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24/07/2015

Livro revela o horror das prisões femininas: detentas usam miolo de pão como absorvente

Fonte: O Globo
Estado: RJ
Depois de conhecer uma ex-funcionária do sistema carcerário brasileiro, que trabalhou por anos em presídios femininos, a jornalista Nana Queiroz, que à época morava em Brasília, ficou “obcecada” com o tema. Ela então começou a pesquisar dados sobre as cerca de 36 mil mulheres encarceradas no país — o que corresponde a 7% da população carcerária total.
 
— Não achei nada sobre elas. Enquanto “Estação Carandiru” [livro publicado pelo médico Drauzio Varella em 1999 sobre a antiga penitenciária masculina de São Paulo] era um best seller, havia um silêncio sobre as presidiárias. Senti que precisava revelar aquelas mulheres invisíveis — lembra a jornalista de 29 anos, que está passando um período em Washington, onde fica até outubro do ano que vem.
 
Foi então que Nana, criadora da campanha “Não mereço ser estuprada”, começou a fazer visitas a presídios femininos e mistos nas horas vagas, com dinheiro tirado do próprio bolso, para conversar com as detentas. Em quatro anos, foram dez presídios visitados em todas as regiões do Brasil e mais de cem entrevistas. O resultato do mergulho está no livro “Presos que menstruam”, publicado este mês pela Editora Record.
 
Como a autora só conseguiu autorização judicial oficial para entrar na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, Nana driblou a burocracia e a má vontade do poder público fazendo amizades com as famílias das detentas para entrar na lista de visitas ou oferecendo-se para fazer trabalho voluntário.
 
Lá, a jornalista ouviu histórias que faziam seu estômago revirar: falta de produtos de higiene pessoal, violência de agentes penitenciários, superlotação, comida estragada no refeitório, a dificuldade de conseguir uma visita íntima... Nem as grávidas escapam. A lei brasileira determina que as presidiárias devem permanecer com seus filhos durante seis meses para amamentação. Segundo Nana, elas também são espancadas por carcereiros, e muitas precisam dormir com seus bebês recém-nascidos no chão, por falta de colchonetes, e, com os pontos da cesariana ainda abertos, pegam infecções. Esse foi o caso de Gardênia, relatado no livro, que precisava ir ao hospital mais próximo diariamente, durante 20 dias, para tomar injeções de anti-inflamatório. Por falta de paciência ou estrutura, os guardas só a levaram à clínica dois dias. Teve que sarar com duas doses mesmo.
 
— As histórias das grávidas foram as que mais me impressionaram. Achei que violência policial seria menos severa com elas, mas os relatos de tortura são tão graves quanto os das prisões masculinas. Uma delas, tomou uma paulada na barriga, e ouviu do policial que a agrediu: “Pra que colocar mais um vagabundo no mundo? Espero que morra antes de nascer” — recorda.
 
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Em um dos retratos mais emblemáticos da situação degradante nos presídios, Nana conta que detentas usam miolo de pão como absorvente íntimo, já que recebem apenas um ou dois pacotinhos por mês, quantidade insuficiente para mulheres com fluxo menstrual mais intenso. Apesar das condições insalubres das instalações, para a autora, o pior aspecto do encarceramento é o abandono.
 
— Enquanto a mulher é educada para ser fiel ao homem, independentemente das adversidades, o homem não fica ao lado da mulher que dá problemas. Então os primeiros a abandonar as presas são seus parceiros — analisa a jornalista.
 
Como há poucos e grandes presídios femininos no Brasil, muitas vezes, as mulheres são encaminhadas para penitenciárias a centenas de quilômetros de distância de casa. Por isso, as famílias precisam gastar grandes quantias com as passagens de ônibus, o que é impossível para muitos núcleos. Em alguns casos, como no Presídio Feminino do Distrito Federal, o dia da visita ocorre durante a semana.
 
— Lá, as visitas são na quinta-feira, porque ninguém quer fazer plantão no domingo. Que mãe vai permitir que o filho falte a escola toda semana para vê-la? — questiona.
 
Carentes pelo abandono da família e dos parceiros, grande parte das detentas praticam o que elas mesmas chamam de “lesbiandade temporária”.
 
— Pelo que vi nas minha visitas, calculo que pelo menos 70% das presas já tenham se relacionado com outras mulheres. As relações amorosas servem não só para suprir a carência como para protegê-las de brigas — relata.
 
O livro de Nana também conta com um capítulo dedicado às “celebridades” da Penitenciária Feminina Santa Maria Eufrásia Pelletier, no município de Tremembé, em São Paulo. Lá estão as detentas de alta periculosidade, que cometeram delitos que são tabus até no mundo do crime, entre elas Suzane von Richthofen, acusada de ter encomendado a morte dos pais, e Anna Carolina Jatobá, condenada por matar a enteada Isabella Nardoni. A repórter conta que passou uma tarde na companhia das duas na oficina de costura da Fundação de Amparo ao Preso, que Suzane coordena. Extremamente prestativa e disciplinada, ela é o braço direito da supervisora do setor e é responsável por fazer a divisão de trabalho entre as detentas e fiscalizar a qualidade dos produtos.
 
— Suzane foi muito atenciosa comigo. Foi fácil entender a fascinação que ela despertou no presídio, tanto com as detentas quanto com as funcionárias. Ela tem uma habilidade social muito aguçada: é educada, gentil, simpática e sabe lidar com as pessoas — lembra a escritora, que tentou mostrar em seu livro um lado dessas presas que a sociedade não vê, mais humano. — A Jatobá, por sua vez, estava muito fragilizada. Ela tinha medo das outras detentas.
 
Do início da saga de Nana para cá, o interesse do público pelas “mulheres invisíveis” das prisões femininas aumentou, graças à série do Netflix “Orange is the new black”, baseada nas memórias da autora Piper Kerman sobre o ano que passou presa, nos Estados Unidos. Mas as histórias retratadas na série americana estão muito distantes da realidade, de acordo com a autora. Para início de conversa, a ficção mostra criminosas envolvidas em assassinatos, tráfico internacional, máfia, exploração infantil etc. Enquanto isso, no mundo real, apenas 6% das presas brasileiras cometeram crimes contra outras pessoas. Mais de 80% delas foram presas por crimes para “complementar renda”.
 
— Em geral, são mulheres com filhos, que não conseguem sustentar suas crianças com o salário que ganham e, por isso, buscam crimes que funcionam como complemento de renda, no que eu chamo de “baixo clero do tráfico”. Elas coletam o dinheiro e entregam droga — explica Nana. — Nesse sentido, a guerra contra as drogas castiga as mulheres de forma mais severa que os homens.
 
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