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Nº 011 - 19 de dezembro de 2018
Maria Fernanda Elias Maglio
O Prêmio Jabuti é o mais tradicional prêmio literário do Brasil. Criado em 1959, foi idealizado por Edgard Cavalheiro quando presidia a Câmara Brasileira do Livro. Em 2018, foi realizada a 60º edição. A premiação aconteceu em novembro, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. 
 
Na categoria “Conto”, o livro “Enfim, Imperatriz” foi o grande ganhador. A escritora é Maria Fernanda Elias Maglio, defensora pública da Vara das Execuções Criminais da Defensoria Pública de São Paulo. Ela conta que sempre teve uma relação muito próxima com a literatura. Em 2013, teve vontade de escrever histórias que gostaria de ler. A defensora pública tem como inspiração a vida, os acontecimentos corriqueiros e os afetos que vão aparecendo nos meios mais inóspitos. "Eu me interesso por gente, por histórias, desencontros e pela vida do modo mais cru e mais ordinário", conta na entrevista.
 
Com projetos futuros, Maria Fernanda vê na literatura a possibilidade de se criar empatia e de experimentar o lugar que o outro ocupa no mundo. “Enquanto escritora, mas principalmente como leitora, sou uma defensora pública mais empática. E a empatia é fundamental para o exercício da função”. 
 
Confira abaixo a entrevista na íntegra.
 
ANADEP - 
Há quanto tempo você é defensora pública? Por que decidiu ingressar na carreira?
Ingressei na Defensoria Pública de São Paulo em maio de 2007. O que me encantou na carreira foi a ênfase em direitos humanos e a possibilidade de contribuir, por meio da atuação jurídica, para a construção de uma sociedade mais justa, livre, igualitária e plural.
Hoje, além de ser defensora pública, você também é escritora. Como surgiu este talento?
Sempre tive uma relação muito próxima com a literatura, mas como leitora. Sempre li muito. Até que em determinado momento da vida, mais precisamente em outubro de 2013, tive vontade de produzir literatura, de escrever histórias que eu gostaria de ler. Acho que este fazer literário estava dentro de mim há muito tempo e de alguma forma se rompeu. 
 
Acredito que escrever, assim como qualquer outra manifestação artística, exige disciplina e persistência, não só talento. Para se tocar piano melhor, é preciso tocar muitas vezes. Para se dançar melhor, é preciso dançar muito. Para se escrever melhor, é preciso escrever. Por conta do trabalho como defensora pública, não consigo dedicar muito tempo para a literatura, mas tento escrever pelo menos um pouco por dia, meia hora, uma hora. É claro que falho muito, mas tento trazer a escrita para o meu cotidiano.
Você foi premiada neste ano na categoria "Conto", com a obra "Enfim, imperatriz", no maior prêmio literário do Brasil, o Prêmio Jabuti. O que isso significa para você?

O prêmio é o reconhecimento do meu trabalho como escritora e isso significa muitíssimo. Ganhar o Jabuti não torna o livro melhor do que ele é, assim como não ganhar não o tornaria pior. O livro é o livro, independentemente do prêmio. Mas o Jabuti dá visibilidade ao livro e isso resulta em novas leituras. Para mim, o melhor do prêmio é isso: a ampliação dos leitores.

Por que escolheu escrever um conto? É o seu gênero literário preferido?

Eu adoro contos, mas não sei se é meu gênero preferido. Gosto de romances também. Acabou sendo um livro de contos porque eu tinha vários contos prontos e achei que valia a pena reuni-los em uma obra. Mas se você se refere ao gênero ficcional em sentido amplo, sim, é meu gênero preferido. Tanto de leitura, quanto de escrita. Não tenho o menor interesse em escrever sobre o que aconteceu, em ter fidelidade em relação ao real. Eu gosto de inventar, ainda que a base seja sempre uma memória (real ou de leitura), uma história ouvida, uma situação vivida. Gosto de ficcionar a realidade.

O livro "Enfim, imperatriz" foi a sua primeira obra ou tem outros livros publicados? Quais?
Sim, é meu primeiro livro. Por enquanto, único.
 
