou de forma mas não de intensidade. São lágrimas de quem não pode sequer reclamar, pois corre o risco de ser chamada de perturbada.

Não. Nunca é só uma brincadeira…

Fernanda Mambrini Rudolfo.

Fernanda Mambrini Rudolfo é Defensora Pública do Estado de Santa Catarina. Doutoranda e Mestre em Direito pela UFSC. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela EPAMPSC. Diretora-Presidente da Escola Superior da Defensoria Pública de Santa Catarina.
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