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Nº 006 - 22 de julho de 2021
Gabriela Hamdan e Cleomar Rizzo
O "Histórias de Defensora e de Defensor" desta semana conta a história criação da Defensoria Pública de Goiás, um dos últimos estados a implementar a Defensoria nos moldes constitucionais. 
 
No Estado de Goiás, a Defensoria Pública foi legalmente instituída no ano de 2005, através da Lei Complementar Estadual nº 51. No ano de 2013, o Governador do Estado nomeou o primeiro defensor público-geral integrante dos quadros da Defensoria Pública, após enquadramento dos servidores da antiga e extinta Procuradoria de Assistência Judiciária.
 
No ano de 2015 foram empossadas as primeiras defensoras e defensores públicos concursados, provenientes do I Concurso, após um concurso que atravessou muitas batalhas de suspensões. Em 2011 o concurso foi suspenso, logo após a primeira fase, tendo sido retomado em outubro de 2011, e foi possível realizar a segunda fase. Em abril de 2012, poucos dias antes da prova oral, o concurso foi suspenso novamente. A retomada só foi possível em 2014.
 
No ano de 2016 foram nomeados mais defensoras e defensores públicos, agora provenientes do II Concurso e em agosto de 2017 os aprovados remanescentes. 
 
Hoje, a Defensoria Pública goiana conta com 83 defensoras e defensores públicos em seu quadro, presentes nas comarcas de Goiânia, Aparecida de Goiânia, Anápolis, Inhumas e Trindade.
 
Para contar sobre essa trajetória, convidamos a defensora pública Gabriela Hamdan, aprovada do I concurso e o defensor público Cleomar Rizzo, primeiro defensor público-geral do Estado. 
 
ANADEP - 
Há quanto tempo vocês são defensores(as) públicos(as)? Por que decidiram ingressar na carreira?
Gabriela Hamdan: Eu sou defensora pública desde janeiro de 2015, com muito orgulho pertenço à primeira turma de defensoras e defensores concursados do Estado. À época, fomos 13 aprovados(as) dentre mais de 6 mil candidatos(as) e somente 12 tomaram posse. Eu, apesar de ser mineira, moro em Goiás desde os oito anos de idade e aqui nunca tinha se ouvido falar em Defensoria Pública. Quando fiz faculdade (de 2001 à 2005) a comunicação digital era ainda muito tímida. Então, eu resolvi estudar para o Ministério Público, pois sempre fui uma pessoa idealizadora, queria mudar o mundo, estar próxima ajudando as pessoas e ser uma agente de transformação da sociedade. Então, quando saiu o edital do concurso para os quadros da Defensoria Pública de Goiás eu me vi com a oportunidade de ser tudo isso, apesar do salário inicial ter sido mais baixo que o de analista do TJGO, cargo por mim ocupado à época.
 
Cleomar Rizzo:  Iniciei minhas atividades na Procuradoria Geral do Estado e fui atuar diretamente na área especializada da PGE, a Procuradoria de Assistência Judiciária, em 1982. Atendia na área cível/família. Sentia vontade de trabalhar com a população vulnerável, pois além de ser um aprendizado como profissional e como pessoa, também era uma missão na busca de meios de solução para aqueles que precisavam.
Vamos falar sobre a criação da DPE-GO. Como foi o movimento de implementação no estado?

Gabriela Hamdan: Como eu disse, aqui em Goiás nunca tinha se ouvido falar em Defensoria Pública, então quando entramos em 2015 foi um trabalho bem desafiador, pois tínhamos que explicar, a todo tempo, às pessoas quem éramos, desde à ascensorista do elevador do fórum, aos juízes, promotores. Ora éramos chamados(as) de procuradores do Estado ou advogados(as). Passamos diversos constrangimentos em audiências, nossas prerrogativas não eram respeitadas. Ainda mais porque éramos só 12 pessoas, então paralelamente atuávamos junto aos(às) nobres advogados(as) da extinta PAJ. A transição para o modelo constitucional ocorreu de modo lento. Para se ter uma ideia, o dia que eu e o colega Saulo Carvalho David chegamos em nosso primeiro dia de trabalho, procuramos na sala um computador para trabalharmos e não tinha, pois cada advogado(a) já tinha o seu.

Primeira audiência de custódia em Goiás (2015). Na foto, a defensora pública Gabriela Hamdan e o defensor Cleomar Rizzo.

