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29/07/2008

O Rio Grande do Norte, sua Defensoria e uma certa Maria - Um exemplo de como as coisas não devem ser - Artigo de Manuel Sabino Pontes

Fonte: Defensoria Pública do Estado do Rio Grande Norte
Estado: RN

Segundo disse Paulo Maycon, em recente artigo publicado no Jornal Tribuna do Norte, o “maior exemplo de insuficiência da Defensoria Pública no país está no Rio Grande do Norte”. Para o autor, das “defensorias estaduais em funcionamento, [a do Rio Grande do Norte] tem o menor efetivo de defensores, o menor orçamento, a pior estrutura e a menor remuneração” (Os porquês da Defensoria Pública, 24/07/2008).

A situação é caótica.

Apesar de o Estado ter criado o cargo de defensor público em 1985, a carreira em 2001 e o órgão em 2003 – até aqui a estruturação da Defensoria Pública estadual ainda engatinha.

Enquanto o Ministério Público e a Magistratura contam, cada órgão, com mais de duas centenas de cargos criados, a defensoria pública possui apenas 40 cargos em sua carreira. Pior: apenas dois defensores concursados para atender um público estimado de 2,7 milhões de carentes.

Apesar dos 38 cargos vagos, o Rio Grande do Norte reluta em dar posse aos candidatos aprovados no longo e penoso concurso público realizado entre iniciado em 2006 e homologado em 2008.

Apenas para comparar, a Paraíba, Estado vizinho e com economia parecida, apesar de contar também com cerca de duas centenas de promotores e juízes, conta não com 2, mas com 342 defensores na ativa – e lá se pretende abrir concurso em breve!

O orçamento da Defensoria Pública Estadual é 31 vezes menor que o do Ministério Público e o 102 vezes menor que o do Judiciário.

O subsídio do defensor, que também fica impedido de advogar, é 20% do pago aos magistrados e promotores.

Se a Defensoria Pública é o primo pobre da Justiça no Brasil, conforme afirmação feita pelo Jornal Nacional em matéria veiculada em 18 de julho último, a Defensoria Pública do Rio Grande do Norte é o primo mais pobre.

Com este cenário de fundo, a história de uma moça comoveu o Estado nos últimos dias. Haja vista tudo o que ela passou, tencionando minimizar sua exposição, nossa personagem será chamada de Maria.

Maria é uma moradora de rua que, em janeiro último foi acusada de furtar R$ 10,00. Ela devolveu o dinheiro, confessou o erro e pediu desculpas. Disse que estava com fome. De nada adiantou: alguém já havia chamado a polícia.

Dado o flagrante, Maria acabou denunciada por furto qualificado por abuso de confiança – apesar de inexistir nenhuma relação deste tipo entre ela e a vítima. O Ministério Público opinou e a juíza resolveu manter a prisão de Maria. A denúncia foi recebida e o interrogatório marcado.

A lei garante assistência jurídica gratuita a Maria e, dentre outras coisas, manda que sua prisão seja comunicada à Defensoria.

Em razão da péssima estrutura da Defensoria Pública do RN e da falta de pessoal para ler os processos de cada preso (diferentemente do Judiciário e do Ministério Público do mesmo Estado), a defesa destes é feita através de um formulário padrão, igual para todos os casos. Assim, o órgão sabia que Maria tinha sido presa por furto, fato que constava em sua nota de culpa – mas não sabia, por exemplo, que o valor do furo havia sido apenas e míseros R$ 10,00.

Enfadados daquela peça repetitiva, a juíza e a promotora nem devem tê-la lido, pois que sumariamente a ignoraram – o pedido não mereceu sequer um despacho.

Sem ler processo, advogado não advoga. Sem pessoal, a defensoria não defende. Sem seus direitos, Maria não tem cidadania.

Maria tinha o direito a ter sua família avisada de sua prisão – mas não tinha a quem avisar. Maria tinha o direito a dar um telefonema – mas ela não tinha para quem ligar. Maria tinha o direito a um advogado – mas nunca tinha recebido a visita de um que se interessasse pelo seu caso.

Na verdade, ninguém conhecia o seu caso, ninguém sabia quem era Maria – até que seu caso foi parar na televisão.

Quando a reportagem descobriu Maria, já haviam se passado longos seis meses. Se antes Maria não tinha recebido uma única visita, ela agora aparecia todos os dias na TV e no Jornal. Pessoas se interessaram por sua vida, seu caso era debatido em todos os cantos. O Rio Grande do Norte descobriu Maria.

