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Nº 09 - 1º de dezembro de 2021
No início do segundo semestre, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento de um rol de 22 Ações Diretas de Inconstitucionalidade, protocoladas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, contra à prerrogativa de requisição das Defensorias Públicas dos Estados e da União.
 
A prerrogativa de requisição é fundamental da missão constitucional de defensoras e defensores públicos, principalmente na atuação coletiva e extrajudicial da Instituição. Por meio do dispositivo, a Instituição tem a legitimidade de solicitar às autoridades, agentes públicos e entidades privadas certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias à sua atuação, conforme prevê a LC 80/94. O impacto disso é a redução de custos para o processo.
 
No entanto, para o PGR, a prerrogativa confere à categoria atributo que os advogados particulares não têm. Segundo Aras, “em que pese as nobres e essenciais atribuições conferidas à Defensoria Pública, não podem seus membros ostentar poderes que representem desequilíbrio na relação processual, sob pena de contrariar os princípios constitucionais da isonomia, do contraditório, do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdição”.
 
Estudo do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) aponta que a maioria das DPEs (55,8%) emite de dez a 50 ofícios/requisições por mês, indicando que, em geral, esse dado representa de 10 a 30% do total de documentos produzidos na atuação diária dos órgãos.
 
Já o ministro Edson Fachin, relator da ADI 6852, que questiona artigos da Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/1994), julgou improcedente o pedido do procurador-geral da República e resguardou a prerrogativa de requisição das Defensorias Públicas. Em seu voto, Edson Fachin ressaltou que o papel atribuído à Defensoria Pública pela Constituição Federal, resta evidente não se tratar de categoria equiparada à Advocacia, seja ela pública ou privada, estando, na realidade, mais próxima ao desenho institucional atribuído ao próprio Ministério Público.
 
Para entender um pouco mais sobre o uso dessa prerrogativa no dia a dia da Defensoria Pública, vamos conversar com a defensora da Bahia Jeanne de Carvalho e com os defensores Patrick Cacicedo (SP) e Nelson Gonçalves (MT). 
 
Confira a reportagem na íntegra:
 
ANADEP - 
Há quanto tempo vocês são defensores(as) públicos(as)? Por que decidiram ingressar na carreira? E hoje atuam em que núcleo?
Jeanne de Carvalho: Sou defensora pública há seis anos. Ingressei inicialmente em Minas Gerais em 2015, e, desde 2019 até hoje, estou defensora  no meu estado, Bahia. Eu sempre falo que ser defensora pública é uma missão de vida porque vivemos e trabalhamos para garantir direitos de uma população muito fragilizada e carente, não apenas de recursos financeiros, mas de acesso a todos os direitos como saúde, educação, assistência social, moradia... Direitos básicos e necessários à vida humana. Já atuei em todos os ramos e núcleos da Defensoria e hoje me encontro atuando nos núcleos Cível e Fazenda Pública.
 
Patrick Cacicedo: Há 12 anos sou defensor de São Paulo. Desde a graduação concentrei meus estudos na área das ciências criminais e ainda estudante decidi que meu lugar era ao lados dos criminalizados pelo sistema penal, na defesa deles. Desde meu ingresso atuo na defesa criminal e atualmente sou membro do Núcleo de Situação Carcerária, o qual coordenei por cinco anos.
 