Cleomar Rizzo:  O serviço de Assistência Judiciária no Estado de Goiás realizado através da PAJ/PGE iniciou em 1964, e em 1975, em razão do grande volume de pessoas que buscavam pelo serviço oferecido, a mesma ganhou impulso com outros locais de atendimento. Anos após, já com a promulgação da nova Carta Magna em 1988, e nessa linha de necessidade de implementação definitiva do novo órgão no Estado de Goiás, após muita luta, a PGE também encampou a proposta de instituição da DPE-GO. Com a criação da nova Instituição, o atendimento das pessoas carentes, beneficiárias da justiça gratuita, bem como todo acervo processual existente em tramitação, foi transferido para o órgão recém-criado. A transição e a migração foram conduzidas à época pelo então PGE-GO, que inclusive conduziu o processo eleitoral para escolha do DPG-GO, disputado pelos defensores públicos de carreira existentes naquele momento, reconhecidos por força de previsão constitucional, conforme previa a Lei.
Dr. Cleomar Rizzo, o senhor foi o primeiro defensor público geral do Estado. Quais foram os desafios da época? Qual era a expectativa ao tomar posse no cargo?
 
Posse do defensor público-geral Cleomar Rizzo (Foto: DPE-GO)
 
Cleomar Rizzo: Em 2013, após processo eleitoral, fui escolhido em lista tríplice pelo então Governador do Estado para exercer o cargo de Defensor Público-Geral do Estado de Goiás, e em 2015 fui reconduzido ao cargo de DPG-GO. Sabíamos que os desafios seriam muitos, vez que o novo órgão estaria começando do zero. A expectativa era que teríamos de trabalhar muito junto ao próprio Governo do Estado, junto às demais Instituições e junto à população, buscando meios de estruturação e organização da DPE-GO.
 
Conjuntamente, tínhamos o importante papel de trabalhar no destravamento do 1º Concurso, que estava paralisado por ordem judicial. Concomitantemente, colocamos em funcionamento projetos, tais como busca pela autorização para abertura do 2º Concurso para carreira, equiparação da remuneração da carreira com defensores de outros estados, e outros projetos de atuação da Instituição e, assim estaríamos ganhando força e mostrando a importância e a necessidade da efetiva implementação da DPE-GO em prol da população menos favorecida, público-chave do atendimento.
Na assembleia legislativa, quais foram os principais entraves? Quem criou mais resistência para aprovação do texto da Defensoria? E quem, de fato, apoiou vocês na Casa?

Cleomar Rizzo: Como todos sabem, o Estado de Goiás foi um dos últimos estados a efetivamente implementar a Defensoria Pública. As dificuldades enfrentadas foram muitas, talvez até pelo motivo de falta de conhecimento por parte dos parlamentares, do importantíssimo papel da DPE perante a população vulnerável. Entretanto, hoje a relação com a Assembleia Legislativa é extremamente saudável, vez que desde 2016 a DPE-GO possui um núcleo de atendimento naquele local. Importante dizer também que tem o apoio permanente de vários parlamentares.

Quais entidades mais contribuíram para a criação do movimento de criação da DPE-GO? Quais articulações foram feitas nesse período?

Notícia em jornal destaca nomeção dos 12 novos defensores (acervo pessoal)

Gabriela Hamdan: Sem sombra de dúvidas a ANADEP foi a entidade mais importante nessa luta. Quantas vezes ligamos para o presidente André Castro (inicialmente), depois para a Patrícia Kettermann e, por fim, para Stéfano Pedroso, para se ter uma ideia de quanto o concurso demorou (entre 2010 e janeiro de 2015 até a posse) e também para os diretores da Região Centro-Oeste, Murilo da Costa e Fábio Rogério, defensores públicos no Tocantins. Todos(as) vieram a Goiânia, fazer gestão junto à chefia da então inconstitucional Defensoria Pública, bem como junto ao Poder Judiciário que travava nosso concurso. Certa vez, fomos até à ANADEP expor nosso problema e sempre tivemos o acolhimento necessário. Meu sentimento à ANADEP (e não é porque estou concedendo essa entrevista) é de profunda e sincera gratidão e tenho hoje orgulho de ser associada.

Cleomar Rizzo: Embora existisse resistência de alguns, talvez pela desinformação sobre a importância do seu papel perante a sociedade, vários foram os movimentos em prol da criação da DPE, tendo sido encampado inclusive pela própria PGE-GO. Como a própria sociedade civil goiania desconhecia o relevante papel da Defensoria Pública, a ANADEP também participou no diálogo com o governo estadual e demais atores do sistema de justiça goiano nesse movimento de reconhecimento de sua relevância. De igual modo, após a implementação da Instituição, o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais  (CONDEGE) auxiliou no seu fortalecimento.

