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16/01/2017

Audiências de custódia podem reverter o caos carcerário?

Fonte: Jota
Estado: DF
O ano de 2017 começou com duas tragédias que, para alguns, já eram há muito anunciadas. As mortes e fugas em presídios no norte do país reacenderam o debate sobre o sistema penitenciário brasileiro, e trouxeram à tona um velho problema: a superlotação dos presídios. 
 
Instrumento novo no Brasil, as audiências de custódia são citadas por especialistas como medida que evitaria que situações como as que aconteceram no Amazonas e em Roraima voltem a ocorrer. Mas a proposta não tem unanimidade. 
 
Outros defendem que seria preciso uma mudança muito maior, e existem ainda os que pregam a ineficácia do instituto.
 
Desde que começaram a ser implementadas, as audiências de custódia permitiram que mais de 40% dos presos em flagrante respondessem em liberdade. O dado é do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Resta, porém, a dúvida: o número impacta de forma significativa o sistema penitenciário?
 
Aos números
 
As audiências de custódia nasceram em 2015 de uma parceria do CNJ com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A prática garante que pessoas presas em flagrante sejam levadas a um juiz em até 24 horas após a prisão.
 
No tribunal são ouvidos, além do próprio preso, o Ministério Público (MP) e o advogado ou defensor público da pessoa detida. Caberá ao juiz decidir se o preso responderá por seu delito em liberdade ou encaminhado a algum presídio. O magistrado pode determinar também o cumprimento de medidas alternativas, como a proibição de frequentar determinados lugares ou de aproximação de determinadas pessoas.
 
O procurador Levy Emanuel Magnoc, coordenador do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) salienta que durante a audiência não será analisada a legalidade da prisão. “As perguntas do juiz são: como foi sua prisão? em que situações ela aconteceu?”, explica.
 
Especialistas apontam que além de evitar prisões desnecessárias, as audiências de custódia evitam a violência policial, além de prezarem pela oralidade do processo.
 
“Decide-se sobre aquela pessoa olhando no olho, ouvindo o que ela diz”, afirma Manuela Abath, professora de direito processual penal da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
 
Atualmente as audiências de custódia ocorrem em todos os Estados brasileiros. De acordo com dados do CNJ, até outubro de 2016 foram realizadas 153,4 mil audiências, que resultaram na liberdade de 70,8 mil pessoas. O número corresponde a 46,17% dos detidos.
 
Ainda segundo o CNJ, 4,73% dos detidos alegaram que houve violência no ato da prisão.
 
Os dados colhidos pelo CNJ demonstram números divergentes nos Estados quando o assunto é audiência de custódia.
 
Tocantins e Alagoas, segundo o conselho, têm o menor índice de realização de audiências, com 796 e 99, respectivamente. Alagoas, porém, repassou apenas dados correspondentes aos meses de outubro e novembro de 2015 ao CNJ, enquanto os números de Tocantins correspondem ao período entre agosto de 2015 e dezembro de 2016.
 
Na outra ponta está o Estado de São Paulo, com 36,5 mil audiências de custódia realizadas desde fevereiro de 2015. Em segundo lugar vem o Paraná, com 14,4 mil audiências desde julho do mesmo ano.
 
Os números também apresentam discrepâncias em relação à porcentagem de liberdades provisórias concedidas. O Rio Grande do Sul é o Estado que mais optou pelo encarceramento, com 84,88% de prisões preventivas determinadas após as audiências de custódia.
 
A Bahia, por outro lado, é o Estado que menos optou pela prisão preventiva: apenas 38,48% dos casos foram resolvidos dessa forma. Alagoas optou pela prisão em 21,21% dos casos, porém seus dados são escassos se comparados aos outros Estados.
 
Superlotação
 
Além de identificar abusos policiais e prezar pela oralidade, especialistas elencam que a audiência de custódia contribui para amenizar um grande problema brasileiro: a superlotação dos presídios no país. Vem daí a ligação entre o instituto processual e os acontecimentos no Amazonas e em Roraima, no início de janeiro.
 
Para Bernardo Faeda e Silva, coordenador auxiliar do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, as mortes, fugas e rebeliões que ocorreram no norte do país são um reflexo da “precariedade absoluta do sistema penitenciário brasileiro”. A superlotação, para ele, tem um papel de destaque nesse cenário.
 
“A ausência do Estado nos presídios é a razão para o crescimento e fortalecimento das facções criminosas”, diz. Por conta de sua atuação como defensor, Silva afirma que já viu celas que originalmente deveriam comportar 12 pessoas sendo ocupadas por 40 presos. “O que se vê hoje é uma pena privativa de dignidade”, conclui o defensor.
 
Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Joaquim Neto, faz uma ressalva em relação às audiências de custódia: apesar de elas serem realizadas em todos os Estados, geralmente elas ocorrem apenas nas capitais e em cidades grandes de cada Unidade Federativa. Maranhense, Neto diz que no seu Estado natal as audiências ocorrem apenas na capital e na cidade de Imperatriz.  
 
Em alguns locais, como São Paulo, as audiência não são realizadas aos fins de semana e durante o recesso do Judiciário. “[A audiência de custódia] está em todos os Estados, mas não abrange todas as comarcas e unidades prisionais”, diz.
 
Para Neto, é possível traçar um paralelo claro entre o instituto e a superlotação do sistema prisional. “Se a audiência de custódia já estivesse implementada no país não teríamos chegado aos números que chegamos hoje de presos provisórios”, afirma.
 