Nelson Gonçalves: Estou na Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso há mais de 14 anos. No dia 04 de junho de 2007, iniciou uma das maiores oportunidades de amadurecimento que impactou positivamente meu viver: o ingresso na carreira de defensor público. Após quase três décadas residindo no oeste paulista (Presidente Prudente-SP), parti rumo ao desconhecido, habitando locais que possibilitaram conhecer retratos de um Brasil, com fome e sede de justiça. A carreira iniciou-se nas cidades de Terra Nova do Norte, Itaúba e Peixoto de Azevedo-MT, localizadas no extremo norte do Mato Grosso, região amazônica, ali foram vividas experiências marcantes. Na época, uma Defensoria Pública assim como eu, jovem, porém, determinada para crescer com ousadia e usando todas oportunidades para fazer o bem. Em 2010, assumi a Coordenação do Núcleo da Defensoria Pública de Primavera do Leste-MT, em cumulação com o Núcleo de Poxoréu-MT. De lá para cá, foram anos com intensa atuação na seara criminal, quando em julho de 2019 assumi a 6ª Defensoria Pública do Núcleo de Primavera do Leste-MT, com atribuição na Infância e Juventude e Direitos Coletivos. A atuação na Defensoria da Infância redimensionou minha carreira, possibilitando uma janela de oportunidades em um atuar integrado e articulado. Ainda em 2019, com a finalidade de ter uma atuação prospectiva para diagnosticar problemas prioritários que envolvam ofensas aos direitos coletivos passei a integrar Grupos de Atuação Estratégica em Direitos Coletivos da Defensoria Pública do Mato Grosso (Educação, Saúde e Sistema Carcerário).
Qual a opinião de vocês sobre as ADIs que questionam o poder de requisição das Defensorias Públicas?
Jeanne de Carvalho: A ADI que questiona a prerrogativa requisição da Defensoria representa um verdadeiro retrocesso. A Defensoria Pública é muito mais que um escritório de advocacia: é a principal instituição pública de defesa de direitos num país de maioria pobre. É absurdo imaginar que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, tenha ingressado com uma ADI que visa enfraquecer a Defensoria Pública, Instituição que, ao contrário, deveria ser cada vez mais munida de instrumentos que facilitem e garantam os direitos da população. A Defensoria é uma Instituição e necessita do poder de requisição para cumprir sua missão constitucional de garantir o acesso à justiça, o acesso a direitos fundamentais à população hipossuficiente.
 
Patrick Cacicedo: Uma tentativa autoritária de atingir os destinatários do serviço do que a Defensoria Pública em si. Não é possível a essa altura acreditar em ingenuidade e desconhecimento do que isso representará na vida das pessoas. É parte de um projeto de país que estamos vivendo sob esse governo e todos os que o apoiam, de agudização das desigualdades e extermínio dos pobres.
 
Nelson Gonçalves: Pois bem, nossa República se caracteriza pela existência de instituições de aplicação da lei. Instituições criadas com a finalidade de habilitar a democracia, porém, são inerentes à vida das constituições uma constante tensão e eventuais atritos. E nesse cenário deve ser dada especial atenção a ascensão de movimentos que hostilizam valores constitucionais sinalizando uma regressão da democracia constitucional. A medida do MPF, de promover a ADIs que questionam a prerrogativa de requisição administrativa atribuídos à Defensoria Pública, vejo como um acidente de percurso do MPF, na contramão do desenho institucional original de defesa do regime democrático. As prerrogativa de requisição administrativa atribuídos à Defensoria Pública são consectários da indivisibilidade dos direitos humanos e dos objetivos da República.
 
Imaginemos nosso país de democracia tardia, possuindo uma instituição promovedora dos direitos humanos e instrumento do regime democrático (Defensoria Pública), sem a atribuição de requisitar esclarecimentos, perícias, certidões, informações, providências outras etc. Pensar nessa situação é incentivar uma organização decorativa.
 
