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Nº 03 - 29 de abril de 2021
Cristina Guelfi e Vitore Maximiano
Criação da Defensoria Pública de São Paulo
No dia 7 de janeiro de 2021, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo completou 15 anos de uma história marcada pelo fortalecimento do acesso à justiça. 
 
Criada em 2006, a partir da Lei Complementar nº 988, a Instituição nasceu da luta coletiva que envolveu procuradoras e procuradores da Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ), movimentos sociais e outros representantes de Defensorias Públicas estaduais. 
 
Para contar um pouco sobre os bastidores do Manifesto pela Criação da Defensoria Pública de São Paulo, o projeto "História de Defensora e de Defensor" conversou com a defensora pública e primeira DPG de SP, Cristina Guelfi, e o defensor público de SP Vitore André Zilio Maximiano - ambos figuras importantes na criação e ampliação da Instituição.
 
Cristina Guelfi e Vitore Maximiano relatam sobre as batalhas na ALESP, o diálogo com o Governo do Estado e sobre os desafios de se estruturar a Defensoria Pública em um dos maiores estados do país.
 
Eles também pontuam sobre as inovações no texto de criação da DPE-SP. Conforme explicam, houve inúmeras novidades, como os mecanismos de participação social, a ouvidoria externa, as conferências e o momento aberto no Conselho Superior. Tudo reflexo de uma Instituição democrática e mais próxima dos/das destinatários/as do serviço.
 
Atualmente, a Defensoria de São Paulo conta com 772 defensoras e defensores públicos em atividade. A categoria é responsável por 1,5 milhões de atendimentos por ano. Confira na íntegra:
 
ANADEP - 
Por quase duas décadas, após a promulgação da CF de 88, SP ainda mantinha a Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ) para atender a população do estado. Quando começou o Movimento para a criação da DPE?
Vitore: Eu ingressei na Procuradoria Geral do Estado – e fui diretamente atuar na PAJ, na área criminal – em 1994. Aliás, no mesmo concurso da Cristina Guelfi e do Antonio Maffezoli, ex-presidente da ANADEP. Logo nos primeiros meses, percebemos que era um tabu falar de Defensoria Pública na Instituição. O discurso era de que SP já tinha seu órgão de prestação de assistência jurídica. Mas com o passar do tempo, começamos a constatar que a PAJ, claro, não era a prioridade da PGE. Nem poderia ser diferente, já que, por mandamento constitucional, cabia – e cabe – a essa Instituição a defesa do Estado, além da consultoria jurídica. Esse foi o impulso para que passássemos a discutir a criação da Defensoria Pública, por volta de 1999 e 2000. Nesse contexto, alguns de nós assumimos a direção do Sindicado dos Procuradores em SP e levantamos essa bandeira. Quando começamos a dialogar com a sociedade civil, houve imenso interesse e pronta disposição de diversas entidades.
 
 
Reuniões do Movimento na Assembleia Legislativa, em 2005, pela aprovação do projeto.
 
A Beatriz Affonso (Beka), à época no Núcleo de Estudos da Violência da USP, foi fundamental, assim como os Padres Gunther e Valdir, à frente da Pastoral Carcerária. A ANADEP e várias Defensorias Públicas estaduais nos ajudaram muito. Pessoas do Movimento Negro, da luta por moradia, da AJD, dos Centros Acadêmicos e das Faculdades de Direito, sobretudo USP e PUC. Enfim, dos movimentos em prol da democracia, das lutas por direitos humanos e em defesa de minorias. Foram todos muito importantes para o Movimento pela Criação da Defensoria Pública em SP.
 
Cristina:  Em 2002 foi lançado o Manifesto pela Criação da Defensoria Pública de São Paulo que contou com apoio de diversas entidades da sociedade civil, como por exemplo o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CONDEPE, Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente – ILANUD/Brasil, Pastoral Carcerária, Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo – NEV/USP, Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) e Conselho Nacional dos Defensores Gerais – (CONDEGE).
Quais foram as principais resistências que o movimento enfrentou à época para suplantar o modelo da PAJ e do modelo anterior de convênios? Quais as estratégias adotadas?

Cristina: Inicialmente, quando o Sindiproesp começou a discussão desse tema, havia resistência dentro da própria Procuradoria do Estado, uma vez que a PAJ já prestava o serviço de assistência “judiciária” e pouco se sabia sobre a nova instituição. Aos poucos, as resistências foram vencidas com a aproximação de outras Defensorias e de entidades da sociedade civil e também com a percepção de que uma instituição autônoma e com mecanismos de participação social poderia prestar um serviço de mais qualidade à população carente.

