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10/06/2019

Artigo: A função simbólica do Direito Penal e o (s) Projetos de Lei “Neymar da Penha”

Fonte: AGDP
Estado: GO
No dia 06 de junho de 2019 foram apresentados os projetos de Lei n° PL 3375/2019 e PL 3369/2019 de autoria de Deputados do PSL e com o mesmo objeto: inserir no artigo 339 do Código Penal, o qual tipifica a conduta de denunciação caluniosa, o § 3°, qual seja: “§ 3º. A pena aumenta-se em até 1/3 se a falsa imputação se tratar de crimes contra a dignidade sexual.”
 
Foi apresentado também, o PL 3361/2019, por outro Deputado do PSL, mas com o teor um pouco diferente: “§3º – A pena é aumentada em 1/3 (um terço), se a denunciação caluniosa imputar à vítima prática de crime hediondo;” (NR)
 
Assim, o último PL não restringe a causa de aumento aos crimes contra a dignidade sexual, mas sim, aplica-se a todo e qualquer crime hediondo (crimes previstos na Lei 8072/90), o que traz implicações jurídicas completamente distintas, eis nem todos os crimes sexuais são crimes hediondos.
 
Curiosamente, os projetos de Lei foram apresentados na semana que divulgou-se o escândalo, envolvendo as acusações de suposta prática de estupro, por parte do jogador de futebol Neymar Júnior. Inclusive tais Projetos de Lei foram apelidados na Web World de lei “Neymar da Penha”.
 
Nesse trabalho, não discutiremos acerca do mérito da questão, se houve ou não houve a prática do estupro, mas debateremos a função do direito penal que transparece.
 
Para Luiz Flávio Gomes (2004) o direito penal tem quatro missões: proteção de bens jurídicos; contenção ou redução da violência estatal; prevenção da vingança privada; garantias a todos que estão sujeitos ao jus puniendi estatal.
 
O autor faz uma distinção bipartida das funções reais do direito penal em legítimas e ilegítimas. Assim, o direito penal só é legítimo se for instrumento para a proteção dos bens jurídicos.
 
No meu artigo “BREVE ANÁLISE SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO E O DIREITO PENAL SIMBÓLICO NA LEGISLAÇÃO PENAL PÁTRIA”, publicado no ano de 2008, eu refleti sobre esse assunto:
 
“Já o direito penal quando é utilizado em função promocional ou simbólica, revela-se ilegítimo. A função promocional é quando o direito penal é utilizado para a promoção excessiva de determinado bem jurídico. Já a função simbólica, ocorre quando ‘o Direito penal é utilizado para aplacar a ira e o medo da população insegura. Vale-se do Direito penal para solucionar problemas sociais, econômicos, etc. Exemplo: Leis dos Crimes Hediondos’ (GOMES, 2004).
 
Dessarte, as leis, mormente as penais, devem ser fruto de uma aprofundada análise, visando avaliar se realmente se prestam à proteção de bens jurídicos, ou somente a acalmar os ânimos da sociedade, tendo em vista o calor dos acontecimentos.
 
Pois, qualquer outra que seja a finalidade da lei que não seja a proteção aos bens jurídicos mais relevantes e caros, em obediência ao princípio da lesividade, estará contribuindo para a ilegitimidade do direito penal.”
 
Para analisar a função do Direito Penal, basta vermos a atual tipicidade penal do artigo 339 e seus parágrafos, bem como a Justificativa dos projetos de lei:
 
