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Nº 024 - 4 de julho de 2019
Alessandra Quines
O trabalho das defensoras e defensores públicos brasileiros no acesso à Justiça para pessoas em situações de vulnerabilidades é reconhecido pela sua excelência por organizações internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela Associação Interamericana de Defensorias Públicas (AIDEF). Exemplo da aplicação dessa excelência é o Projeto de Cooperação Técnica “Apoio e Fortalecimento do Sistema de Justiça de Timor-Leste”. Para nos contar um pouco sobre esse projeto, conversamos com a defensora pública do Rio Grande do Sul Alessandra Quines Cruz, que ficou no Timor-Leste durante um ano e nove meses.
 
O objetivo do projeto é o apoio para o fortalecimento e para a consolidação da Defensoria Pública timorense enquanto Instituição de Estado, tendo como objetivos estratégicos a instalação de uma corregedoria, a capacitação de  defensoras e defensores públicos e oficiais de Justiça em Direito Penal, Processual Penal, Civil, Processual Civil, a redação e aprovação de estatutos legais necessários à consolidação da autonomia da Instituição, entre outros.
 
O acordo é firmado entre o Ministério das Relações Exteriores (MRE), por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), tendo como cooperantes a Defensoria Pública da União e dos Estados, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério da Justiça de Timor-Leste.
 
Timor-Leste
 
O Timor-Leste, oficialmente República Democrática de Timor-Leste, ocupa a região sudeste da Àsia. Sua capital é Díli. O País tem mais de 1 milhão de habitantes. Com um IDH considerado médio-baixo, a maioria dos habitantes vive abaixo da linha de pobreza, ou seja, com menos de 1,25 dólar por dia. O índice de analfabetismo, por exemplo, é de 50% e a taxa de mortalidade infantil é de 63 óbitos a cada mil nascidos vivos. O País tem duas línguas oficiais: o português e o tetum.
 
ANADEP - 
Há quanto tempo você é defensora pública? Por que decidiu ingressar na carreira?
Sou defensora pública há 13 anos. Ingressei na carreira no 2º concurso para o cargo no Rio Grande do Sul. A escolha da carreira foi por sorte mesmo. Não sabia bem aonde estava me metendo e terminou sendo a melhor experiência profissional que eu poderia ter em termos de carreira jurídica. Me transformou como pessoa e por isso hoje sou uma militante.
Por que você se inscreveu para participar da missão Timor-Leste, que visa ao monitoramento e fortalecimento da Justiça no país asiático?

O objetivo de ir ao Timor-Leste era vivenciar algo que conhecia e era curiosa apenas por intermédio de textos teóricos: interculturalidade e diálogo intercultural. Fiquei exatamente um ano e nove meses por lá. Convivi com muitas pessoas de culturas fortemente diversas e isso transformou minha experiência profissional e pessoal em muitos níveis. Trouxe para o Brasil muitas experiências que estou aplicando no meu cotidiano na Defensoria local. A interculturalidade é algo que se vive diariamente na Defensoria Pública, por muitos públicos diversificados que atendemos, nas diversas culturas com as quais convivemos, nas diversas formas de ser e de estar de todos e todas que atuam nesse “cenário jurídico”.

Sede da Defensoria Pública de Timor-Leste

Quais foram as principais atividades desenvolvidas lá?

Cada defensora e cada defensor que participa dessas missões viaja com metas preestabelecidas, devendo ao final entregar um trabalho específico. Para mim, as principais tarefas que tocaram eram a de realizar capacitações para os defensores públicos e as defensoras públicas locais; dar aulas no Centro de Formação Jurídica, centro esse que forma os futuros e as futuras juízes(as), procuradores(as) e defensores(as) timorenses; criar, estabelecer, fazer funcionar e divulgar uma unidade nova da Defensoria Pública local, que chamamos de “Clínica de Acesso à Justiça”, voltada, muito resumidamente, para a resolução extrajudicial dos conflitos; atender aos casos individuais considerados mais complexos, e ainda, assessorar o defensor geral.

Qual a semelhança entre os dois países? E as principais diferenças?
Quando me perguntam sobre a semelhança entre Timor-Leste e o Brasil, a primeira questão que me vem à mente é o passado colonial. Duas ex-colônias de Portugal, que, em função disso, partilham um pouco de história, de costumes e até da língua portuguesa, embora essa seja falada, atualmente, por menos de 20% da população de Timor-Leste. Os efeitos deletérios da colonização portuguesa são facilmente observáveis nos dois países: burocracia, leis em vigor que não refletem a cultura local. Teria uma tese pra escrever aqui. Mas ainda não tive tempo.
 
Sobre diferenças, são muitas. Timor-Leste está situado na Ásia e cercado por uma cultura que é bem distante da nossa mente ocidental. Desde hábitos alimentares até valores morais. Já pensou em comer carne de cachorro? Ou adorar seus antepassados?
O que mais te encantou em atuar no Timor?
Os timorenses e as timorenses. A resistência desse povo é um fenômeno estrondoso historicamente e ainda pulsante.
 
Quais são as causas mais comuns que chegam à Justiça lá?
Em termos de justiça criminal, por exemplo, um fator interessante é que não há muitos crimes patrimoniais, são raríssimos. Eu costumo dizer que o que chega à Justiça é o “crime puro”: homicídio e estupro, por exemplo. Há, infelizmente, muita violência contra a mulher. Já na parte cível, os processos são marcados pelas discussões sobre a terra: posse, propriedade e sucessões. 
 
Mas é interessante anotar que em Timor-Leste a busca pela Justiça tradicional prevalece numericamente em relação à Justiça formal dos tribunais. Os Chefes de Suko (menor unidade territorial do país) resolvem a maioria das disputas por meio de diversos processos culturais, que podemos apenas superficialmente aqui equiparar à mediação. A Justiça formal fica em último lugar.
 
Como era o seu dia a dia no país para além das atividades como defensora? Conheceu algum lugar especial? Foi possível se familiarizar mais com a cultura local?
Convivi com timorenses, mas também com muitos brasileiros que lá residem há muitos anos, e ainda, com portugueses, australianos, chineses, japoneses e pessoas de outras diversas nacionalidades. Foi uma experiência muito rica. Como sempre, achei minha banda, toquei meu pandeiro. (risos). Há lugares lindíssimos nesse país-ilha tão pequeno! Há duas ilhotas muito especiais pra se visitar por lá: Atauro e Jaco. A primeira é marcada pela maior biodiversidade marinha do mundo (!) e a segunda é um paraíso perdido, isolado, onde a natureza vive praticamente intocada pelo ser humano. Incrível. Foi possível sim aprender bastante sobre a cultura timorense, embora ainda tenha muito o que aprender.
 
  
E, por fim, o que você acha que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública?

No Brasil ou no Timor-Leste, o que fortalece a Defensoria Pública é estar próxima das pessoas. Entender suas necessidades, suas posições, formas de pensar e dialogar com elas. Praticar o diálogo intercultural todos os dias e ter ele como base inicial e meta final.

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