Vitore: O primeiro grande desafio foi convencer a própria PGE de que era necessário, não só cumprir a Constituição, mas o Estado ter, de fato, uma Instituição exclusivamente voltada à prestação de assistência jurídica aos necessitados. Havia muita resistência dos próprios procuradores. Até que foi criado um grupo de trabalho para elaborar uma minuta de anteprojeto de lei para criação da Defensoria Pública. A essa altura, o Movimento já era uma realidade e já tinha preparado um anteprojeto. Esses dois anteprojetos foram a base da lei orgânica atual, que disciplina o funcionamento da Instituição. Depois tivemos o desafio de convencer o próprio Governo paulista. E o governador da época, Geraldo Alckmin, enviou o projeto de lei à Assembleia Legislativa em meados de 2005.

Finalmente, veio a luta na ALESP, que não foi nada fácil, dado que havia algumas disputas corporativas de determinados integrantes de órgãos do Estado que queriam se tornar defensores públicos. E claro, em visto do convênio que era mantido com a OAB, essa Instituição tão vital para a democracia brasileira, naquele momento, tornou-se uma resistência e tanto para que tivéssemos uma Instituição criada e fortalecida em SP.
 
 
Reuniões do Movimento na Assembleia Legislativa, em 2005, pela aprovação do projeto.
 
 
Deste período, há algum evento ou ato marcante? Por quê?
Cristina: Um dos eventos mais marcantes foi o ato de lançamento do Movimento pela Criação da Defensoria Pública, realizado no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, em 2002, que reuniu muitos apoiadores. A partir daquele momento, a discussão passou a ter uma relevância ainda maior, em diversos setores da sociedade, aumentando a pressão para que o Estado cumprisse o ditame constitucional e criasse o órgão.
 
Vitore: Tivemos o ato de lançamento do Movimento pela Criação da Defensoria Pública. Foi em junho de 2001, no salão nobre da Faculdade de Direito da USP. O evento foi muito acima das nossas expectativas. Vários movimentos da sociedade civil e autoridades se fizeram presentes. Também realizamos um primeiro seminário para discutir o tema e convidamos Defensores-Gerais de alguns Estados, como RJ, RS e MS. Começamos a entender o universo das Defensorias Públicas no país. E outro momento marcante foi a aprovação do projeto na ALESP, às vésperas do final do ano de 2005. Claro, depois vieram os desafios. Que foram enormes. E não é lugar comum falar disso, porque não tínhamos experiência em gestão pública e estávamos simplesmente tirando uma Instituição do papel.
 
Vocês consideram que até o início do movimento de criação da DPE a população local tinha algum conhecimento do que era Defensoria? O slogan do Movimento "Defensoria Pública: para quem é carente de justiça" tinha por objetivo fazer essa aproximação?
Cristina: Àquela época, imagino que poucas pessoas tinham conhecimento dos benefícios do modelo público e da importância da criação da Defensoria em São Paulo. Como já havia um órgão estatal que prestava assistência “judiciária”, não se compreendia muito bem qual a vantagem de criação de outro órgão. Creio que a ideia, a partir das discussões que se iniciaram e especialmente da criação do Movimento, era justamente divulgar informações, fomentar a discussão e agregar pessoas em torno dessa mobilização.
 
Vitore: Embora tenhamos várias Defensorias Públicas estaduais anteriores à Constituição atual, o fato é que 2/3 das Instituições foram criadas no pós-88. A Defensoria Pública é a própria expressão da democracia. Aliás, tal como está na atual redação do caput do art. 134 da CF. Mas à época, em SP, quase não se discutia Defensoria Pública. Não se sabia o que era isso. Nem nas faculdades de direito o tema era debatido. A população hipossuficiente não sabia que tinha o direito da prestação de assistência jurídica por um órgão público especializado e voltado a essa nobre missão constitucional. E o slogan, que foi muito discutido, tinha essa ideia de empoderamento daqueles que mais carecem da prestação de justiça.
 
 
 
E dentro da Assembleia Legislativa como foram as articulações? Alguma deputada ou deputado que tenha abraçado a causa junto ao Movimento?
Cristina: A Alesp sempre foi uma aliada importante e foram inúmeras as visitas e os contatos que fizemos à época, buscando apoio de deputados/as. Muitos/as abraçaram a causa e tornaram-se parceiros/as importantes, auxiliando na divulgação e no debate do tema dentro da Assembleia e também na tramitação e aprovação do projeto de lei.
 
