Roberto Sávio é Defensor Público do Estado da Paraíba
A Constituição Federal, concedeu autonomia funcional, administrativa e orçamentária à Defensoria Pública, conforme estabelece o art. 134, § 2º. Alguns não entenderam as razões que levaram os legisladores a fixar especial outorga. Sabe-se que a instituição é responsável pela função jurisdicional, orientação jurídica e defesa em todos os graus, daqueles que não possuem condições de custear honorários advocatícios. São muitas as nobres atribuições institucionais dos seus membros que atuam também no PROCON e demais setores da área administrativa. Mas, a essência da autonomia está no modo como poderão exercer o múnus.
O advogado particular, dispõe de absoluta independência quando está defendendo o abastado. Portanto, como poderia o defensor do pobre não ter independência? Os carentes, são marginalizados pela sociedade e vivem em condições de risco. Assim, a autonomia visa proteger aos seus patronos, representantes nas demandas judiciais e nas questões de ordem administrativa. Se o Defensor Público estivesse vinculado ao Governo, correria o risco de ser transferido sempre que ajuizasse alguma ação que pudesse causar embaraço ao governante de plantão. Deste modo, lhe foi dada a garantia da inamovibilidade, salvo se cometer ato de indisciplina que justifique a sua remoção pelo Conselho Superior.
O insigne Constitucionalista José Afonso da Silva, analisando o art. 134 da Carta Magna, definiu a autonomia da Defensoria Pública em seu recente COMENTÁRIO CONTEXTUAL À CONSTITUIÇÃO (São Paulo: Malheiros Editores Ltda. 2005, p. 615/616), da seguinte forma: a) funcional: “o exercício de suas funções, livre de ingerências de qualquer outro órgão”...”não tem que aceitar interferência de autoridades ou órgãos de outro poder no exercício de suas funções”; b) administrativa: “praticar atos de gestão, decidir sobre situação funcional de seu pessoal, propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de seus serviços auxiliares, prover cargos nos termos da lei, estabelecer a política remuneratória, observado o art. 169, e os planos de carreira de seu pessoal, tal como está previsto para o Ministério Público. Já que o conteúdo é idêntico, seu conteúdo também há de sê-lo”; c) Orçamentária: “a capacidade de estabelecer a sua proposta orçamentária”.
Em época próxima da implantação da autonomia, o célebre jurista Bernardo Cabral arrematou: “a atribuição da autonomia funcional e administrativa às Defensorias Públicas, e o poder de iniciativa de sua proposta orçamentária, conferirá a essas instituições uma importante desvinculação do Poder Executivo, com o qual não guardam qualquer relação de afinidade institucional, além de propiciar um fortalecimento da instituição e da conseqüente atuação institucional”.
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao justificar a apresentação de projeto para reformar a Lei Orgânica Nacional, reconheceu a auto-aplicabilidade dos dispositivos constitucionais, citando os comentários dos juristas supra-relacionados, concluindo que a autonomia administrativa “pressupõe a capacidade de organizar os seus próprios serviços; a funcional a capacidade de definir as próprias políticas; a financeira a capacidade de dispor dos próprios recursos e a orçamentária a capacidade de estabelecer a sua proposta orçamentária”.
Todo País assistiu a Rede Globo de Televisão anunciar em cadeia nacional, que a Defensoria Pública do Estado de Alagoas pediu e a Justiça decretou a prisão em flagrante dos Secretários de Saúde do Estado e da Capital, pela não aquisição de novos leitos de UTI’s neo-natais. Tal medida se deu depois que o defensor público Ricardo Antunes Melro, constatou que a pequena Juliana Ferreira Marinho morreu numa das incubadoras da maternidade Santa Mônica (hospital-escola), por falta de respiradouro. O defensor tinha ingressado com uma ação civil pública e a Justiça estabeleceu um prazo para a solução do problema, mas, a ordem judicial não foi cumprida. Este é apenas um dos inúmeros exemplos da necessidade de autonomia. Se o Defensor tivesse quaisquer vinculações governamentais, não poderia agir com independência como o fez, para defender a vida de crianças pobres que não têm condições de procurar a rede particular de hospitais.
No entanto, um dos grandes problemas da Defensoria Pública não é somente a falta de reconhecimento da sua autonomia, disciplinada por comandos constitucionais auto-aplicáveis, mas, a falta de recursos para gerenciar os seus serviços institucionais. Em boa parte dos Estados da Federação, aonde a Paraíba infelizmente ocupa lugar de destaque, não existe recurso para o pleno funcionamento das Defensorias Públicas. Os defensores têm baixíssima remuneração e exercem suas funções, inteiramente desestimulados. Quase todos trabalham com suas próprias estruturas pessoais - compram papel, tinta, livro - usam os seus computadores e demais equipamentos - pagam a energia. É justo que o defensor público pague a anuidade da OAB, para exercer advocacia pública? Deveria ser obrigação do Estado.
Sem dinheiro não se faz reciclagem funcional, nem se paga diárias, materiais de expedientes e tudo que é necessário para o bom funcionamento do Órgão. Todavia, no próximo mês, um defensor público da Paraíba fará defesa oral em 80% dos processos em pauta, em um dos Tribunais do Júri da Capital, sem contar as audiências, defesas prévias, alegações finais, contrariedade de libelo acusatório, entre outros atos processuais. Nas varas de Família o problema é sério. Colegas são responsáveis por milhares de processos. Quem anda nessas unidades, fica impressionado com o volume de serviço dos defensores que, vez por outra, por questão de humanidade, pagam do bolso cópias de documentos das pessoas carentes. São tantas histórias de altruísmo, renúncia e desapego que os casos negativos não conseguem progredir. Quanta abnegação desses heróis do povo. Contudo, se os problemas não forem solucionados rapidamente, restará ao pobre apenas o auxílio de Deus.