Reforma do CDC - Parte final
Estado: Ceará
Amélia Rocha é defensora pública do Estado do Ceará e colunista do Jornal O Povo
Como já expressei aqui em diversas oportunidades, sou muito cética em relação a necessidade de algumas modificações legislativas, com “culto demasiado a lei como fonte suprema do Direito”: não é a mudança na lei que traz o justo, mas, sim, a justa aplicação do Direito, o qual não se resume a lei. Direito é lei, mas é também costume, princípios gerais de direito, doutrina e jurisprudência. Não é raro nos depararmos com leis que já nascem ineficazes por elaboradas dissociadas da prática cotidiana, da realidade concreta, da tradução dos nossos verdadeiros anseios e necessidades, esquecendo-se que é a prática – e não a mera previsão normativa - que realiza os direitos. Mais do que novas leis, precisamos de novos olhares para o Direito, para a realidade concreta vista, sentida e vivida, diminuindo a distância entre a nossa Constituição e a realidade brasileira.
Mas se o nosso CDC está sendo objeto de reforma, cumpre-nos conhecê-la e estudá-la, de modo que terminando a nossa série sobre os projetos de Reforma do Código de Defesa do Consumidor – CDC, hoje comentaremos o PLS 282, que trata do “processo civil do consumidor” com ênfase nas ações coletivas.
Ação coletiva
Para cada direito deve existir uma ação que o assegure, que o viabilize; um meio de torna-lo realidade. Até bem pouco tempo em termos históricos só se reconheciam e concebiam direitos, ações e interesses individuais. Demorou-se muito para se verificar que muitos problemas desenvolvem-se e cristalizam-se de forma coletiva, difusa, homogênea e “ataca-los” de forma individualizada não apenas seria ineficaz como injusto (apenas alguns beneficiar-se-iam de um direito que deveria ser de todos).
Se para a cura é preciso o correto diagnóstico de uma doença, com direitos (que se não respeitados adoecem a sociedade) não é diferente: é preciso a adequada compreensão do problema para que se possa ter a sua “cura”. O acesso à Justiça depende, pois, não apenas de questões materiais, mas igualmente de questões processuais, daí o nosso processo coletivo, que não obstante existir formalmente há quase 30 anos, ainda é aplicado e compreendido de forma tímida.
Direitos e interesses coletivos
O coletivo é gênero de que são espécies os direitos individuais homogêneos, os direitos difusos e os direitos coletivos propriamente ditos.
Direitos individuais homogêneos são aqueles que são individuais, mas nascem de uma origem comum. Um exemplo, digamos que exista uma pane em concessionária de telefonia: a pessoa A prejudicou-se porque faltou um compromisso; a B porque não foi informada que a Mãe foi hospitalizada; a C porque não conseguiu contato com o filho; cada um tem peculiaridades, mas todos tiveram a mesma origem, qual seja a pane no sistema de telefonia.
Direitos coletivos propriamente ditos são aqueles que têm uma relação jurídica comum como elo, como ligação. É o caso, por exemplo, de uma associação cujos membros são ligados pelo estatuto.
Direitos difusos são aqueles que nascem de uma circunstancia indivisível de fato. É o exemplo de um comercial de TV: não há como contar quantas pessoas o assistiu, quantas crianças, quantos idosos, mas igualmente não há como negar sua existência difusa.
Tutela coletiva e direito do consumidor
Há um ditado que diz que de grão em grão é que a galinha enche o papo. No cotidiano do consumidor, existem práticas abusivas que individualmente podem significar centavos, mas que coletivamente podem somar milhões; que a luta individual é quase inexequível e que só se combate adequadamente de forma coletiva, de forma que o processo coletivo tem especial relevância no direito do consumidor.
PLS 282
O processo civil do consumidor (ou defesa do consumidor em juízo) está atualmente nos artigos 81 a 105 do CDC. Embora também trate do processo individual do consumidor, a ênfase é na tutela coletiva, fórmula que se repete no PLS 282.
Prioridade
Pelo projeto, as ações coletivas terão prioridade no processamento e julgamento (excetuando-se em relação a ações populares e de alimentos).
Defensoria Pública
O CDC é anterior a Lei Orgânica da Defensoria Pública – LONDP e a Lei 11448/07 (e por tal razão a Defensoria não consta expressamente no artigo 82 do CDC). A proposta contida no PLS 282, então, deixa claro e expresso (embora técnica e juridicamente já não existam dúvidas mesmo antes da LONDP e da Lei 11448/07) que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ações coletivas em favor de direitos e interesses do consumidor.
O PLS 282 também deixa claro que “independentemente da justiça competente, admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos e as Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos Estados para a defesa dos direitos e interesses de que cuida esta Lei.”
O olhar da tutela coletiva do Ministério Público parte do coletivo para o individual; o da Defensoria Pública, parte do individual para o coletivo, numa complementaridade de inequívoco interesse da concretização da nossa Constituição e seus ideários de paz e Justiça.
Procedimento
O projeto cria um capítulo especifico sobre os procedimentos das ações coletivas, com disposições gerais, seção especifica para conciliação e outra para tramitação (onde são tratados de prazos, julgamento antecipado da lide, cumprimento de sentença, recursos). Não obstante se direcione a questões consumeristas, certamente tal procedimento influenciará a tutela coletiva de outros direitos.
Cadastro Nacional
É prevista a criação de um sistema para identificação e sistematização das ações coletivas e termos de justamento de conduta em trâmite no país. Tal banco de dados é importante para que os órgãos do Poder Judiciário e os interessados tenham “amplo acesso às informações relevantes relacionadas com a existência e o estado das ações coletivas” (proposta do artigo 104-B), o que pode possibilitar um intercambio muito importante e efetivo.
Audiência Pública e Amicus Curiae
Pela relevância social dos resultados do julgamento de uma ação coletiva há, no PLS 282, expressa previsão de audiência pública bem como de intervenção de amicus curiae (amigo da Corte) na perspectiva de uma maior democratização, participação, troca de olhares e consequentemente maior eficácia e legitimidade do resultado final.
Integra
A íntegra do projeto está disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=112480&tp=1.






