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Nº 016 - 28 de fevereiro de 2019
Simone Maria Soares Mendes
Desde os 16 anos, Simone Maria Soares Mendes tem um forte contato com desenhos e pintura. Ela foi aluna na Escola de Arte da Casa de Cultura Lima Barreto e na Escola de Artes do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Quando foi premiada com suas obras, em 1997, ela se considerou uma artista plástica.
 
Simone ingressou com 24 anos na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, após ser estagiária e ter se apaixonado pela defesa dos vulneráveis. Ela viu na sua atuação o que também enxergou na arte: o poder de transformar, ilustrar e sensibilizar pessoas. 
 
Foi na ADPERJ que Simone se sentiu uma defensora e artista acolhida: lá fez uma exposição em 2016. Ela também tem suas obras expostas no salão da Sede da FESUDEPERJ. "Isso é um incentivo e um acolhimento do denfensor artista."
 
Na entrevista, a carioca também dá dicas de museus de arte pelo Brasil e pelo mundo, além de contar sobre a conciliação da arte com a Defensoria Pública. 
 
Confira abaixo a entrevista na íntegra.
 
ANADEP - 
Há quanto tempo você é defensora pública? Por que decidiu ingressar na carreira?
Hoje tenho 49 anos de idade e sou defensora pública há 24 anos. Me formei pela Universidade Cândido Mendes – Rio de Janeiro, com pós-graduação em ensino superior. Lecionei na graduação da Universidade Estácio de Sá em Direito por oito anos, na cadeira de Prática Forense III e IV.
 
Fui estagiária na Defensoria Pública do Rio de Janeiro por três anos. Durante esses anos me apaixonei pela Defensoria Pública, pela defesa e pelo amor com que os defensores públicos trabalhavam. Mesmo acompanhando os anos duros, vi a luta diária para estruturar a carreira e receber o reconhecimento da importância da Defensoria Pública na atuação dos interesses daqueles em situações de vulnerabilidades. Ao me formar, fui em busca de melhorar meus conhecimentos e, durante um ano, estudei em cursos preparatórios para concurso público. Ao mesmo tempo, trabalhava em um escritório de advocacia, meio expediente. Em 1993, os quadros da Defensoria Pública sofriam forte baixa e, depois de muito tempo, foi anunciado o concurso no qual me inscrevi. Tomei posse em 18 de maio de 1994, no Palácio da Guanabara, sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro, e fui empossada pelo Nilo Batista, então governador.
Como foi este ingresso?
Eu tinha 24 anos de idade quando tive a honra de ser integrada por concurso público na carreira mais valorosa e uma das mais desafiadoras do cenário jurídico. Fui incialmente titular na 3ª Vara de Família de Volta Redonda, sul Fluminense. Eu tive muito medo da imensa responsabilidade que a partir daquele momento passava a ter: cuidar dos que não tinham acesso a um advogado particular, dos vulneráveis e ser a voz deles. Lá passei os primeiros três anos e meio da minha carreira. Cada dia era um desafio diante da precariedade de estrutura de atendimento a um público carente. É no interior do estado que temos a dimensão da grande importância do atendimento ao vulnerável e o papel do defensor público como um multiplicador de conhecimento à população de seus direitos e aquele braço que busca incansavelmente fazer valer esses mesmos direitos que lhes são negados.
 
Depois me removi para atuação na 3ª Vara de Família de Duque de Caxias, cidade situada na Baixada Fluminense, onde atuei por 12 anos ininterruptos. Lá pude perceber que, não sendo interior, era da mesma forma uma população carente, vulnerável e que também precisa da atuação forte da Defensoria Pública. Posteriormente, me removi para 14ª Vara  Criminal da Capital, onde pude ver um outro lado: daqueles a quem a sociedade rejeita. É difícil ser defensora pública criminal na cidade do Rio de Janeiro. Eu senti a hostilidade das pessoas quando eu revelava que fazia a defesa criminal, taxada de “defender bandido”. Houve quem me perguntasse se eu não queria levar eles pra casa, já que tinha tanta pena deles. A incompreensão  vinha até mesmo do seio familiar. Foi quando eu senti um grande peso e, ao mesmo tempo, mais uma missão para além do meu cotidiano forense. Eu tinha, por princípio de vida, que levar alguma compreensão do meu trabalho e da importância dele a essa sociedade tão ressentida da violência que a assola.
 