De acordo com dados divulgados em 2016 pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 40% dos presos no Brasil são provisórios, ou seja, não foram julgados sequer em primeira instância. Ainda segundo o levantamento, o país conta com déficit de 250,3 mil vagas no sistema penitenciário.
 
Para o vice-presidente do Instituto do Direito de Defesa (IDDD), Hugo Leonardo, as audiências de custódia são capazes de alterar o cenário da superlotação por trazerem “racionalidade na porta de entrada no sistema penitenciário”. Ele defende que atualmente o Brasil tem um sistema com uma grande porta de entrada, mas com uma porta de saída muito fechada.
 
Isso fica evidente nos casos de presos provisórios que ficam encarcerados sem julgamento durante anos, e quando são julgados recebem uma pena menor do que o tempo que já cumpriram. “Temos 40% de presos provisórios em um país onde a Constituição diz que a liberdade é a regra”, diz Leonardo.
 
Muito a fazer
 
A relevância das audiências de custódia como mecanismo que auxiliaria para reduzir a superlotação carcerária, porém, é relativizada por alguns especialistas. Seja por não acreditarem na importância do instituto ou por entenderem que é preciso uma mudança estrutural no sistema, alguns estudiosos questionam o papel das audiências.
 
Para Manuela Abath, a implementação das audiências “é talvez uma das principais medidas tomadas nos últimos anos contra o encarceramento em massa”, mas não basta para resolver o problema.
 
Silva concorda. Para o coordenador auxiliar do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de SP, é preciso uma mudança de cultura em relação ao assunto, com a pena privativa de liberdade utilizada apenas em casos graves.
 
“Hoje temos uma cultura punitivista, com programas televisivos sensacionalistas e uma sociedade que acha que bandido bom é bandido morto”, diz.
 
Para o procurador Mário Bonsaglia, coordenador da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do Ministério Público Federal, a audiência de custódia é positiva por “tirar dos presídios quem nem precisaria entrar neles”.
 
Para Bonsaglia, porém, seriam necessárias outras medidas para a efetiva redução da poulação carcerária, como maior celeridade na tramitação dos processos e observância, pelos tribunais de Justiça, da jurisprudência dos tribunais superiores.
 
Ele afirma que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) permitem a aplicação do regime aberto em caso de tráfico de drogas, mas o entendimento nem sempre é observado pelas instâncias inferiores.
 
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), Magid Nauef Lauar, também questiona a importância das audiências de custódia, mas por motivos distintos. Para ele, o ideal seria que o instituto processual acabasse. 
 
Ele destaca que a audiência de custódia estava prevista originalmente no Pacto de San José da Costa Rica, firmado pelo Brasil em 1969. “Foi uma época de ditaduras na América Latina. Os defensores dos direitos humanos tiveram a preocupação de fazer o pacto porque pessoas pegavam outras no meio da rua e desapareciam com elas”, diz, salientando que a situação mudou de lá para cá.
 
Lauar considera ainda que não é possível saber se as audiências de custódia diminuíram o número de pessoas encarceradas, já que não se sabe o percentual de prisões preventivas revogadas pelos juízes antes da implementação do instituto.
 
Expansão 
 
A ampliação das audiências de custódia é assunto discutido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
 
No Supremo, tramita a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, em que se pede que as audiências sejam realizadas em todo o país. O processo, proposto pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) teve medida cautelar deferida em setembro de 2015.
 
O caso foi relatado pelo ministro Marco Aurélio, que, ao se posicionar de forma favorável à realização das audiências em todo território nacional destacou que “a providência conduzirá, de início, à redução da superlotação carcerária, além de implicar diminuição considerável dos gastos com a custódia cautelar”.
 
Apesar da determinação, instituições alegam que a ampliação não está sendo cumprida pelos Estados. A Anadep chegou a protocolar reclamação sobre o tema, e pediu o ingresso como amicus curiae na ação.
 
No TJ-SP, discute-se a realização de audiências de custódia durante o recesso do Judiciário. A defensoria pública do Estado pediu ao tribunal que fossem feitas audiências retroativas às pessoas presas durante o período, porém o pedido não foi atendido.
 
Segundo Silva, durante o recesso 3 mil presos foram levados a presídios sem passarem pelas audiências, sendo 1,3 mil deles na capital paulista.
 
“Existe uma desigualdade, que permite que nas prisões efetuadas durante o dia de semana aquele preso tenha o direito realizado, mas os demais não”, afirma o defensor.
 
Para Leandro Galluzzi, juiz assessor da Corregedoria de Justiça do TJ-SP, porém, o prejuízo aos presos não ocorreu. Ele afirma que durante o recesso 40% dos presos em flagrante foram liberados pelos juízes de plantão.
 
O número é similar às 50% de liberdades concedidas após as audiências de custódias no Estado, e, segundo Galluzzi, os crimes ocorridos no final do ano costumam ser mais graves.
 
O juiz assessor da Corregedoria diz que em São Paulo as audiências são realizadas na capital, grande São Paulo e nas regiões de Ribeirão Preto, Campinas e Santos. A expectativa, contudo, é que o instrumento seja expandido para todo Estado até o final de 2017, inclusive durante o recesso.
 
Galluzzi afirma que a realização das audiências – que duram de 15 a 18 minutos – é a “parte mais fácil”. A ampliação do instituto esbarra na falta de juízes e na falta de estrutura de outras instituições, como as polícias e a assistência social.
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