O sistema penitenciário do Brasil vive uma situação de precariedade, uma vez que cadeias e presídios estão superlotados, em condições degradantes. De acordo com dados do Sistema de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça (Infopen 2011) a taxa de encarceramento no Brasil triplicou nos últimos 15 anos e a população carcerária já ultrapassa meio milhão de pessoas.
O resultado disso são prisões superlotadas e altamente perigosas, aumentando as tensões e elevando a violência entre os presos, tentativas de fuga e ataque aos guardas. Esta realidade afeta toda a sociedade que recebe os indivíduos que, após o cumprimento da pena, saem desses locais da mesma forma como entraram ou ainda piores.
De acordo com a lei 7.210 de 1984 é dever do Estado promover a elevação da escolaridade, a assistência aos apenados, egressos e internados, bem como a profissionalização, integração ao mercado de trabalho e geração de renda. É de sua responsabilidade, ainda, adotar medidas preparatórias para o retorno do condenado ao convívio social, tendo por ferramenta básica a Lei de Execução Penal e seus dois eixos: punir e ressocializar.
O presidente da Associação Piauiense dos Defensores Públicos, Arilson Malaquias, relata que o exercício desses direitos proporciona vários benefícios, uma vez que a ressocialização tem como finalidade recuperar os apenados para que estes, ao saírem da penitenciária, possam ser reintegrados ao convívio social. “O acesso do apenado ao trabalho e à formação escolar durante o cumprimento da pena conta para a sua remissão, visto que a execução dessas atividades são tidas como bom comportamento do preso e facilita a progressão da pena”, explica o defensor.
Ainda de acordo com o defensor, a qualificação dos detentos deve ser analisada como uma maneira de ajudar na recuperação de todo o sistema carcerário, considerando que, sem a possibilidade de estudo ou trabalho, sem a perspectiva de construir uma nova vida, vítimas de um sistema prisional opressor e desumano, 70% dos egressos voltam a cometer crimes. “Boa parte dos encarcerados tem pouca formação, com menos acesso a oportunidades de trabalho e renda, fatores que fizeram com que eles entrassem no mundo do crime. A adoção de políticas que efetivamente promovam a qualificação e recuperação do apenado vai ajudar no seu retorno à sociedade e minimizar as causas que o levaram à marginalização. Se o Estado e a sociedade acolhe o preso ele vai ficar menos vulnerável de ser acolhido pelas organizações criminosas” pontua.
Segundo os dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN/MJ), os presos são em grande maioria negros ou pardos, analfabetos ou com baixa escolaridade. Atualmente, apenas 94.816 presos trabalham, dos quais 79.030 realizam atividades dentro dos estabelecimentos penais e 15.786 atuam externamente. Somente 8% das pessoas presas estudam.
A Associação Nacional do Defensores Públicos (ANADEP), em campanha realizada nacionalmente pela reinserção social dos presos apontou que, na maioria das vezes, a sociedade não consegue lidar com a situação de pessoas que cumprem penas privativas de liberdade, fechando os olhos para a situação dos presídios e para a falta de humanização da pena. Situação que pode gerar consequências negativas em um futuro próximo, tendo em vista que o preso um dia retornará ao convívio social.
Diante disso é importante que empresários, governo, instituições e a sociedade civil em geral trabalhem de forma conjunta para possibilitar a reinserção harmônica do apenado na sociedade.
No Piauí, algumas ações educativas têm contribuído para a ressocialização dos presos. Um exemplo é o projeto “Começar de Novo”, uma parceria entre o Grupo de Monitoramento do Sistema Carcerário do Piauí (através da CNJ e Tribunal de Justiça) com o Sindicato da Indústria da Construção de Teresina (SINDUSCON Teresina). O projeto compõe-se de um conjunto de ações voltadas à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil com o propósito de coordenar as propostas de trabalho e de cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário. Na construção civil, as empresas oferecem vagas de trabalho a apenados e egressos para que possam aprender e praticar dentro dos canteiros de obras. “A iniciativa dos empresários da construção civil em firmar parceria com o Projeto ‘Começar de Novo’ é bastante positiva para a sociedade e serve de exemplo para outros setores, resultando na ressocialização de apenados, redução da reincidência e, por via de consequências na diminuição da criminalidade”, avaliou o presidente do SINDUSCON Teresina, André Baia.
Outro projeto dessa natureza no Estado também vem de iniciativa privada. É o caso do Pedalando para Liberdade, uma idealização da indústria Houston, mantido através de convênio com a Sejus. Através dessa ação, implantada desde 2004, é realizado um trabalho terceirizado com os detentos da Penitenciária Irmão Guido, onde eles participam da produção do enraiamento, alinhamento e preenchimento de cubos de bicicletas. Os detentos que participam do projeto, mediante escolha da administração do presídio por bom comportamento, têm benefício de redução da pena, além de remuneração por produção.
Para o gerente industrial da empresa, José Luiz, o projeto tem conquistado uma boa receptividade dos detentos, alcançando resultados sociais importantes e diferenciais. “Ao longo desses nove anos, o Pedalando para a Liberdade tem contribuído no processo de ressocialização dos presos, ao proporcionar o contato com uma profissão e ainda fazendo com que os detentos tenham possibilidade de ajudar os familiares, através da remuneração”, destaca.
A articulação de parcerias no setor público e na iniciativa privada, a mobilização de empresas, órgãos públicos, sindicatos, igrejas e associações são fundamentais para o avanço na reinserção do egresso do sistema prisional, fornecendo-lhe um caminho diferente a seguir.