Quando se diz que se é defensor de vara de família, é como um passaporte para a aceitação e valorização. Mas quando se diz que se é defensor de vara criminal, se percebe a hostilidade e rejeição. É preocupante porque fica claro que a sociedade não os vê como sujeitos de direito, mas sim como um ser odioso e que merece ser encarcerado e ter jogada fora a chave da cela. A batalha da Defensoria Pública é no sentido de esclarecer que todos nós, indistintamente, devemos ter os direitos garantidos pela Carta Constitucional. Essa é a nossa eterna vigília e luta. Atualmente estou exercendo o cargo de assessora da corregedoria, órgão correcional, onde aprendo muito diariamente, principalmente a ser melhor como defensora pública e como pessoa.
Hoje, além da atuação na Defensoria, você também é artista plástica. Como descobriu este talento?
Sempre gostei de desenhar e pintar. Fui incentivada pela minha mãe e busquei estudar desde os 16 anos de idade, quando ingressei na Escola de Arte da Casa de Cultura Lima Barreto, na Tijuca. Continuei meus estudos na Escola de Artes do Parque Lage no ano de 1996, situado no Jardim Botânico, onde fui convidada a integrar o Atelier do pintor e professor de artes do Parque Lage Marcelo Rocha. Fiz outros cursos paralelos de técnicas diversas ao longo do período. Recebi menção honrosa por três obras no Salão da Primavera, em 1997, no Museu de Arte Moderna da Cidade de Resende.
 
 
Considero que sou artista plástica desde 1997, quando fui premiada. Depois segui individualmente, tendo aberto um atelier no Rio de Janeiro, no Bairro das Laranjeiras, no Kreatori, um polo Cultural de Audiovisual, Cinema e  Artes Plásticas, onde fiz várias exposições e onde, diante dessa oferta multicultural, acabei flertando com a fotografia e o cinema, com a participação em elaboração de roteiros e de realização de filmes de curta metragem e longa metragem, aumentando o meu universo ligado à arte, enriquecendo a minha vida. Participei de algumas exposições fotográficas nos últimos sete anos. Entretanto, a minha raiz é a arte plástica.
Quais são os tipos de trabalhos que você desenvolve como artista plástica?
Já desenvolvi diversas técnicas na pintura: trabalhei com a tinta a óleo sobre tela pintando marinas e casarios no início. Quando fui premiada, trabalhava com tinta vinílica sobre papel cartão e depois fui para tinta acrílica sobre tela. Passei pela encaústica, uma técnica de pintura a fogo muito antiga e ensaiei trabalhos com matéria natural, como terra e oxidações sobre ferro. Mas acabei voltando para a tinta acrílica, agora sobre papel, sendo estes os últimos trabalhos que apresentei, que ilustro com as fotos, monocromáticos. Fiz uma exposição em 2016, na ADPERJ, a convite da presidente e defensora pública Juliana Lintz, com a proposta de dar visibilidade ao defensor público que é artista e que tem uma atividade lúdica paralela. Essa exposição teve como curador o artista e cineasta Fabiano Cafure e como idealizadora do tema Relações e Projeções, a professora de arte Raquel Lazaro.
 
 
Foi um momento muito importante para mim como defensora pública ter a valorização do meu trabalho através da minha associação. Posteriormente, por ocasião da inauguração da nova estrutura da Fundação Escola da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ), responsável pela formação de jovens concursandos e aspirantes a defensor público, sob a presidência da defensora pública Carolina Anastácio, tive a honra de ter meus trabalhos  como patrimônio da Fundação, expostos permanentemente, mais uma vez restando claro o incentivo e valorização da arte por essas duas defensoras públicas inspiradoras.
Qual a importância da arte como forma de expressão?

A arte é um ato político, a meu entender. Não a politica que nós conhecemos e discutimos, mas sim um ato de manifestação e de provocação a partir da percepção de ideias, de resistência, de emoções e de estimulação dos interesses de consciência nos espectadores. A arte é uma provocação e, quando você provoca, tem do espectador uma reação de bem-estar, de admiração, de nojo ou repulsa, de desconforto. Seja qual for e como for, se a arte tira o espectador da zona de conforto ela já cumpre a sua missão. O certo é que cada obra de arte é única e possui um significado ímpar. O mundo precisa da arte para ser melhor, mais acolhedor, mais reflexivo, menos violento e menos intolerante.