Como foi desenhado o I Concurso de Ingresso na Carreira de Defensor Público do Estado? Quantos foram empossados à época?

Gabriela Hamdan: O concurso foi composto de prova objetiva, escrita, oral e de títulos. Quem organizou o concurso foi o então chefe da PAJ, o procurador do Estado Ricardo Maciel. Quem participou da banca examinadora foram juízes(as), promotores(as), procuradores(as) do Estado e advogados(as). Fomos 12 empossados(as) e dessa turma permaneceram 11 na Instituição.

Cleomar Rizzo: O I Concurso teve início em 2010, contudo ficou paralisado por ordem judicial. Após minha posse como DPG-GO, em 2013, trabalhamos muito junto ao presidente do concurso, até que em meados de 2014 conseguimos a continuidade do certame, finalizando o mesmo, homologando-o em 29/09/2014.
 
 
Solenidade de posse dos aprovados no II concurso  (Foto: DPE-GO)
 
No ano de 2015 foram empossados(as) os(as) primeiros(as) defensores(as) públicos(as) concursados(as), provenientes do I Concurso. Dr. Gabriela Hamdan, como foi a luta de nomeação?

Gabriela Hamdan: Foi uma luta árdua, não só a nomeação, mas principalmente destravar o concurso. Em janeiro de 2011 o concurso foi suspenso, logo após a primeira fase (por decisão administrativa do Governador de suspender todos os concursos no Estado). O concurso retomou em outubro de 2011 e foi realizada a segunda fase do certame. Em abril de 2012, poucos dias antes da prova oral, o concurso foi suspenso pelo TCE (DPG interino fotocopiou a petição inicial de uma ação anulatória proposta por dois candidatos reprovados e levou ao TCE que decidiu pela suspensão), em seguida, a decisão judicial na referida ação também suspendeu o concurso.

Notícia em destaque (acervo pessoal)

Nunca vou me esquecer dessa suspensão no TCE, pois eu faria a prova no dia seguinte ao meu aniversário (25 de abril de 2012) e entrei em uma depressão profunda. No mesmo ano, em 2012, o TCE concluiu pela inexistência de nulidades no concurso e revogou a suspensão. Porém, a ação judicial se arrastou e somente houve a revogação da decisão liminar em 2014, após muita luta minha, do atual subdefensor Tiago Gregório, da ex-defensora Cíntia Monique e da ANADEP. Me lembro que eu, Tiago e Cíntia nos revezávamos para tentar movimentar a ação anulatória, isso mesmo, foi o maior absurdo jurídico que vi na vida, os(as) litisconsortes habilitados(as), no caso nós, que impulsionávamos o processo, na tentativa de comprovar a inexistência de nulidades e finalizar esse martírio.
 
Então em 2014, o concurso retomou, realizamos a prova oral em junho, resultados publicados em definitivo em setembro, mas nada de nomeação, e já havia sido deflagrado o 2° Concurso, o que motivou o nosso ingresso com Ação Popular para garantir nosso direito à nomeação, que finalmente saiu em janeiro de 2015.

Defensora pública Gabriela Hamdan durante juramento de posse (2015)  (Foto: DPE-GO)

Aprovados do I Concurso  (Foto: DPE-GO)

Sonelidade de posse dos aprovados no I concurso  (Foto: DPE-GO)

Os dados atuais mostram que o GO possui apenas 83 defensores(as) em atuação. De acordo com dados do Ipea, o estado está no ranking dos piores na relação população de baixa renda por defensor(a) público(a). Como vocês analisam esse panorama?

Gabriela Hamdan: Os dados são muito tristes, precisamos avançar urgentemente para as comarcas do interior do estado, o que talvez fique difícil pelo Regime de Recuperação Fiscal. A pandemia prejudicou novo concurso, que agora está deflagrado, mas, sobretudo, precisamos de um olhar diferenciado do Governador e dos(as) deputados(as), no sentido de nos conferir o devido orçamento para a expansão.

Cleomar Rizzo: Como o estado de Goiás foi um dos últimos a efetivamente implementar a DPE, ainda encontramos muitos fatos que têm influenciado no seu crescimento, e assim cumprir o previsto na Constituição Federal. O reconhecimento da autonomia funcional, administrativa e orçamentária da Defensoria Pública foi um dos grandes desafios enfrentados e que trouxe muitas dificuldades nos momentos de definição de seu orçamento anual e na sua iniciativa de propositura legislativa. E essa é uma situação que impacta diretamente no crescimento da Instituição. Nesse ano, a DPE-GO lançou seu terceiro concurso e vejo que é fruto do diálogo e da insistência em ter autonomia respeitada.
Você considera que até o início do movimento de criação da DPE a população local tinha algum conhecimento do que era Defensoria?

