Em alusão ao Dia de Reflexão e Luta contra a Discriminação, celebrado nessa quarta-feira (13/5), o #NaPausa recebeu o cientista social, mestre em História e pesquisador da cultura negra, professor Hilário Ferreira. Recepcionado pelo defensor Diego Miguel Cardoso, atuante em Aracati, ele discutiu o tema “Racismo estrutural pós-abolição.”
A data é também marcada pelo fim da escravidão no Brasil, em 1888, com a Lei Áurea. “É uma falácia atribuir a libertação a um ato de bondade. O país viveu 388 anos de escravidão e teve muita resistência. Como a história sempre foi contada por brancos, o foco se dá na princesa Izabel. Mas o Movimento Negro tem ganho força e pesquisadores negros de todo o país falam hoje de forma muito mais realista da abolição. Eu, por exemplo, sou branco, nasci no Rio de Janeiro e sempre tive a impressão de que o Ceará era o menos negro estado do Nordeste. Quando cheguei aqui, vi que era um equívoco. Atuo há sete meses e até hoje não defendi um adolescente branco. Todos, sem nenhuma exceção, eram negros”, disse Diego.
O defensor citou censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que indica 56% da população do país autodeclarada negra ou parda. E questionou por qual motivo essa parcela não é também maioria na ocupação dos cargos de poder. “No Judiciário, por exemplo, apenas 14% dos juízes se dizem pardos e 1,4% se diz negro, enquanto brancos são 83,8%”.
Para Hilário Ferreira, os números são uma representação fiel do racismo e da imposição de uma supremacia branca. “A branquitude é um projeto paralelo ao racismo pra continuar o privilégio dos senhores de engenho e suas famílias. Os negros não estão no Sistema de Justiça porque estão nas periferias. Ser branco no Brasil é ter privilégios.”
O pesquisador defendeu que datas como o 13 de maio (assim como o 25 de março – Data Magna do Ceará e o 20 de novembro – Dia da Consciência Negra) sejam utilizadas para desconstruir o imaginário equivocado e preconceituoso de o povo negro ser visto como eterno passivo de movimentos sociais e os brancos sempre no papel de salvadores.
“A maioria das pessoas de fora, e, às vezes, até daqui mesmo, diz que o Ceará não tem negros. Eu já fui confundido com baiano, carioca, maranhense, africano, só não sou chamado de cearense. Mas o Ceará enviou muitos negros pro Rio de Janeiro. Negros que, de lá, iam pra São Paulo e Minas Gerais. Com o novo regime, a população negra saiu da condição de escravizada para a condição de marginalizada, sem qualquer política de inclusão. Isso tem reflexo até hoje. Precisamos de uma segunda abolição. E já”, afirmou Hilário.
O professor destacou que durante séculos no imaginário popular a figura do negro foi sempre associada a aspectos negativos de comportamento, como à malandragem e à violência, de modo que nos dias de hoje a população preta ainda sofre preconceito. Tudo sempre associado a discursos de democracia racial e meritocracia.
“Quer saber o que é ser negro no Brasil? É entrar no supermercado e o segurança lhe seguir. É querer entrar no banco e passar 15 minutos preso na porta giratória. Esse tipo de abordagem é violência. Eu sou abordado inúmeras vezes e não me acostumo. Nem quero me acostumar. Tivemos um governo de 12 anos onde isso começou a mudar, mas o medo da classe média de o filho da empregada estudar na mesma classe do filho do patrão acabou com isso no Golpe [deposição de Dilma Rousseff e ascensão de Michel Temer à Presidência]. Eu tive alunas que catavam lixo e, naquela época, me disseram que iriam realizar o sonho de fazer Serviço Social, Direito… Mas a branquitude é um projeto político”, pontuou Hilário.
Abordagens policiais truculentas e racistas foram criticadas pelo estudioso. “Nós, homens negros, sabemos muito bem o que é ser abordado pela Polícia. Você tem que ficar em silêncio. Se você responder, apanha. O racismo no Brasil funciona. É comum eu estar num determinado lugar e ser racializado, sendo chamado de “negão”. Mas eu não atendo. Não atendo porque o mesmo não acontece com um branco. Ninguém chama ninguém de “brancão”. Esses processos precisam ser desconstruídos.”
Já a política de cotas foi citada como necessária. “Participei de algumas bancas e vi coisas terríveis. A branquitude não tem vergonha! Tem muita gente cara de pau, que é loira e se diz negra porque teve uma bisavó escravizada ou que chega ao absurdo de pintar a pele de preto. O racismo brasileiro é de marca. Não é de origem, como é nos Estados Unidos”, sintetizou Hilário Ferreira.
Nesta quinta-feira (14/5), a transmissão ao vivo do #NaPausa vai abordar o tema “Violência doméstica em tempos de pandemia”. A militante do Movimento das Mulheres do Cariri, defensora pública Jannayna Nobre, receberá a professora, mestre em Direito, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ e presidente da Comissão da Mulher da Ibrapej, advogada criminal Fabiana Marques. A partir das 17 horas, no perfil da Associação dos Defensores do Ceará (Adpec) no Instagram (@adpec).