Para os amantes da Arte, quais museus e centros históricos as pessoas devem conhecer no Brasil e no mundo?
No Brasil, no centro do Rio de Janeiro, temos o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), que hoje tem a exposição de Paul Klee, a qual recomendo. Tem o Museu de Belas Artes e o Museu de Arte Moderna (MAM). O MAR (Museu de Arte do Rio), com incrível coleção e exposições temporárias muito boas, bem como o Espaço Correios.
 
Em Curitiba tem o Museu do Olho – Oscar Niemayer.
 
Em Minas Gerais, temos o Inhotim, com um acervo de tirar o fôlego.
 
Em Londres tem-se a National Galery e a TATE, imperdíveis.
 
Em Nova York há um mar de museus incríveis, destacando o MOMA.
 
Em Berlim o tem o BODE Museum.
 
Na Espanha o Prado.
 
Em Paris o Louvre o D’Orsay , Museu de Lorangerie e o Centro George Pompidou.
Existe algum(a) artista(a) que te inspira? Por quê?
Antoni Tápies, um pintor espanhol, catalão e um dos mais importantes do século XX, tendo na época o movimento informalista. Ele faleceu em 2012. Me inspirou nos meus primeiros momentos em contato com o abstrato, com as linhas, com o monocromático, traços fortes e imagens intrigantes, usando já em uma fase de sua vida outros materiais em composição. Nele guardo a inspiração dos meus trabalhos iniciais. Já Mark Rothko,  de origem letã e judaíca, americano, traz o movimento estético o expressionismo abstrato. Ele faleceu em 1970. Me inspirou nas cores e nas dimensões absurdas de suas telas, na profundidade de seus trabalhos e na delicadeza apesar do tamanho. São trabalhos reflexivos, onde há encanto e a contemplação.
Como é conciliar o trabalho na Defensoria com a arte?
Dá pra conciliar esses dois amores. Nas horas vagas, a arte entra como uma bálsamo trazendo a reflexão e a pausa da rotina de trabalho, muitas vezes cáustica.
 
 
No salão da Sede da FESUDEPERJ, por exemplo, há vários trabalhos meus expostos permanentemente. Isso é um incentivo e um acolhimento do denfensor artista, tanto da ADPERJ quanto da Fesudeperj.
A Defensoria e as histórias dos usuários te inspiram? Se sim, de que forma?
O material humano é sempre inspirador, ainda que especificamente uma história não te dê elementos racionais e claros. As histórias, subliminarmente, assim como as percepções do cotidiano de trabalho, impregnam sentimentos e sensações, trazendo do inconsciente à luz da tela a inspiração, nascendo o trabalho. O artista é antes de tudo um observador, sem isso ele não tem material para trabalhar. Não há como sair ileso de um atuar tão intenso da Defensoria, especialmente numa sociedade tão injusta e desigual como a nossa.
Acredita que a arte é capaz de transformar as pessoas?
A arte pode melhorar as pessoas, ilustrar a vida, trazendo a sensibilização da alma, do sentir e do olhar. A arte é a catalisadora de pensamentos, sensações, vontades, desejos e de amor. Se você foi a uma exposição, você já foi transformado, já não é mais a mesma pessoa que entrou.
 
Na minha exposição em 2016, eu pude ver a alegria das pessoas em contato com os meus trabalhos e em contato com a ideia de que para além do nosso mister, somos outros, muitos são escritores, pintores e artesãos.
E, por fim, o que você acha que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública?
Já está sendo feito. A Defensoria Pública de hoje é uma instituição muito respeitada e que vem trabalhando para a cada dia melhorar a prestação do serviço aos seus usuários. Existem Defensorias Públicas mais antigas e outras mais recentes, no entanto todas são necessárias na manutenção da democracia. Todas devem trocar experiências e estreitar os laços. Entendo, que isso vem sendo feito e é um processo. Estamos ganhando mais musculatura institucional a cada momento. Vejo que hoje somos mais unidos que antes e isso muito me alegra. Acredito que podemos sempre melhorar, porque temos um público que precisa muito de nós e temos garra para isso.
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