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Nº 027 - 15 de agosto de 2019
Histórias de Defensor(a) - José Ricarte
Entre muitas datas comemorativas, agosto é conhecido pela celebração do Dia dos Pais - comemorado no Brasil sempre no 2º domingo do mês. Por isso, a nossa entrevista dessa semana vem com uma história especial: a do defensor público aposentado da Paraíba, José Ricarte. 
 
Sabe aquele ditado: tal pai, tal filhas? Então, de tanto levar suas filhas para conhecer de perto o seu trabalho na Defensoria Pública, José Ricarte acabou inspirando a escolha da profissão das filhas. Duas delas são defensoras públicas: Rivana Ricarte, defensora no Acre; e Andréa Ricarte, defensora pública no Pará. Uma verdadeira família de sangue verde!!
 
"Eu as levava para ver como era trabalhar no interior, como era atender ao público, como era fazer audiência e como era ter que dormir na própria sede da Defensoria Pública porque a precariedade da situação assim obrigava", relembra o defensor. 
 
Ele também conta um pouco da sua trajetória até a criação da Defensoria Pública do Estado da Paraíba. Há 12 anos aposentado, José Ricarte mantém o orgulho pela profissão no seu dia a dia. "É preciso lutar com entusiasmo para buscar diminuir as desigualdades. Usar o seu poder como defensora e defensor público para contribuir com a cidadania".
 
Confira a íntegra a entrevista.
 
ANADEP - 
Há quanto tempo você é defensor público? Por que decidiu ingressar na carreira? Como foi este ingresso?
Nasci na zona rural, no Alto Sertão da Paraíba, no então distrito de Cachoeira dos Índios, no município de Cajazeiras, em 1947. Sou o filho mais velho de uma família de 11 irmãos. Com muita dificuldade, estudei o ensino médio em Cajazeiras e, para conseguir me manter naquela cidade, comecei a trabalhar com um respeitado advogado da época, Dr. Benu Moreira. Aquele trabalho no escritório, onde fazia de tudo um pouco, me ensinou muito e despertou o meu interesse por estudar e pela profissão da advocacia.
 
Em 1970 fiz vestibular para licenciatura de ciências sociais. Fui morar em João Pessoa e comecei a lecionar na cidade de Guarabira. Foi com este trabalho que consegui prestar vestibular para o curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em 1971, e continuei podendo custear minha vida, na Capital, até concluir a graduação em 1976.
 
Já formado, iniciei minha vida profissional como assessor jurídico na Procuradoria do Estado da Paraiba em 1978 e logo fui para a área trabalhista. Na época não existia a instituição Defensoria Pública na Paraíba. Na verdade, o que existia era a Advocacia de Ofício que integrava a Procuradoria Geral do Estado, funcionando como Coordenadoria de Assistência Judiciária. Em 1985, o Governo Wilson Leite Braga deu vida própria ao órgão, criando a Coordenadoria de Assistência Judiciária/Advocacia de Ofício, denominando-se Procuradoria Geral da Assistência Judiciária.
 
Em 1986 iniciei na Advocacia de Ofício e fui logo designado para a Comarca de Coremas-PB. Mas não cheguei a ir para aquela cidade porque fui logo nomeado assessor jurídico do Projeto Nordeste na Secretaria do Planejamento do Estado e em seguida para assessor jurídico da Secretaria de Saúde e passei a exercer de forma cumulativa o trabalho na assessoria jurídica destas secretarias de Estado, com a Advocacia de Ofício junto à Justiça do Trabalho.
 
Mas depois voltei exclusivamente a atividade de defensor público. Ao longo dos anos trabalhei em muitas cidades do interior. Passei pelas comarcas de Pocinhos, Cajazeiras, Pombal, Guarabira, Santa Rita, onde atuei em diversas áreas, desde família até a área criminal e tribunal do júri. Quando fui promovido para a Capital, passei a atuar na 4ª Vara de Familia, onde permaneci até me aposentar.
 
Todas as áreas de trabalho têm sua importância e seus méritos. Sempre me chamou atenção a possibilidade de ajudar o cidadão vulnerável. E a minha vivência na instituição muito me empolgou ao longo de tantos anos.
Somente em 15 de março de 2002 a Defensoria Pública da Paraíba foi regulamentada aos moldes constitucionais. Você participou deste processo? Fale sobre ele.
Como disse, quando ingressei não havia a Instituição Defensoria Pública. O que havia era Advocacia de Oficio, criada na Paraíba desde 1959. No inicio, a Advocacia de Ofício e o Ministério Público eram vinculados ao Poder Judiciário. Isso impactava porque havia equiparação de tratamento remuneratório. Em 1980, a Advocacia de Ofício passou a integrar a Procuradoria Geral do Estado, funcionando como Coordenadoria de Assistência Judiciária, e apenas cerca de cinco anos depois a Coordenadoria passou a ter vida própria.
 
Passamos a ter o cargo de defensores públicos que, em ascensão funcional, tornávamos Advogado de Ofício. Neste período, já estava em estado de formação a carreira de defensor público no Brasil. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Constituição Estadual de 1989, adequou a sua nomenclatura, alterando o nome do Órgão para Procuradoria Geral da Defensoria Pública – PGDP. Apesar da mudança do nome, ainda não estávamos funcionando como carreira nos moldes constitucionais.
 
Na verdade, embora a Lei Complementar Federal 80/1994 tenha estabelecido o prazo de 180 dias para que os Estados da Federação criassem as suas Defensorias Públicas nos moldes da Constituição Federal, apenas em 2002 a Defensoria Pública da Paraíba foi regulamentada aos moldes constitucionais, através da Lei Complementar nº 39/02.
 
