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Nº 08 - 25 de outubro de 2018
Lindevania Martins
O História de Defensora desta semana vai relatar a rotina da defensora pública do Maranhão Lindevania Martins. Natural da cidade de Pinheiro, ela está na Instituição há 17 anos. Para ela, a Defensoria Pública é sinônimo de Justiça social e de construção de um mundo melhor. Nas horas vagas, Lindevania coloca em prática uma outra paixão: a arte de escrever. O ofício traz uma mistura harmoniosa das palavras que contam várias narrativas em seus contos e poesias. Os textos surgem de suas observações peculiares do cotidiano, das memórias dos mais velhos e dos mais jovens, das alegrias, das tristezas e também da sua indignação. A escritora destaca que a literatura é uma forma de resistir ao embrutecimento do dia a dia. 
 
Com a rotina atribulada na DPE-MA, Lindevania explica que não consegue escrever diariamente, mas que seu olhar treinado a faz buscar precisão e relevância, seja num poema seja numa peça jurídica. 
 
Após ingressar no Núcleo de Defesa da Mulher e da População LGBT, as personagens mulheres e os LGBTs passaram a dominar suas narrativas. 
 
 
Confira abaixo a íntegra da entrevista que Lindevania Martins concedeu exclusivamente à equipe de comunicação da ANADEP:
ANADEP - 
Há quanto tempo você é defensora pública? Por que decidiu ingressar na carreira? Como foi este ingresso?

Sou defensora pública há 17 anos. Após o curso de direito, exerci por dois anos o cargo de Delegada de Polícia Civil, também no Maranhão, do qual saí direto para a Defensoria Pública. Como muitos que estão na nossa Instituição, o que me atraiu na Defensoria foi a possibilidade de ter uma atuação profissional na qual eu pudesse lutar por Justiça social e sentir que meu trabalho estava ajudando a construir um mundo melhor.

Hoje, além da atuação na Defensoria, você também é escritora. De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias vêm das observações do cotidiano, das leituras, das memórias dos mais velhos e dos mais jovens, das alegrias, das tristezas e também da minha indignação. Às vezes, escrever é, na verdade, reescrever algo que se vivenciou e cujo desfecho nos machuca enquanto seres humanos. Escrevemos para consertar esses desfechos, para manter a esperança bem viva.
 
Para me manter criativa, acho essencial não me levar a sério demais... Também acho importante os momentos de pausa e de observação exterior e interior.
Quais são suas obras publicadas?

Os meus primeiros textos foram publicados na Antologia Eros, organizada por Asta Vonzodas, no ano de 2001, após um concurso nacional de poesias que ocorreu na internet.

No ano de 2003, a Prefeitura de São Luís publicou meu primeiro livro solo, chamado “Anônimos”, que foi o livro de contos vencedor do Concurso Literário e Artístico da Cidade de São Luís naquele ano. O segundo livro, “Zona de Desconforto”, saiu este ano de 2018, publicado pela Editora Benfazeja, também após concurso nacional de originais.

Tenho muitos textos publicados em antologias, coletâneas e revistas. Tenho um conto chamado “Longe de Mim” publicado na Antologia Contos de Advogados (2006) e que recebeu menção honrosa no concurso que originou o livro. Neste ano, tive a felicidade de ter um dos meus contos, chamado “A visita”, traduzido para o inglês e publicado na I Antologia Internacional do Mulherio das Letras – Mulheres Pela paz, lançada na Europa. Também participei como jurada do concurso internacional de contos chamado “Her Story”, da Plataforma Sweek em conjunto com o Leia Mulheres.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Não consigo escrever todos os dias. Tenho uma agenda bem atribulada na Defensoria. Escrevo com mais frequência em períodos concentrados, como nos fins de semana, feriados e férias. Mantenho um blog há quase dez anos, chamado “Catálogo de Indisciplinas”, onde escrevo sobre arte, literatura, tecnologia e cinema. Às vezes, fico meses sem escrever no blog. Contudo, escrever é minha forma de pensar e refletir sobre as coisas que me rodeiam. Quando não posso fazer isso, é sempre horrível. Quer dizer que não estou conseguindo ultrapassar a superfície das coisas.

Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita?

Sou encantada pelo mundo da escrita; é um universo no qual se pode tudo. Sempre lembro de um poema da Wislawa Szymborska em que ela fala sobre a alegria da escrita invocando exatamente esse poder que o escritor possui de comandar esse mundo fictício. Nada acontece ali que não seja da sua vontade. Além disso, a escrita amplia nossos horizontes e nos permite experimentar estar em outros corpos, nos sensibilizando para o outro. Então, vejo muito mais pontos positivos que negativos nesse universo. Além de ser minha forma de pensar sobre o mundo, é meu modo de convocar minhas energias para resistir ao embrutecimento do dia a dia. De negativo, o fato de que escrever requer certo isolamento e nos deixa menos disponíveis para amigos e família.

Existe algum(a) escritor(a) que te inspira? Por quê?

São muitas as escritoras e os escritores que me inspiram. Eles tanto me levaram a escrever, como me ofereceram um senso de pertencimento. Há desde autores clássicos a escritores malditos* e contemporâneos. Sempre tive, como leitora, uma relação especial com Hilda Hilst. Ela é sempre muito lúcida e escreve com força, sem medo de não se adequar aos padrões. Como sugestão, recomendo a leitura da obra “Da Prosa”: um conjunto de dois volumes lançados este ano pela Companhia das Letras reunindo vários livros de Hilda.

*Escritores/Poetas malditos: Normalmente o termo escritor maldito é utilizado para rotular aqueles escritores incompreendidos em seu tempo, ou que tiveram suas obras censuradas, mas posteriormente reconhecidas – e geralmente bem depois de suas mortes. 

Os contos e poemas te ajudam de alguma forma no seu dia a dia de defensora?
Meu cotidiano enquanto profissional do direito e enquanto escritora estão interligados. É uma mesma pessoa atravessada pelos afetos que vem da Defensoria Pública e da Literatura. Creio que uma atividade me faz compreender melhor a outra. Há pouco mais de dois anos trabalho no Núcleo da Mulher e População LGBT. A partir desse período, as personagens mulheres passaram a dominar minhas narrativas, fato que não ocorria antes de atuar no núcleo. Também criei vários personagens LGBTs, ausentes nas narrativas anteriores.
 
Entre outros pontos, creio que minha experiência com literatura melhora meus textos jurídicos. Do mesmo modo que quando escrevo literatura quero que o leitor acredite naquele universo ficcional, quando escrevo uma peça jurídica também quero que os meus leitores, que serão outros operadores do direito e profissionais envolvidos no processo, acreditem nos meus argumentos. Uso algumas regras formais que uso nos contos para escrever as minhas peças jurídicas e para orientar minhas estagiárias. Por exemplo, se uma informação não é relevante para a história que está sendo escrita no conto ou na peça jurídica, ela não deve ser incorporada ao texto. Se no conto eu procuro concisão, dizer o máximo empregando as melhoras palavras, busco o mesmo no meu trabalho como defensora.
Quais os projetos para o futuro?

Em relação à literatura, estou com um terceiro livro de contos pronto, em fase apenas de revisão. Também tenho um romance em andamento, que será minha primeira narrativa longa. Além disso, gostaria de organizar uma antologia só com escritoras mulheres, todas maranhenses. Em relação à Defensoria, como faz parte das nossas atribuições a educação em direitos, quero usar minha experiência com o texto literário para trabalhar com os jovens, em oficinas de criação de texto, a questão da igualdade de gênero e o respeito à diversidade, temas centrais do Núcleo da Mulher e População LGBT.

E, por fim, o que você acha que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública?

Para que a Defensoria Pública se fortaleça creio que seja necessário que a mesma assuma sua vocação: estar na vanguarda do mundo jurídico e construir protagonismo a partir de suas peculiaridades, sem tomar como modelo práticas caducas de outras instituições e em descompasso com as lutas do tempo presente.

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