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21/03/2007

Lei nº 11.449/07: o papel da defensoria pública na prisão em flagrante

Fonte: Boletim IBCCRIM nº 172 - Março / 2007
Estado: DF

Carlos Henrique Borlido Haddad é Juiz federal, mestre e doutor em Ciências Penais pela UFMG.

O processo penal brasileiro não conhece a figura do acusado dissociada do defensor. “Vivem, acusado e defensor, em verdadeira simbiose”. (1) Qualquer que seja o procedimento, previsto na legislação comum ou especial, qualquer que seja a infração praticada, crime ou contravenção, qualquer que seja o acusado que a cometeu, o acompanhamento por profissional habilitado é imperativo. A Lei nº 11.449/07, seguindo a diretriz principiológica que se extrai do Código de Processo Penal, pretendeu tornar inequívoca a necessidade de assistência de defensor antes mesmo de iniciado o processo, na fase pré-cautelar da prisão em flagrante. A nova regulamentação legal procurou estender o papel da defesa além do processo judicial, ao exigir a comunicação à Defensoria Pública acerca da prisão em flagrante, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, in verbis: “Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada. § 1º Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. § 2º No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas.”A Constituição Federal, no art. 5º, LXII, prevê a comunicação da prisão em flagrante ao juiz competente, à família do preso ou a pessoa por ele indicada, nos exatos termos da nova redação do art. 306, caput do CPP, dada pela Lei nº 11.449/07. Assim como as comunicações a serem realizadas pela autoridade policial, a fixação do prazo de 24 horas para a lavratura do auto de prisão em flagrante pouco inovou o ordenamento jurídico, seja porque a Charta Magna já dispunha sobre a cientificação da detenção a determinadas pessoas, seja porque se inferia do prazo de entrega da nota de culpa qual seria o lapso de tempo em que deveria finalizar a lavratura do auto de prisão e operar-se a comunicação da captura à autoridade judiciária.Posto que pouco se alterou o panorama jurídico atinente às comunicações e prazos a que deve subordinação a autoridade policial, verdadeira inovação verificou-se na necessidade de informar a Defensoria Pública sobre a prisão efetuada. O autuado pode ser atingido nos seus direitos pessoais e reais logo que a prisão se efetiva. A presença do defensor é necessária, pois a defesa não começa com a acusação formal.
 
É do conhecimento geral que entre o início do inquérito policial e o começo da instrução criminal medeiam dias, semanas ou meses. Se o defensor não atuar na fase inquisitória, muitos elementos de interesse para a defesa não chegarão à fase contraditória e, mesmo confiando na autoridade policial, cujos atos presumem-se revestir de legalidade, não seria exagero imaginar, ao menos, o uso de critério seletivo de provas. São essas as razões pelas quais se conferiu ao autuado o direito de gozar de patrocínio da Defensoria Pública, a fim de que tenha tutelado, quanto antes, seus interesses, especialmente os concernentes à liberdade. A remessa à Defensoria Pública da cópia do auto de prisão em flagrante, em relação ao autuado que não tenha indicado advogado constitui medida indispensável à manutenção da detenção. A omissão da autoridade policial não importa em nulidade do auto de prisão, desde que obedecidas as demais formalidades exigidas nos artigos 304 e 305 do CPP. A conseqüência da falta de comunicação à Defensoria Pública não afetaria o auto de prisão lavrado, perfeito e acabado, mas teria repercussões sobre a manutenção da prisão provisória do autuado, que passaria a ser ilegal em virtude de se negar efetiva assistência de advogado, como determinada no art. 5º, LXIII da Constituição de 1988. A obrigatória presença do defensor durante o interrogatório judicial foi determinada pela Lei nº 10.792/03. Mas a regulamentação não apenas exigiu a presença do defensor em juízo. Em combinação com o art. 6º, V do CPP, a audição do indiciado na fase extrajudicial passou a reclamar a presença do defensor, porque, ao procedimento administrativo, são aplicáveis, no que for cabível, a disciplina do interrogatório judicial. A inquirição realizada em sede extrajudicial não é diferente da efetivada em juízo, salvo pelas autoridades que as presidem e pelo momento procedimental em que ocorrem. Não basta reconhecer o direito insculpido no art. 5º, LXIII da Constituição da República na esfera judicial. É imensamente mais raro o juiz cometer algum abuso durante o interrogatório, realizado em audiências públicas e acessível a todas as pessoas, do que a autoridade policial em sede extrajudicial. Tomado de surpresa e sem a presença de defensor, torna-se o interrogatório, cuja publicidade da consecução é restrita, palco de declarações nem sempre proferidas com plena liberdade de autodeterminação.
 
