Karol Rotini é Defensora Pública-Geral do Estado de Mato Grosso e especialista em Direito Público
A prima facie cumpre-nos destacar o compromisso social da advocacia, não somente por ser o advogado defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério à elevada função pública que exerce, como também por ser o múnus exercido indispensável à Administração da Justiça.
A advocacia pode ser dividida em: a) privada, exercida por profissional liberal mediante contratação de honorários com o cliente, ou nos casos de advogado empregado na iniciativa privada; b) pública, exercida por profissionais detentores de cargos ou empregos públicos que visem à defesa do Estado ou suas entidades da Administração Indireta; c) assistencial, exercida por Defensor Público em prol de pessoa desprovida de recursos materiais suficientes para contratar advogado e pagar custas do processo.
O advogado público tem vinculação funcional com o Estado, sendo-lhe imposto preencher os requisitos e condições para a advocacia e sua obrigatória inscrição na OAB, submetendo-se a concurso público e respondendo por seus atos não somente à OAB, como também às leis e estatutos que regem os órgãos a que se vincule.
A Carta da República inseriu a advocacia pública entre as funções essenciais à Justiça, distinguindo a Advocacia da União da Advocacia dos Estados-membros e Distrito Federal, bem como a advocacia em geral daquela que se destina a dar assistência jurídica aos necessitados.
Pertinente dizer que o advogado exerce função política quando tem por dever atentar a estar sendo a Carta Magna respeitada, prevalecendo seu conteúdo em caso de divergência no meio social, bem como, quando defender a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito. Exerce também função social, visto que é necessário que tenha espírito público, não se restringindo sua atuação aos limites do processo na defesa do interesse privado, porém, fora dele, deverá funcionar como agente nas transformações sociais, agindo na defesa do que representa o melhor para a sociedade.
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Longe de se ter por salvaguarda, após as exigências para o exercício do cargo, os caminhos trilhados pelos advogados públicos têm-se como cada vez mais áridos. O concurso público é apenas mais uma das provações a que se submeterá.
Embora alguns ainda vejam como privilégios, as prerrogativas que lhe são conferidas em razão do exercício do cargo visam garantir meios de facilitação da defesa, assegurando a supremacia do interesse público (já que defende o Estado e os interesses da coletividade) em face dos particulares.
A realidade fática nos traz um quadro ínfimo de advogados em todas as áreas públicas, transformando estes profissionais em quase-heróis. A infinidade de processos em que atuam faz com que os prazos processuais diferenciados pouco sirvam para reduzir as pilhas que lhe são remetidas.
O conhecimento que lhes é exigido ante a diversidade de matérias (nem sonhar em especialidade!) faz salutar que algo deva ser feito para que não acabe por ser inumano (e cada vez mais quixotesco) a busca por justiça.
Destarte, não pode o advogado público escusar-se de defender os interesses estatais nos processos que lhe são distribuídos. Tem este dever funcional de munir-se de todos os meios processuais para assegurar a persecução deste fim (daí os recursos meramente protelatórios?).
Não lhe é dado dispor dos interesses que lhes são confiados na defesa judicial dos órgãos públicos (porque são públicos ou assim considerados tais interesses) de onde lhes advêm proibições, v.g., de transigir, de fazer acordo, de deixar de recorrer ou de desistir de recurso interposto.
De outra sorte, é conferida ao advogado público autonomia funcional, prerrogativa constitucional que pode ser entendida como estar imune de qualquer interferência política que afete a sua atuação. Daí indaga-se: até onde ir na defesa dos interesses públicos? Como conciliar que está vinculado funcionalmente ao Estado e não tem a liberdade de deixar de aceitar o encargo de defesa ou de desistir do mandato, que é outorgado pela lei no momento da posse, com a autonomia funcional?
Inobstante as questões aqui suscitadas, o certo é que, em nossa humanidade e busca inconstante pelo cumprimento de nossos deveres na defesa da coisa pública e do interesse público, pouco nos sobra, entre peças, recursos, audiências, atendimentos, etc., que nos permita pensar se estamos cumprindo com o papel que nos é dado, se realmente exercemos o múnus público que nos é conferido.
Este múnus, que nos impõe como dever agir de maneira a pautarmos pela colaboração com a correta distribuição de justiça, só poderá ser cumprido quando exercermos (ou ao menos busquemos exercer), da melhor forma, o encargo que lhe nos atribuído, e de nos referenciarmos, em todos os nossos atos, pelos interesses, maiores, da sociedade.
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[1] José Carlos Souza Silva.
“Conceito e características da advocacia”. Autor: Thiago Cássio D'Ávila - Procurador Federal junto à EMBRATUR em Brasília/DF. Associado ao IBAP - Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, à UNAFE - União dos Advogados Públicos Federais do Brasil e à ABDA - Associação Brasileira de Direito Agrário. Texto extraído do Jus Navigandi http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8324