Informados do caso na última sexta-feira, dois candidatos aprovados no último concurso de defensor – Manuel Sabino Pontes e José Alberto Calazans – concederam uma entrevista e foram conhecer Maria ao vivo e em cores.

Conheceram mais que isso. Conheceram uma realidade à qual seriam apresentados apenas mais tarde, quando o Estado finalmente resolvesse lhes dar posse: o falido sistema carcerário do Rio Grande do Norte.

Maria estava hospedada em um quartinho de cerca de 9 metros quadrados. Mas ela não estava sozinha: dividia a cela com mais 16 presas. Na cela vizinha, também com 17 presas, estavam uma grávida de 7 meses, uma lactante e uma doente mental.

As celas são abertas e viradas para rua, recebendo a totalidade da brisa noturna. Com certeza, um inverno inesquecível para as 34 presas!

Algumas dormem no chão, outras em redes improvisadas – algumas sortudas possuem colchão.

A lotação é tão grande que os banheiros entopem duas vezes por semana. Os policias chegam a chamar a desentupidora duas vezes por semana – R$ 940,00 por visita.

Cada detenta custa entre R$ 30,00 e R$ 40,00 por dia aos cofres públicos. E Maria presa por míseros R$ 10,00!

Maria e as demais estão alojadas na 2ª Delegacia Distrital de Parnamirim/RN, apesar de haver sentença mandando retirar todos os presos do Estado das Delegacias.

Os policiais se comovem com a situação, acham tudo absurdo, mas nada podem fazer. Onde está o Estado para construir presídios e contratar defensores? Será que dignidade da pessoa humana saiu de moda? Ou será que simplesmente não dá voto?

Os futuros defensores, comovidos, resolveram antecipar sua prática. Foram ao fórum, conheceram o processo, tiraram cópias dos autos e impetraram um Habeas Corpus junto ao Tribunal de Justiça.

Na petição, os advogados fazem uma pergunta que ecoa sem resposta: “O que dizer de uma sociedade onde uma moradora de rua acusada de furtar R$ 10,00 (dez reais) é mantida presa por seis meses pelo mesmo Judiciário que, em questão de dias, solta duas vezes um banqueiro acusado de se locupletar de milhões de reais?”

A tese do princípio da insignificância foi central, mas os futuros defensores também perceberam o excesso de prazo, chamaram atenção para a inadequação da qualificadora e lembraram que, mesmo que houvesse a condenação, a pena teria que ser substituída. Haja argumento para soltar Maria!

Na segunda-feira cedo o petitório foi distribuído. E – que surpresa – encontraram outro advogado que tinha feito outro Habeas Corpus para Maria. Maria agora tem advogado para dar e vender!

Os futuros defensores foram no Tribunal e fizeram o que qualquer advogado de bacana faz: pediram urgência no julgamento. O Desembargador, comovido com a situação, mandou dar prioridade ao caso de Maria.

No final da tarde daquela mesma segunda-feira o Desembargador mandou soltar Maria. Como já era tarde, Maria dormiria mais uma noite presa. Mas seria sua última!

Por fazerem o que qualquer um faria, os futuros defensores ficaram famosos, deram entrevista gravada e ao vivo, na TV e no Jornal. Eles resolveram usar seus 15 minutos de fama para pedir a valorização da defensoria, dignidade para os detentos e atenção para as centenas de Marias que estão esquecidas pelo Estado. Os futuros defensores querem tomar posse e conferir assistência judiciária gratuita para os necessitados, conforme determina a Constituição Federal. Querem trazer o futuro ao presente, virar apenas defensores e ajudarem a quem precisa. Afinal, pobre também é gente. Ou não?

Mas a história ainda não acabou. Amanhã Maria vai ser solta. Vai ter TV e jornal de novo. Mas os futuros defensores não podiam deixar Maria dormir sem a notícia. E lá foram eles de novo para a delegacia!

Foi a maior felicidade! As presas fizeram festa, cantaram, louvaram e choraram – choraram muito. Os futuros defensores também choraram. Até a polícia chorou!

Mas amanhã é só alegria! Maria vai sair da prisão onde não teria ficado um único dia se existisse defensoria. E Maria não vai dormir ao relento, não – já tem onde ficar. Deus abençoe e cuide de Maria! Deus dê ao povo uma efetiva Defensoria!

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