Certamente, que o STF chamado para dirimir essa questão, tomará uma decisão capaz de restabelecer o equilíbrio e a funcionalidades das funções essenciais à justiça, demonstrando a vitalidade da Constituição e não a sua falência. O Ministro Edson Fachin no seu voto proferido no julgamento da ADIN 6852, iluminou o caminho que a Corte deverá seguir: o do paralelismo traçado pelo constituinte entre Ministério Público e Defensoria Pública, considerando tal prerrogativa como verdadeira expressão de valores constitucionais.
Em média, as Defensorias Públicas dos estados realizam cerca de 14 milhões de atendimentos por ano. Vocês acham que esse número poderia ser prejudicado, caso o poder de requisição das Defensorias Públicas fosse retirado?
Jeanne de Carvalho: Retirando da Defensoria a prerrogativa de requisição, o primeiro efeito que se verificará de forma muito clara é o aumento das demandas judiciais, porque o poder de requisição evita o ingresso de milhares de ações judiciais diárias. Em um segundo e deletério efeito, verifico a morosidade na solução das questões, porque gerará uma sobrecarga de processos sem precedentes no Poder Judiciário e, consequentemente, uma demora ainda maior na prestação jurisdicional. Por fim, o maior prejudicado será aquele que já é tão fragilizado pelo sistema. A sensação que a gente que trabalha na área tem é que o sistema como um todo é muito egoísta, individualista e quer a todo momento “atropelar” essa população tão carente.
 
Patrick Cacicedo: Os impactos são inúmeros e se resumem na impossibilidade de uma efetiva defesa dos pobres em todas as áreas. Não se trata de discutir uma prerrogativa, mas a essência do acesso à justiça no modelo constitucionalmente firmado em 1988.
 
Nelson Gonçalves: A atividade jurídico-assistencial desenvolvida pela Defensoria Pública deve ser exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. Dessa forma, sem a utilização completa de todas as prerrogativas legais atribuídas à Defensoria Pública, haverá a deterioração da qualidade dos serviços prestados pelas Defensorias Públicas. De acordo com o art. 4º-A, II, da LC nº 80/1994, constitui direito do assistido “a qualidade e a eficiência no atendimento”.
 
Esvaziar a atuação dos membros da Defensorias Públicas do exercício da prerrogativa de requisição será atingir de morte o piso existencial do cidadão, que bate às portas das Defensorias em desespero pela ausência de vagas em creches, escolas, medicamentos, digna moradia, socorro em tragédias familiares, alimentação mínima, abusos no exercício do uso da força estatal, etc.
 
Haverá um impacto irrestrito à dignidade de milhões de brasileiros que estão em posição de vulnerabilidade. 
 
A prerrogativa de requisição não constituiu um “superpoder” ou algo “luxuoso e desnecessário”, constitui instrumento necessário para focar os necessitados, os usuários do serviço público, que é o nosso maior referencial para o processo de tomadas de decisões.
Dr Patrick Lemos Cacicedo, a coluna da Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, publicou reportagem sobre a soltura de sete pessoas que estavam presas por furtos considerados insignificantes. O senhor pode nos explicar um pouco sobre esse caso?
Apesar de não estar instalada em inúmeras comarcas do estado, a Defensoria Pública de São Paulo se faz presente nos presídios na medida de suas possibilidades, seja para inspecionar as unidades prisionais, seja para atendimento das pessoas presas. Outro dia inauguramos o atendimento no Centro de Detenção Provisória de Itatinga. Eu fiz o primeiro dia de atendimento e de cara atendi um senhor que estava preso por um furto de alicate de 19 reais. Os outros casos atendidos também chamaram a atenção. A DPESP não atua na defesa processual das pessoas presas nesse CDP, então requisitamos a lista das pessoas presas por furto e o resultado foi assustador. Há dezenas de pessoas presas por furto insignificante naquela região. Daí, comecei uma espécie de mutirão para soltá-las. De cara uma dezena já saiu. O trabalho segue. A prerrogativa de requisição é fundamental para iniciativas como essa de descoberta de prisões ilegais, especialmente em estados como São Paulo em que o modelo público de assistência jurídica ainda está muito distante de boa parte da população.
Dr Nelson Gonçalves, um dos casos selecionados foi coordenado pelo senhor. Trata-se do caso de criança com autismo de Primavera do Leste que conseguiu refazer ano letivo, perdido por conta da pandemia, após atuação extrajudicial da DP. Conte-nos mais
As Defensorias não pararam na pandemia e mostraram a sua importância na consolidação de políticas sociais que garantam o acesso a direitos fundamentais. As Defensorias, como não poderia ser diferente, foram acionadas com elevada intensidade na gravidade da situação vivenciada, o que exigiu a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, para tentar diminuir os nefastos efeitos da crise sanitária.
 