Vitore: Como já apontei, a luta na Assembleia foi difícil. A OAB, por sua direção da época, por mais que fizesse um discurso de apoio, se opunha à ideia de uma Instituição forte. E isso tinha eco, obviamente, dentro da Assembleia. O debate sobre o modelo público chegou a ser colocado. Mas o mais complicado foi o forte lobby que tivemos que enfrentar de duas carreiras de servidores celetistas do Estado que pretendiam se transformar em defensores públicos. Foi um embate duro. Todos os colegas se envolveram, mas éramos poucos. Contamos com o apoio da bancada governista, mas nosso maior apoio veio da própria oposição e tivemos dois deputados importantíssimos, que hoje não mais exercem mandato: Renato Simões e Ítalo Cardoso.
 
 
Fotos da Assembleia Legislativa do dia da aprovação do projeto.
 
 
 
 
Fotos da Assembleia Legislativa do dia da aprovação do projeto.
 
A Lei Complementar nº 988, que criou a DPE-SP, trouxe alguma inovação em relação às Defensorias que já eram instaladas no País? Quais avanços podemos destacar no texto?
Cristina: Uma das maiores inovações que a LC 988 trouxe foram os mecanismos de participação social. A Ouvidoria externa, as Conferências e o momento aberto no Conselho Superior permitem que pessoas de fora da instituição colaborem no controle e na gestão da instituição, tornando-a mais democrática e próxima dos/das destinatários/as do serviço.
 
Vitore: Uma das principais fontes do texto aprovado era o anteprojeto do Movimento, elaborado nesse ambiente democrático com importantes discussões em prol da defesa de grupos minoritários. Assim, a Lei paulista nasceu da pressão social. Esse é seu DNA e isso está refletido em vários pontos, como o Conselho Superior, a Administração e a Ouvidoria- Geral. Outro ponto de destaque: a Emenda Constitucional 45, que dotou as Defensorias Públicas de autonomia, foi editada meses antes da Lei paulista. Portanto, a Lei de SP foi a primeira no país com a previsão de autonomia administrativa, financeira e orçamentária. Isso fez muita diferença para que pudéssemos adotar uma política, já nos primeiros dias, de fortalecimento do modelo público e de avanço institucional. Começamos com 87 defensoras e defensores públicos e hoje somos quase 800, sem contar servidores, estagiários e toda a estrutura.
 
 
 Dia da sanção do projeto, dia 09.01.2006, no Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo de SP
 
 
 
Reunião com os ex-procuradores e procuradoras que fizeram a opção pela Defensoria. Estávamos discutindo os primeiros passos e a eleição para DPG, em 2006. 
Cristina Guelfi você foi nomeada para ser a primeira Defensora Pública geral de SP. Quais foram os principais desafios da sua gestão?
Acho que o maior desafio foi a estruturação inicial: organização dos primeiros concursos de ingresso, criação do quadro de apoio, locações de prédios adequados para atendimento ao público, aquisição de móveis, computadores, etc.
 
Quando a Defensoria de São Paulo foi criada passamos a atuar nos locais onde a PAJ estava instalada anteriormente: na Capital e em 21 cidades do interior e da Região Metropolitana. Posteriormente, com a chegada de novos/as defensores/as e com a possibilidade de ampliação dos serviços, a expansão levou em consideração o índice de vulnerabilidade social e foram instalados postos de trabalho nas regiões mais carentes do Estado.
 
Quais foram as demandas que mais chegaram à DPE-SP após sua instalação?
Após a instalação da DPESP, as demandas individuais de todas as áreas (família, cível, criminal, infância e juventude) continuaram chegando em grande volume e percebemos que houve um aumento da atuação em demandas coletivas, o que representou um significativo avanço no acesso das pessoas carentes à justiça.
 
Como vocês observam a questão da equidade de gênero dentro da Defensoria e o que precisa ser feito para ampliar a participação de mulheres nos espaço de poder dentro da Instituição?
 
Muito embora sejamos a mais nova instituição dentro do sistema de justiça, é possível perceber que padrões de desigualdade de gênero existentes em outros espaços mais antigos e conservadores muitas vezes se repetem dentro da Defensoria. Especialmente quando observamos a ocupação dos espaços de poder, fica evidente que a equidade ainda está longe de ser alcançada em nossa instituição.
 
Assim, penso ser importante a criação de espaços institucionais que fomentem a reflexão e que tragam visibilidade a essas questões, de forma que a desigualdade e as dificuldades enfrentadas por mulheres não sejam naturalizadas. Devemos também estimular a adoção de políticas internas que garantam representatividade e paridade em todas as esferas.
 