Como surgiu a ideia de escrever este livro? Qual a abordagem dele?
A ideia surgiu quando percebi que tinha contos que eu considerava prontos para a publicação. Então, o livro não foi pensado como unidade. Os contos foram entrando na medida em que eu ia escrevendo. 
 
Não há uma temática única. As histórias são diversas, em cenários diversos, com personagens diversos, mas há sim uma recorrência de temas e situações. Isso é alguma coisa que o escritor não controla. Não pretendo escrever sobre alguma coisa específica, mas os temas que me são caros e os valores em que eu acredito acabam aparecendo muitas vezes. Há várias histórias de protagonistas mulheres, de situações de abuso e vulnerabilidade de toda sorte. Também acho que há uma certa unidade em relação à linguagem. Sou uma escritora de linguagem. Então, a maneira de narrar de alguma forma perpassa por todos os contos.
Quem ou o quê te inspira na hora de escrever?
A vida, os acontecimentos corriqueiros e os afetos que vão aparecendo nos meios mais inóspitos... É bonito de ver como o amor resiste à miséria, à violência e ao desamor. Eu me interesso por gente, por histórias, desencontros e pela vida do modo mais cru e mais ordinário. Por outro lado, não acredito muito em inspiração. Como disse Picasso "se a inspiração vier, vai me encontrar trabalhando". É claro que há momentos de inspiração, mas isso nem sempre resulta em boa história ou boa linguagem.
A literatura te ajuda de alguma forma no seu dia a dia de defensora?
A literatura me ajuda a ser uma defensora pública melhor. Já a Defensoria Pública me ajuda a ser uma escritora melhor. Ser defensora, que atua em execução penal, me faz conhecer uma realidade que eu – mulher de classe média –, dificilmente teria acesso. Às vezes, essa realidade que se apresenta a mim enquanto defensora pública é tão absurda, que transformo isso em literatura. 
 
Por outro lado, a literatura me torna uma defensora mais humana, me torna mais resistente ao endurecimento que o dia a dia de trabalho provoca. 
 
Um dos grandes méritos da literatura é a possibilidade de se criar empatia e de experimentar o lugar que o outro ocupa no mundo. Enquanto escritora, mas principalmente como leitora, sou uma defensora pública mais empática. E a empatia é fundamental para o exercício da função.
Há algum projeto futuro?

Sim. Estou escrevendo um romance e pretendo reunir outros contos em um novo livro. Tenho vontade também de publicar minhas poesias.

Como você acha que projetos que envolvam livros e os(as) usuários(as) da DP podem auxiliar na construção de um indivíduo melhor?
Acredito muito no poder de transformação da literatura. O ser humano é muito mais igual do que gostaria. A gente procura diferença o tempo todo. Gastamos muito tempo nos diferenciando do outro, classificando, categorizando. Ninguém quer ser igual porque todo mundo quer ser especial de alguma forma. A verdade é que as pessoas são muito mais parecidas do que gostariam de ser. Os sonhos, as angústias e os medos. Muitas das coisas que julgamos nossas, da nossa própria subjetividade, são universais. A literatura é uma forma de entender e aceitar isso. É aí que está a questão da construção empática. Aceitar o outro é uma forma de aceitar a si mesmo.
Qual caso na Defensoria Pública mais te marcou até hoje?

Muitas histórias me marcaram como defensora pública. Algumas tão tristes que nem valem a pena contar (pelo menos não de forma não ficcional). Lembro-me de um caso que me marcou muito e, diferente de outros tantos, apesar de triste, teve um deslinde feliz. A mãe estava presa e a filha abrigada, com grande possibilidade de adoção. A mãe estava sofrendo absurdamente, de um jeito que só uma mãe pode sofrer. Então, eu e a (também defensora de execução) Luciana Balam conseguimos a liberdade dela e o defensor de família Flávio Frasseto conseguiu desabrigar a menina e devolver a guarda para a mãe.

E, por fim, o que você acha que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública?

O fortalecimento da Defensoria Pública passa pela valorização do(a) defensor(a),  a ampliação dos quadros de apoio, reforço das unidades já existentes e extensão para locais em que não há defensor(a) lotado(a). A Defensoria Pública é essencial à implementação da Justiça e à mitigação da injustiça. Não há acesso à Justiça sem Defensoria Pública. Não há igualdade sem acesso à Justiça e não há democracia sem igualdade.

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