Cleomar Rizzo: Uma parte da população conhecia o trabalho oferecido de assistência judiciária, mas com referência à Defensoria Pública e seu papel constitucional, a população, de um modo geral, somente tomou conhecimento após sua efetiva implementação, o que deu mais visibilidade. Atualmente é reconhecida por todas as Instituições que fazem parte do sistema de Justiça e por todos os órgãos do Estado.

Vocês têm algum relato marcante para nos contar que tenham vivenciado na Defensoria? Algum evento, atendimento ou conquista para os(as) usuários(as) dos serviços da Instituição?

Gabriela Hamdan: A Defensoria Pública de Goiás tem uma ampla atuação, de modo que é injusto mencionar somente uma. Temos colegas em uma atuação bem incisiva e muito eficiente em prol da população goiana, tanto de modo individual como coletivo. Mas creio que os marcos mais importantes foram a lei que nos conferiu a autonomia no ano de 2017, que permitiu a nossa organização, como é hoje, inclusive a diversidade de criação de núcleos, destacando-se a criação em 2018 do NUDH e do NUDEM. 

Não tem como eu não “puxar a sardinha” para o NUDEM, núcleo que trabalhei desde o Grupo de Trabalho que propôs a sua criação e sou a primeira titular. Estou no meu segundo mandato, que se encerra daqui há um ano – nos Núcleos Especializados podemos permanecer somente dois anos, permitida uma recondução. Hoje temos colegas colaboradores bastante comprometidos com a participação nos trabalhos no Núcleo, inclusive participa dele o nosso presidente da AGDP, Allan Joos, e os(as) defensores(as) Cristiana Baptista, Fernanda Fernandes, Ludmilla Fernandes, Rafael Starling e Tatiana Bronzato, contando também com o auxílio do coordenador do NUDH, Philipe Arapian.
 
 
Encerramento do 1° Curso de Defensoras Populares da Defensoria Pública do Estado de Goiás, 2019 (acervo pessoal) 
 

Ao longo de três anos, já fizemos mais de 6.000 mil atendimentos individuais. Ingressamos com Ações Coletivas, Recomendações e fizemos muito trabalho de educação em direitos, através de palestras, ministração de cursos, lives, grupo reflexivo.

Cleomar Rizzo: Penso que em razão das dificuldades que enfrentamos para a efetiva implementação da DPE-GO, todos os atendimentos que fizemos aos nossos assistidos têm uma lembrança marcante, principalmente quando o assistido já não tinha nenhuma esperança na solução ou em quem pudesse representá-lo.

E como vocês acham que a sociedade e parlamentares enxergam hoje a DPE?

Gabriela Hamdan: Em geral são simpáticos à nossa causa, porém alguns, no momento de efetivamente votar ao nosso favor, votam contra (risos).

Cleomar Rizzo: Hoje a DPE-GO tem uma visibilidade positiva e é respeitada perante a sociedade e as Instituições, seja Federal, Estadual ou Municipal, e tem sido chamada sempre a fazer parte de grandes decisões em prol da população.
E, por fim, o que você acha que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública nacionalmente?
Gabriela Hamdan: Creio que o caminho é a continuidade dos trabalhos da ANADEP, bem como de todos(as) defensores(as) - cada um em sua localidade de atuação - junto aos Poderes. Cada um e cada uma de nós traz o potencial de fazer essa aproximação.
 
Precisamos fazer a Instituição ser mais conhecida pela própria comunidade e assim, desejada a nossa presença, através de campanhas na mídia, por exemplo. Quando se fala em polícia, comparando-se com a Defensoria Pública, é dispensada a apresentação, é uma instituição de renome nacional. Porém, quando falamos em Defensoria, temos que sempre fazer o trabalho de educação em direitos, explicando quem somos.
 
Em relação à comparação anteriormente citada, observamos que a imprensa costumeiramente procura a Polícia para falar sobre direitos. Quando começamos em 2015, fizemos um trabalho “de formiguinha” para ingressar na mídia. No caso específico de vítimas de violência doméstica, hoje já conseguimos ser procurados pelos veículos de comunicação, que já visualizam a Defensoria no papel de esclarecedora acerca dos mais diversos assuntos jurídicos.
 
Cleomar Rizzo: As Defensorias têm alcançado importantes resultados para o seu crescimento e fortalecimento, mas é preciso fazer cumprir a Constituição, bem como a consolidação das autonomias.
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