O novo artigo 306 do CPP e o Princípio do Defensor Natural
Estado: DF
Nestor Eduardo Araruna Santiago é Doutor em Direito Tributário, Mestre e Especialista em Ciências Penais (UFMG). Professor do Curso de Direito da Faculdade Christus (Fortaleza-CE), professor Adjunto de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Ceará (UFC), professor da Universidade Potiguar (Natal-RN) e Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação da FESAC.
A edição da Lei n. 11.449, de 15 de janeiro de 2007, trouxe importantes alterações para o instituto da prisão em flagrante. Além disso, representa uma grande evolução no entendimento ao princípio da ampla defesa, e, ao mesmo tempo, reforça o argumento do princípio do defensor natural no processo penal, dando aos desamparados de defesa técnica o devido auxílio no momento da constrição da liberdade ambulatória.
Por amor ao didatismo, transcreve-se o texto reformado:
“Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada.
§ 1o Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.
§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas.”
Vale aplaudir a iniciativa do legislador infraconstitucional, que, finalmente, delimitou o âmbito temporal contido no advérbio “imediatamente”, referente à comunicação da prisão em flagrante ao juiz, marcando prazo de 24 horas para, bem como ao defensor público. Tal inovação legislativa é de suma importância para a afirmação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, a fim de evitar arbitrariedades e comunicações de flagrante feitos de forma extemporânea ou demorada. Entendemos que o prazo estipulado na lei é improrrogável - da mesma forma que o é a entrega da nota de culpa ao preso -, pelo que, feita a comunicação extemporaneamente, a prisão torna-se ilegal. Assim, ela deverá ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.
Partindo do pressuposto que o direito à defesa técnica é corolário do princípio da ampla defesa, e abraçando-se a idéia de que se trata de um direito inalienável e irrevogável, a Constituição Federal (CF) determina, expressamente, que o preso ou acusado seja informado sobre o direito de ter acesso a ela (art. 5°, LXIII, CF). Esta regra, embora expressa, nunca foi aplicada em termos de acompanhamento por defensor nomeado pelo Estado durante a fase persecutória pré-processual. Daí, em bom tempo veio a Lei n. 11.449/07, a fim de tornar efetivo o direito de defesa durante o inquérito policial, em especial para aqueles que não têm condições financeiras de constituir um defensor.
Implicitamente, o que se consagra é o princípio do defensor natural, aplicável in totum no processo penal brasileiro. Como já mencionado anteriormente, o direito a advogado (rectius: defensor) durante o inquérito policial é - e sempre foi - imprescindível, pois neste momento pré-processual, embora não haja acusação, há a possibilidade de restrição da liberdade do acusado, além de outras medidas que possam ser tomadas pela autoridade policial ou requeridas por esta à autoridade judiciária que venham a prejudicar ou dificultar o exercício posterior da ampla defesa, seja por meio da autodefesa, seja por meio da defesa técnica.
Assim, o princípio do defensor natural é garantidor do status libertatis do cidadão e essencial para o equilíbrio de forças na persecução penal: lembre-se que, na acusação feita pelo Estado, vigora o princípio do promotor natural, como mola-mestra da acusação isenta de caráter pessoal ou extraordinário. E equilibrando as forças opostas na relação processual-penal, tem-se o juiz natural, necessário a toda decisão que se quer justa e imparcial. Tudo em razão dos princípios da isonomia processual, do contraditório, da ampla defesa e da verdade processual.
O princípio do defensor natural significa, em última análise, a garantia da defesa técnica em todos os momentos da persecução penal. E, em se tratando de acusado sem recursos financeiros, a nomeação de defensor desde a prisão em flagrante é corolário inafastável deste princípio. Obviamente, o art. 134, caput, CF, estipula que a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º LXXIV, CF. Mas, limitar o conceito do princípio do defensor natural somente à atuação da Defensoria Pública no processo penal, como querem alguns, é estreitar por demais o princípio da ampla defesa consagrado no texto constitucional.
Suponha-se que a prisão em flagrante seja comunicada à autoridade judiciária no prazo legal. Em anexo, segue cópia da comunicação do flagrante à Defensoria Pública, nos termos da lei. Se o preso for pobre, ser-lhe-á nomeado Defensor Público. Entretanto, se não for pobre, e, além disso, não quiser ou não souber indicar defensor para acompanhá-lo durante o inquérito policial, não poderá ser-lhe nomeado defensor público, visto que a nomeação de defensor para preso ou acusado que tenha recursos financeiros para acompanhar sua defesa é violador dos arts. 134 e 5°, LXXIV, CF, pois de necessitado não se trata.
Mas não por este motivo ficará sem defensor. Neste caso, se a comunicação for feita à Defensoria Pública, o preso não for “pobre na forma da lei” e nem nomear advogado para sua defesa, o Defensor deve comunicar o fato imediatamente à autoridade judiciária competente, para que ela nomeie, então, defensor dativo. Aí, também, realiza-se o princípio do defensor natural. Ou, então, poderá o juiz, ex officio, nomear defensor dativo.
Por fim, há que se observar que a nova lei restringiu o alcance do princípio do defensor natural, ao exigir a comunicação à Defensoria Pública somente no caso de prisão em flagrante. Entretanto, esta restrição é somente aparente. É possível afirmar que em todo e qualquer caso de prisão provisória o juiz deverá comunicar o fato à Defensoria Pública ou nomear defensor dativo, desde que, por óbvio, o preso não tenha defensor constituído, pois aí a regra não se aplica.
Acredita-se que somente com esta interpretação extensiva o princípio do defensor natural terá maior repercussão prática na realização do direito de defesa, já que, mesmo em outras espécies de prisão cautelar, a existência de defensor é exceção, e não regra.