 
Creio que iniciativas como estas devam ser apoiadas e replicadas.
Como foi desenhado o I Concurso de Ingresso na Carreira de Defensor Público do Estado de São Paulo? Quantos foram empossados à época?
Vitore: O primeiro problema que enfrentamos para a realização do I Concurso foi a ausência de orçamento próprio. Ainda assim, conseguimos contratar uma Instituição especializada, que foi remunerada com a taxa de inscrição. O modelo mantém-se até hoje. Depois houve uma liminar em ação civil pública promovida pelo MP-SP que paralisou o concurso, em razão dos requisitos para a inscrição. Nesse ponto, copiamos a lei, mas ela tinha problemas. Em pouco tempo, firmamos um TAC, alteramos o edital e destravamos o concurso. Como havia muita pressão da PGE para substituir os procuradores que ainda atuavam na prestação de assistência jurídica – havia uma transição – fizemos um esforço para tentar aprovar o máximo possível de candidatos habilitados. Tínhamos a necessidade e tínhamos recursos. Foram cerca de 210 novos(as) colegas aprovados.
 
 
Reunião dos colegas que fizeram a opção pela nova carreira no Fórum da Barra Funda, em SP, em 2006
Algumas procuradoras e procuradores também migraram da Procuradoria Geral do Estado para a Defensoria. Quem estava nessa turma?
Vitore: Somos 87 ex-procuradoras e procuradores que migramos para a nova Instituição. Aliás, tivemos uma ADIN proposta pelo então PGR contra dispositivo da Constituição paulista que permitia a opção pela nova carreira. Essa ação foi uma grande surpresa para todos nós e causou muita apreensão. O STF, à unanimidade, julgou improcedente a ação e entendeu constitucional e legítima a opção que fizemos. Os ex-defensores-gerais Cristina Guelfi Gonçalves, Daniela Sollberger e Davi Deppine Filho são todos oriundos da PGE, além de tantos(as) importantíssimos(as) colegas.
 
 
Defensoras e defensores que integravam a primeira administração da Instituição. Pela ordem: (1) Renato de Vitto (1º. Subdefensor-Geral); (2) Cristina Guelfi Gonçalves (Defensora-Geral); (3) Willian Fernandes (Ouvidor-Geral); (4) Carlos Weis (Corregedor-Geral); Antonio Maffezoli (3º. Subdefensor-Geral); e Vitore Maximiano (2º. Subdefensor-Geral). Foi uma reunião com sub-ouvidores, em 2007. 
Nesses 15 anos de existência, qual o balanço que vocês fazem em relação à DPE- SP? O que foi alcançado dentro da perspectiva do movimento e o que ainda precisa avançar?
Cristina: Após esses anos, faço um balanço bastante positivo: passamos de 400 para 800 defensores/as, expandimos nosso serviço para cidades que não contavam com a Defensoria, criamos Núcleos Temáticos e Centros de Atendimento Multidisciplinar, instalamos a Ouvidoria Externa e realizamos Conferências com ampla participação social. Por outro lado, é inegável que ainda temos um longo caminho a trilhar e muito a conquistar, cabendo destacar a necessidade de ampliação do serviço para novas comarcas, com criação de cargos de defensores/as e servidores/as.
 
Vitore: A grande conquista é a própria Instituição, que está consolidada no Estado. O diálogo com a sociedade civil, com os usuários e com os movimentos organizados é um constante desafio e um compromisso inalienável da Instituição desde seu nascedouro. Prestar bem esse serviço essencial à população carente exige constante modernização, estruturas adequadas e incentivo aos seus membros e servidores, com orçamento reforçado. A cada ano e a cada gestão são desafios que se colocam. Mas nunca podemos perder de vista a razão da nossa existência: prestar um serviço de qualidade para tornar universal o sistema de justiça, já que ele é bastante excludente, garantindo-se o seu acesso aos mais necessitados.
E, por fim, o que vocês acham que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública nacionalmente?
Cristiana: Creio que a universalização do acesso, a excelência da qualidade do serviço, a consolidação das autonomias e a participação social são diretrizes que devem ser perseguidas constantemente para o fortalecimento e crescimento da Instituição em nosso país. 
 
Vitore: Precisamos fazer cumprir a Constituição. Termos Defensoria Pública em todas as comarcas do país, em condições de prestar um excelente serviço aos mais necessitados. Essa vem sendo e será uma luta permanente. Temos muito a avançar.
 
 
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