Nesse contexto, a pandemia do Covid-19 promoveu alterações significativas a partir do ano letivo 2020 de diversas crianças e adolescentes, que foram diretamente afetados no seu direito à educação, sendo que muitas não conseguiram adaptar-se adequadamente ao sistema de ensino virtual.
 
Assim, no final do ano letivo de 2020 e início do ano letivo de 2021, efetuamos atendimentos de famílias que declaram que seus filhos não poderiam ter a progressão do estágio escolar, pois através de documentação médica estaria comprovado o efetivo comprometimento cognitivo, devendo ser determinada a retenção escolar.
 
Foram enviadas requisições recomendatórias às direções das unidades escolares, reforçando que às estratégias pedagógicas não se mostraram eficientes, sendo que às aulas remotas impossibilitaram o progresso do desenvolvimento pedagógico das crianças, as quais foram acatadas.
 
No caso da criança portadora do transtorno do espectro autista-TEA, sabemos que a existência de uma rotina é crucial na vida de um autista. Diariamente, famílias de crianças e adolescentes portadores de TEA encaram enormes desafios para amenizar o impacto do quadro e promover o desenvolvimento de seus filhos, ainda mais agora que todos enfrentamos, a maior crise sanitária global e sem precedentes ocasionada pela pandemia do vírus que causa a COVID-19.
 
Com a chegada da pandemia da COVID-19, e a adoção do isolamento social como forma de conter a contaminação, essas famílias precisaram reestruturar suas rotinas e adotar medidas de ajuste, sendo os autistas extremamente sensíveis as mudanças e alterações do seu cotidiano, ou seja, transformações repentinas no cotidiano podem provocar alterações emocionais e comportamentais, ficando mais agitada, ansiosa e agressiva.
 
Na situação específica da aluna autista, apesar dos inegáveis esforços da escola, para seguir com acesso à educação com estímulos que a idade e nível de desenvolvimento requer, às estratégias pedagógicas não se mostraram eficientes, o que culminou na expedição do oficio requisitório para solicitar a retenção da criança no anos escolar atual, visando melhor desenvolvimento de suas habilidades pedagógicas e sociais, sendo que a mudança nesse momento poderia gerar maior retração e inibição dos avanços já alcançados prejudicando ainda mais o desenvolvimento geral.
Dra Jeanne Carvalho, em meio à pandemia, outra atuação de destaque foi a atuação da DPE-BA no que tange a vacinação de quilombolas no estado. Como foi esse trabalho? E por que o uso do poder de requisição foi fundamental nesta demanda?
No caso dos quilombolas, trata-se de uma população que, historicamente, sempre esteve à margem do serviço público de saúde e outros direitos básicos, como educação. Então, desde que começou a pandemia do Covid-19 houve uma preocupação muito grande da Defensoria em estar próxima e resguardar os direitos dessa população. Assim, quando se iniciou o esquema vacinal o poder de requisição foi de fundamental importância para que nós conseguíssemos solicitar e receber com rapidez a documentação referente ao esquema vacinal dos municípios e perceber que não haviam sido incluídos os quilombolas no grupo prioritário para o recebimento da vacinação. Com isso, foi possível oficiar os municípios, recomendando a inclusão dessas comunidades nos grupos prioritários em razão das peculiaridades que as envolvem. Os municípios acolheram a recomendação da Defensoria Pública da Bahia e incluíram as comunidades quilombolas nos grupos prioritários e todos receberam a vacinação de forma adequada. Então, este é apenas um dos exemplos da importância do poder de requisição, inclusive para demandas coletivas. O poder de requisição é uma ferramenta de extrema importância para a garantia de Direitos da população carente, fragilizada, hipossuficiente, para a realização da justiça.
Na opinião de vocês, o poder de requisição também pode ser um instrumento para fazer o poder público direcionar melhor políticas públicas em determinadas áreas, por meio da organização de dados e documentos? Há exemplos assim?
Jeanne de Carvalho: Sem sombra de dúvidas. No meu núcleo de atuação, por exemplo, trabalhamos em rede de contatos e estamos ssempre em contato direto com prefeitos e secretários. Esse contato mais próximo que fazemos através do poder de requisição é claramente um direcionador de políticas públicas.
 