Embora eu não tenha participado ativamente deste processo político, como outros colegas, participei de reuniões no Palácio do Governo em que se travava conversas sobre os pleitos da Defensoria. É um processo que é continuo. Todos fomos impactados por ele. Vimos nascer a instituição, mas a criação legal não concedeu autonomia financeira e sempre sofremos o impacto disso.
 
 
José Ricarte na época em que cursava Direito
Como você vê a Defensoria Pública da Paraíba hoje?
Com a regularização da Defensoria Pública da Paraíba nos moldes constitucionais, lentamente a instituição tem melhorado. Passamos a ter eleição para defensor público-geral e formação da lista tríplice. Também organizou-se o Conselho Superior. Há alguns anos tivemos o I Concurso Público para o cargo de Defensor Público do Estado da Paraíba, mas eu já estava aposentado.
 
Muitos governadores passaram pela gestão do estado, alguns foram melhorando a situação, outros tomaram medidas drásticas de redução salarial. Um dos maiores problemas é, sem dúvida, o baixo orçamento que impede o crescimento da instituição.
 
Embora na Capital tenha sido adquirido sede própria, na maioria das comarcas do Estado, por exemplo, o Defensor ainda atende dentro dos Fóruns, não possuindo local de trabalho adequado.
 
A situação do defensor público aposentado na Paraíba hoje também precisa ser modificada porque há muita desigualdade com quem esta na ativa o que não está certo.
 
 
O defensor em frente a atual sede da DPE-PB, que está sendo reformada
Atualmente, você tem duas filhas que também são defensoras públicas, uma no Acre e outra no Pará. Você sempre quis que elas seguissem os seus passos? Como você analisa isto?
Sempre mostrei para minhas filhas como era o meu trabalho. As dificuldades inerentes
e as alegrias alcançadas com a possibilidade de contribuir para fazer Justiça. Eu as levava para ver como era trabalhar no interior, como era atender ao público, como era fazer audiência e como era ter que dormir na própria sede da Defensoria Pública porque a precariedade da situação assim obrigava.
 
 
  José Ricarte e as filhas Rivana e Andréa, defensoras públicas / Família Ricarte
 
A assistência ao cidadão carente comove. Acredito que, de tanto que minhas filhas observaram minha vibração quando chegava do trabalho, elas foram influenciadas a ingressar na carreira. Eu narrava com entusiasmo que uma pessoa carente tinha sido tratada com respeito em um  universo de tanta desigualdade que domina nossa sociedade.
 
Hoje, uma é defensora pública no Acre desde 2002, e a outra é defensora pública no Pará desde 2007. Ambas ingressaram em um outro período histórico e em estados com Defensorias mais consolidadas. Fiz questão de estar junto com elas nos primeiros dias de trabalho, tanto para fazer a mudança de cada uma, porque estavam saindo de casa pela primeira vez, como para reforçar o que sempre tentei ensinar. As pessoas carentes, mais do que ouvir o direito, precisam ser acolhidas e tratadas com respeito. É preciso ouvir o que a pessoa que procura a Defensoria tem a dizer ao defensor. Isso fiz questão de ensinar: tratar a todos com humanidade e respeito.
 
  
José com a filha Rivana na formatura de Direito (2001) / Filha Andréa (2003)
 
Várias Defensorias contam com projetos como "Pai Presente", "Balcão da Família (DNA)" e ações de adoção, por exemplo. Como o senhor vê essas atuações das Defensorias voltadas para a relação efetiva de pais e filhos(as)?
A Defensoria Pública é a instituição que a cada dia mais colabora para a cidadania plena da pessoa pobre e vulnerável na forma da lei. Ao longo dos anos, no Brasil, a instituição tem crescido e projetos como estes são fundamentais. A discussão sobre paternidade responsável e todo o movimento pela presença paterna na educação dos filhos se faz cada vez mais necessário.
 
Os pais têm que se envolver na formação integral de seus filhos e filhas, tanto no que tange a provisão de alimentação e moradia, como principalmente em todo o que envolva o encaminhamento deste filho na vida. A formação do caráter deste cidadão é de responsabilidade dos pais.
Qual foi o caso que mais te marcou durante sua atuação?
É impossível falar de um caso, todos me marcaram de alguma forma. Júris sempre dão boas histórias, mas atender as pessoas que vinham de zona rural era especial porque  me identificava. 
Atualmente, como defensor público aposentado, o que mais sente falta da Defensoria?
A Defensoria Pública é contagiante. Eu me aposentei depois que sofri uma acidente, em 2007, e não pude mais exercer o trabalho. Eu já tinha 40 anos de serviço público nesta época. Gostava muito do meu dia a dia, gostava dos atendimentos e das audiências. Apesar de cansativo, sempre me senti útil. Hoje sinto muita falta de poder participar ativamente das minhas atividades no âmbito da defesa das pessoas em situações de vulnerabilidades.
Qual mensagem gostaria de deixar às defensoras e defensores públicos que estão na carreira?
Os que estão hoje na ativa nas Defensorias Públicas de todos os estados brasileiros não devem desistir da luta. É preciso lutar com entusiasmo para buscar diminuir as desigualdades. Usar o seu poder como defensor público para contribuir com a cidadania. Chegamos até aqui pela luta de muitos, mas precisamos de mais expansão. É importante continuar lutando por direitos e manter a esperança da pessoa carente na Justiça e em um mundo menos desigual.
E, por fim, o que você acha que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública?
A Defensoria Pública precisa de investimento. É preciso dar condição material para que, com toda altivez possível, a Defensoria Pública se faça respeitada em toda a sociedade e por todas as demais instituições.
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