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Nº 011 - 24 de fevereiro de 2022
Em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a troca de nome e gênero em documentos de transgêneros a partir da autodeclaração. Meses depois, em junho, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou regras – por meio do Provimento nº. 73 – Para que os cartórios efetivassem a mudança de nome e gênero nas certidões de nascimento e casamento. Mesmo assim, a procura de atendimentos na Defensoria Pública ainda é exponencial.
 
Com a prática “Chame Pelo Meu Nome", a defensora Renata Gambarra, e os defensores Henrique da Fonte e Rafael Alcoforado levam os serviços da Defensoria Pública para o interior do estado de Pernambuco. Em 2021, por meio dos atendimentos e mutirões, aproximadamente 14 (quatorze) municípios haviam sido atendidos. Para o ano de 2022, já foi iniciada a articulação com mais 5 (cinco) municípios da região agreste do estado, além de outros que já receberam o projeto nos anos anteriores.
 
“Aumentar o alcance do direito ao reconhecimento legal de nome e gênero, estabelecendo diálogos e trocas de experiências com outras Defensorias estaduais constitui, sem dúvida, um firme horizonte do projeto.”, afirmam.
 
Confira a matéria na íntegra abaixo: 
 
ANADEP - 
Há quanto tempo vocês são defensores(as) públicos(as)? Por que decidiram ingressar na carreira? E hoje atuam em que núcleo?
Henrique da Fonte: Ingressei na carreira em outubro de 2015 (6 anos). Atualmente atuo no Núcleo de Defesa e Promoção de Direitos Humanos. 
 
Renata Gambarra: Sou defensora pública desde 19 de abril de 2016, há quase seis anos. Minha atuação é no Núcleo de Execução Penal e no Núcleo de Defesa e Promoção de Direitos Humanos. Decidi ingressar na carreira após as experiências de estágio em uma fundação de defesa dos direitos humanos e na Defensoria Pública da União, após as quais eu percebi que me identificava profissionalmente com a atuação em  defesa da população vulnerabilizada.
 
Rafael Alcoforado: Sou defensor público há seis anos, desde outubro de 2015. Optei por essa carreira após estagiar em um Vara de Execuções Penais e ver a importância de uma assistência jurídica de qualidade para as pessoas em situação de vulnerabilidade. Atualmente atuo na Subdefensoria de Causas Coletivas da Defensoria Pública de Pernambuco.
Em 2021, a prática "Chame Pelo Meu Nome" concorreu ao Prêmio Innovare. Como o projeto nasceu? Qual o principal objetivo da prática?
Havia dois problemas principais que demandavam uma resolução e que o programa visa atingir. A Defensoria Pública já prestava atendimento especializado presencialmente à população travesti e transexual, mas muitos/as dos/as usuários/as eram residentes de Municípios da Região Metropolitana do Recife, dada a proximidade geográfica com o Núcleo Especializado de Direitos Humanos. Assim, a primeira motivação  era a interiorização do acesso ao reconhecimento legal do nome e gênero, passando a alcançar pessoas travestis e transexuais residentes em Municípios distantes da região metropolitana do Recife.
 
 
Ademais, com a pandemia da covid-19 e a necessária restrição de atendimentos presenciais para cumprimento das medidas sanitárias, tornou-se necessário promover novas formas de contato com a Defensoria, garantindo a manutenção do serviço. Por isso, foram ampliadas as formas de atendimento por meio virtual, sem perder de vista as pessoas que não dispunham dos meios para tanto, a partir da exclusão digital evidenciada pela pandemia, motivo pelo qual foram estabelecidas parcerias diversas a garantir o atendimento de modo híbrido. Nesses casos, por exemplo, as pessoas chegaram a ser atendidas em equipamentos da rede de assistência social ou de saúde Municipal (exemplo do Cabo de Santo Agostinho, Surubim, Jaboatão dos Guararapes, Passira, Igarassu) ou mesmo na sede de organizações da sociedade civil (Garanhuns), locais onde foram disponibilizados acesso a celulares e computadores para a realização do atendimento remoto. 
 
Através da articulação com organizações da sociedade civil e órgãos municipais e estaduais, resultando em atuações conjuntas para viabilizar os atendimentos, foi possível alcançar um público que não tinha conhecimento da possibilidade de requalificação civil de forma gratuita e extrajudicial, notadamente no interior do Estado.
 
Outras regiões do estado de Pernambuco também receberam o projeto? Vocês pensam em compartilhar a experiência com outros estados?
O projeto tem um alcance estadual. Até o ano de 2021, por meio dos atendimentos e mutirões, aproximadamente 14 (quatorze) municípios haviam sido atendidos. Para o ano de 2022, já foi iniciada a articulação com mais 5 (cinco) municípios da região agreste do estado, além de outros que já receberam o projeto nos anos de 2020 e 2021, a fim de potencializar o alcance do projeto e promover a interiorização do direito ao reconhecimento legal de nome e gênero. 
 