Patrick Cacicedo: Sim, a própria Defensoria Pública deve usar esse instrumento para direcionar melhor suas atividades e prioridades. O exemplo acima é um deles, há uma região do Estado que produz com regularidade prisões ilegais. Precisamos desse olhar para aprimorar nossa política pública de assistência jurídica.
 
Nelson Gonçalves:A requisição deve ser feita com vistas ao exercício de funções institucionais da Defensoria Pública, e como decorrência lógica do princípio republicando, ele é uma ferramenta para aperfeiçoar políticas públicas. Isto porque as possibilidades de superar a exclusão passam necessariamente por políticas públicas voltadas para a efetivação dos direitos. O uso efetivo da prerrogativa da requisição tem o foco na construção da cidadania; e na construção da cidadania o que está em jogo é o direito e não o favor; é a igualdade. Como exemplo de direcionamento de melhores políticas públicas no uso da prerrogativa da requisição cito o final de 2019 e primeiro trimestre de 2020, onde promovi a expedição de aproximadamente 100 (cem) ofícios requisitórios para garantir o acesso ao ensino infantil e fundamental na rede pública de educação, sendo que não houve a necessidade de acesso ao Judiciário para pleitear nenhuma vaga escolar, e ainda constatamos no ano de 2021 uma diminuição de 80% dessa demanda extrajudicial, indicando o aperfeiçoamento da rede de educação pública no Município de Primavera do Leste-MT.
Vocês podem nos dar exemplos também de como o poder de requisição pode ser utilizado na atuação coletiva.
Patrick Cacicedo: Com a prerrogativa de requisição descobrimos que o Estado gastava anualmente 3 ou 4 reais por preso com o fornecimento de produtos de higiene e vestuário, o que criou a necessidade de familiares - já muito pobres - de gastarem metade de seu rendimento mensal para garantir a sobrevivência de seus entes presos. Descobrimos também muitos dados de violações de direitos que eram constatadas em nossas inspeções, como racionamento de água, falta de água aquecida para banho, falta de equipe mínima de saúde nos presídios etc. Todos esses casos foram judicializados e tiveram êxito e contribuíram para salvar vidas e reduzir as dores e danos das prisões. Sem o poder de requisição esse tipo de atuação resta completamente inviabilizada. Sua consequência concreta seria mais dor, mais dano e mais morte nas prisões.
 
Nelson Gonçalves: Em Mato Grosso, com a criação dos Grupos de Atuação Estratégica em Direitos Coletivos da Defensoria Pública (Saúde, Educação, Sistema Carcerário, Mulheres, Diversidade Sexual e de Gênero e Catadores), há dezenas de exemplos da utilização da prerrogativa da requisição em defesa de grupos populacionais vulneráveis, tais como: o pedido de informações encaminhado em agosto deste ano ao Secretário de Estado e Segurança Pública para apresentação do plano de retomada das visitas aos presos do sistema prisional de Mato Grosso; a solicitação do Gaedic Diversidade Sexual e de Gênero à Assembleia Legislativa para criação de uma Câmara Setorial Temática para pesquisar, discutir e propor medidas de proteção ao público LGBTQI+ do Estado; o ofício do Grupo de Atuação Estratégica na Defesa dos Catadores de Recicláveis (Gaedic/Catadores) à secretária Nacional de Proteção Global do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, onde constou o pedido de moradia, saúde e educação para 342 famílias do Aterro Sanitário de Cuiabá, que trabalham e vivem em situação insalubre e de extrema vulnerabilidade; e a recomendação expedida pelo Grupo de Atuação Estratégica em Direitos Coletivos na área da Saúde ao Estado de Mato Grosso que ampliasse a vacinação contra a Covid-19 para todas as mães lactantes, com ou sem comorbidades, e não apenas mulheres com filhos de até um ano de idade.
E, por fim, o que você acha que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública nacionalmente?
Jeanne de Carvalho: Acredito que a Defensoria precisa chegar em todas as comarcas do Brasil… Isso deve ser uma prioridade. Além disso, devemos buscar uma paridade de tratamento da Defensoria com as demais instituições (MP e Magistratura) em vários aspectos, seja instrumentos de defesa dos direitos (prerrogativa de requisição, por exemplo), seja estrutura de trabalho, seja em termos remuneratórios. Por fim, precisamos nos fazer presentes cada vez mais nas pautas do Legislativo e do Executivo, demonstrando nossas ações, principalmente em números, trazendo esses dados com transparência para a própria população.
 