A efetividade da defesa técnica, que deve ser garantida ainda na fase extrajudicial, não se perfaz com a mera indagação se o acusado deseja comunicar sua prisão a advogado. Há de ser garantida a concreta assistência, a começar pela presença do defensor ao ato de inquirição, salvo manifestação em contrário do próprio autuado. A preocupação com a assistência técnica durante o procedimento extrajudicial é necessária em face da miserável freguesia de nosso sistema penal. Por esse motivo, pecou a Lei nº 11.449/07 ao impor a comunicação da Defensoria Pública sobre a prisão em flagrante do autuado após lavrado o respectivo auto e contrariou, em certa medida, o que dispõe o art. 185, caput e § 2º c/c art. 6º, V, ambos do CPP, de acordo com os quais o interrogatório, qualquer que seja, realiza-se na presença do defensor, após prévia entrevista. Em sua tentativa de adequar-se às disposições da Constituição de 1988, o Código de Processo Penal sofre sucessivas alterações que, se por um lado apresentam aspecto positivo na concatenação de normas constitucionais e ordinárias, por outro lado eliminam a sua estrutura sistêmica e conferem ao diploma aspecto de colcha de retalhos. A comunicação da prisão deve ser feita imediatamente, desde que o autuado não se oponha a aconselhar-se com advogado. Conquanto a comunicação posterior à lavratura do auto de prisão em flagrante atenda as recentes exigências normativas do Código de Processo Penal, não satisfaz o direito constitucionalmente assegurado de assistência de defensor ao preso, por se tratar de tardia medida. O direito constitucional somente estará assegurado se fornecida a assistência por defensor antes de se prestar declarações perante a autoridade policial, sobretudo em relação aos presos pobres, que encontram maiores dificuldades em obter auxílio técnico. Caso contrário, o autuado, informado sobre a possibilidade de assistência do defensor e de ser inquirido em sua presença, mas sem condições materiais de providenciar a defesa técnica, seria capaz de produzir elementos prejudiciais a si mesmo, sem que a posterior remessa de cópia do auto de prisão em flagrante à Defensoria Pública elidisse a situação gravosa eventualmente criada. Se a prova coletada no auto de prisão em flagrante é ordinariamente trazida, de maneira integral, para dentro do processo e se as condenações são calcadas nos atos de investigação, conquanto disfarçadas no discurso do “cotejamento com” ou da “corroboração pela” prova judicial, mostra-se indispensável assegurar ao preso as mesmas garantias de que dispõe quando formalmente acusado em juízo. Não apenas a presença do defensor no interrogatório, mas também a possibilidade de entrevista com o autuado previamente à inquirição é medida a ser observada em cada processo. Suannes já afirmava a necessidade de o magistrado assegurar ao acusado o contato com o defensor antes mesmo de alertá-lo do direito ao silêncio. (2) A presença do defensor durante o interrogatório em nada pode melhorar a condição processual do autuado se não lhes foi permitido prévio contato, capaz de integrar a defesa técnica à autodefesa. Às vezes, por mais que o defensor tente afastar ou diminuir a responsabilidade assumida por ele no interrogatório, baldam-se os esforços.
 
A prova já se tornou maciça e contundente, não mais infirmável por qualquer outra. À parte as indefectíveis críticas e os indefectíveis elogios à Lei nº 11.449/07, deixou-se entrever a renovada preocupação do legislador ordinário com a defesa do acusado antes mesmo da instauração da ação penal. Ela teve o grande mérito de, em nível infraconstitucional, estender à fase pré-judicial da persecução penal a assistência do defensor ou, ao menos, cientificar a instituição apta a postular em favor do preso sobre a ocorrência de uma restrição à liberdade, para ensejar a tutela de interesses dele. Entretanto, preocupou-se mais em garantir a comunicação da prisão em flagrante do que fornecer meios para que o preso contasse com efetiva assistência técnica quando interrogado durante a confecção do auto de prisão. A extensão que se pretendeu conferir à atuação da Defensoria Pública foi curta quanto um monossílabo, porque deixou de estabelecer a assistência da defesa técnica durante a lavratura do auto de prisão em flagrante, com base no qual, conforme a experiência revela, não poucas condenações são sustentadas.
 
Notas(1) AZEVEDO, Vicente de Paulo Vicente de. Curso de Direito Judiciário Penal. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1958, p. 92.(2) SUANNES, Adauto Alonso S. “O interrogatório judicial e o art. 153, §§ 15 e 16, da Constituição Federal”, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 572, jun., 1983, p. 289.Carlos Henrique Borlido HaddadJuiz federal, mestre e doutor em Ciências Penais pela UFMG
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