Aumentar o alcance do direito ao reconhecimento legal de nome e gênero, estabelecendo diálogos e trocas de experiências com outras Defensorias estaduais constitui, sem dúvida, um firme horizonte do projeto. 
 
 
Até agora quantos foram os atendimentos totais?

Até o ano de 2021 - somados os anos de 2020 e 2021 -, foram realizados aproximadamente 400 (quatrocentos) atendimentos. No ano de 2022, já foi realizado um novo mutirão em parceria com a Coordenadoria LGBTQIA+ do Município de Igarassu, no qual foram realizados mais 14 (quatorze) atendimentos. Já existe um novo mutirão agendado para o Município de Garanhuns, que conta com a parceria da sociedade civil (Coletivo Motirô), com mais de 20 (vinte) pessoas inscritas.

O reconhecimento legal do prenome e do gênero de pessoas travestis e transexuais é uma busca comum à Defensoria? E quais os principais entraves?
Embora o procedimento de requalificação civil (reconhecimento legal de nome e gênero) não mais envolva a judicialização da demanda, ainda existe uma grande busca pelos serviços da Defensoria Pública. Isso porque o procedimento ainda se mantém bastante burocrático (há uma extensa lista de documentações a providenciar), o que leva a busca por orientação jurídica. Além disso, o procedimento tem um custo, que varia de acordo com o estado da federação, o que também motiva a busca pela Defensoria Pública, a fim de garantir a gratuidade do procedimento e de documentos a serem extraídos com esta finalidade.
 
No dia a dia, apesar dos avanços desde a decisão do Supremo Tribunal Federal, é comum existirem entraves junto às serventias extrajudiciais. Sem pretensão de exaurir a questão, são comuns os relatos envolvendo o desrespeito ao gênero autoidentificado e ao nome social, além do estabelecimento de exigências não previstas no Provimento n. 73 do Conselho Nacional de Justiça (ex.: remessa do procedimento extrajudicial ao Ministério Público para manifestação; declarações assinadas por duas testemunhas, etc.). 
 
Além disso, o acesso à gratuidade permanece um ponto sensível em diversos estados da federação, diante da ausência de uma norma uniformizadora, sobretudo quando se está diante de pessoas domiciliadas em município diverso de onde o registro de nascimento foi realizado, o que implica a incidência de taxas de porte e remessa para o procedimento. 
E quando a pessoa não tem a possibilidade de retificar seus documentos e/ou não conhece este direito, quais são os principais enfrentados por essa pessoa?
A possibilidade de ter o nome e gênero autoidentificados reconhecidos pelo estado é um enorme passo para a garantia de outros direitos e para redução de situações de constrangimento e violências diárias. A alteração documental pode ser ponto crucial para viabilizar uma vida com mais segurança, por vezes, inclusive, evitando o afastamento do ambiente escolar ou dos serviços de saúde.
 
A partir do momento em que a população trans e travesti pode ter acesso, de modo menos burocratizado e gratuito, ao procedimento de alteração dos campos de nome e gênero em seus documentos pessoais, existe a legitimação estatal daquela identidade, reforçando o dever de respeito a esta mesma identidade por toda a sociedade.
A Defensoria Pública de Pernambuco tem um núcleo específico para esses atendimentos?

Na Defensoria Pública, o Núcleo de Defesa e Promoção de Direitos Humanos, além da realização do projeto e de atendimentos regulares, também presta auxílio técnico aos demais núcleos regionais, quando demandas semelhantes chegam até a Defensoria em outras comarcas. 

E, por fim, o que vocês acham que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública nacionalmente?
A Defensoria Pública é função essencial à justiça, e seu serviço é fundamental por atuar em prol das pessoas em situações de vulnerabilidade. A demanda das Defensorias Públicas tem aumentado ao longo dos anos, com o aumento das desigualdades sociais acentuadas pela recente pandemia, contudo o número de defensoras e defensores públicos não tem acompanhado esse avanço. Desta forma se torna imprescindível cumprir as determinações da Emenda Constitucional 80, garantindo a universalização do acesso à justiça através da presença da Defensoria Pública em todas as comarcas do país.
 
Além da expansão dos serviços, é importante garantir a manutenção das prerrogativas e poderes da Defensoria Pública e de seus membros, a exemplo do poder de requisição de documentos, a ampla iniciativa para ação civil pública, a autonomia orçamentária e administrativa e a iniciativa de lei.
 
Somente com uma Defensoria Pública forte e presente será possível ampliar a atuação em favor da população mais vulnerável do país, garantindo o acesso à justiça, realizando educação em direitos que promova cidadania e a solução extrajudicial de conflitos que pacifica as relações de maneira mais eficiente e menos custosa.
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