Patrick Cacicedo: Reconhecer a essencialidade do modelo público de assistência jurídica com todos os instrumentos, sobretudo orçamento. É preciso chamar as coisas pelo seu nome, e o que ocorre em boa parte do país é a privatização da assistência jurídica, incompatível com o modelo constitucional. É preciso seguir na luta pelo modelo público em conjunto com todas as forças progressistas do país.
 
Nelson Gonçalves: Para mim, inegavelmente onde há Defensoria Pública sua existência contribui para o sistema de justiça, tornando-o mais humano e justo. Por isso, a Defensoria Pública não pode perder seu foco, que é o assistido (necessitados), e não em si mesma. A Instituição deve focar mais nos resultados do que nos meios (atuação crítica e compromisso social), deve se valer de metas e indicadores de desempenho, tais como pesquisa de satisfação, entre outros. Deve também tomar consciência de que o único que pode dizer se o serviço é bom ou ruim é o assistido, pois é para ele que o serviço é prestado.
 
A Defensoria Pública precisa investir na coleta de dados sistematizados da sua atuação, o que possibilitará análises de curto, médio e longo prazo, bem como a eleição de prioridades e construir um canal de comunicação com a sociedade acerca do planejamento de políticas públicas tendentes a garantir opções de desenvolvimento do acesso à justiça e à cidadania no Brasil.
 
Os casos acompanhados pela Defensoria Pública são específicos e complexos, o que gera a necessidade que haja profissionais de outras áreas do saber (psicólogas ou assistentes sociais), que são fundamentais para o atendimento à população.
 
Deve haver na Defensoria Pública uma movimentação adequada quanto ao tema da tecnologia para a solução dos desafios do presente o do futuro.
 
As Defensorias Públicas precisam elaborar, ou seja, construir padrões racionais para tomada de decisões, esses padrões devem ser elaborados pela Defensoria de Segunda Instância, em forte diálogo com a Defensoria de primeira Instância, por intermédio de jurisprudências selecionadas em temáticas específicas. Com isso, será possível construir soluções mais efetivas, ações que estejam alinhadas com o projeto institucional de ir além da prestação de assistência jurisdicional, ou seja, assistência para se pleitear algo junto ao Poder Judiciário formal.
 
Entretanto, há um problema sério na Defensoria, que consiste na relação entre as prioridades estratégicas e as decisões orçamentárias. O orçamento muitas vezes é decidido unicamente por critérios políticos, sem levar em consideração aspectos estratégicos que estavam sendo trabalhados pela organização.
 
O quanto de repasse orçamentário para as Defensorias Públicas estará vinculados à contrapartida de consecução de metas, resultados e excelência. A legitimidade social tornar-se-á consequência. Esse é um dos nortes da sociedade informacional. E nesse cenário não há lugar para uma postura passiva, conformista e de acomodação.
 
Levantar a voz em favor dos que não têm voz é um ato de justiça. Agir em favor do pobre significa muito mais do que suprir suas necessidades imediatas. Implica lutar para que tenham reconhecidos seus direitos e se tornem protagonistas de sua história.
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