“Essas condições permitem que mulheres esculpidas de má fé, imputem a prática de falsas condutas criminosas a outrem. Em alguns casos intitulam a determinada pessoa, a figura do sujeito passivo do crime de estupro (213, CP), em outros, narram falsas histórias de que o indivíduo cometeu estupro de vulnerável (217-A) ou compartilhamento de filmagens de pornografia infantil (240 e 241, ECA), e atribuem ao próprio filho o papel de vítima. Um dos exemplos mais tradicionais deste tema é a “síndrome da mulher de Potifar”, pertencente a um texto bíblico no livro de Gênesis. A teoria dessa síndrome gira em torno da história do escravo José, Potifar (general do exército do rei) e sua esposa que, ao tentar seduzir José e ser rejeitada por este, imputou-lhe falsamente conduta criminosa relacionada à dignidade sexual, culminando na pena de cárcere a José. Ressalta-se que a imputação de falso crime sexual a alguém provoca danos irreversíveis. É importante frisar que mesmo quando o acusado é inocentado, este não terá a sua imagem e reputação recuperada, assim sendo é repudiado pela sociedade. Como se não bastasse, as consequências para a vítima do crime de denunciação caluniosa são de inúmeras ordens, como a possibilidade de perder o emprego, sofrer linchamento público, perseguições, ter sua liberdade de ir e vir tolhida, ser preso injustamente, ser violentado no presídio e assim, contrair doenças sexualmente transmissíveis” (PL 3369/2019- Deputado Federal Carlos Jordy- PSL/RJ; PL 3375/2019, Enéias Reis PSL/MG; )
 
O caput do artigo 339 tipifica a conduta de dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil, ou ação de improbidade de que o denunciante tenha a ciência de que o denunciado é inocente. No parágrafo 1° temos o aumento de sexta parte, se o agente se vale do anonimato ou de um nome suposto. No parágrafo segundo, temos uma causa de diminuição na metade, se a imputação é de prática de contravenção.
 
Assim, verificamos que no dispositivo atualmente vigente, não há nenhum discrímen, nem para aumentar, nem para diminuir a reprimenda, em razão da prática de algum crime de natureza específica, de modo que, os Projetos de Lei inovam nesse sentido.
 
Destarte questiona-se: Porque haver uma maior reprovação para quem denuncia, nas condições do artigo, um suposto crime sexual?
 
A resposta é de fácil deslinde. No meio do escândalo envolvendo o “menino” Neymar, cogita-se a possibilidade de ter havido uma denunciação caluniosa, por parte da suposta vítima, o que levantou o furor da sociedade, da mídia e da opinião pública e até do Presidente da República, que manifestou apoio público ao jogador.
 
Ademais, as justificativas dos PL’S deveriam ser um motivo de vergonha para o Governo, enquanto fomentador de políticas públicas, pois trazem à lume a podridão de que padece o sistema prisional há tempos, admitindo a sua falência, confessando que presos são violentados sexualmente e lá contraem doenças sexualmente transmissíveis.
 
De outro norte, abre-se uma possibilidade perigosa: de uma maior revitimização das mulheres. Os crimes sexuais normalmente são praticados às ocultas, sem testemunhas e, a depender da imputação (como toques íntimos, por exemplo), não são detectáveis sequer através de Laudo de Corpo de Delito.
 
Normalmente, são crimes mais subnotificados no Brasil, segundo pesquisa do IPEA, no sentido de que somente a ocorrência de 10% (dez por cento) deles são levados às autoridades para apuração.
 
Como já asseverei em outro artigo de minha autoria – DEUS, JOÃO E AS MARIAS (2018): “a mulher enfrenta a vergonha, tendendo a se culpar pelo crime, buscar a sua parcela de culpa no acontecimento, enfrenta o julgamento do (a) companheiro (a), o julgamento da sociedade e, o medo abusador, que é uma pessoa poderosa (poder econômico, dominação social, espiritual) e mesmo quando vence essas barreiras, se depara com um sistema legislativo/jurídico feito por homens e para os homens, que tende sempre a duvidar da palavra da vítima.”
 
Agora então, vemos mais um desincentivo às mulheres que forem vítimas desses crimes, que, mesmo tendo sido verdadeiramente vítimas, além de passar por tudo isso, de que a Lei Penal se volte contra elas.
 
Vale ressaltar que, ainda que os PL’s se transformem em leis, de nada servirão ao “menino” Neymar, pois tendo em vista o princípio da Anterioridade da Lei Penal, previsto no artigo 1° do Código Penal, a Lei Penal não se aplica aos fatos praticados antes de sua vigência.
 
 
Autora: Gabriela Marques Rosa Hamdan
Currículo: Especialista em Direito Penal pela UFG. Especialista em Direito Público Material pela Universidade Gama Filho. Especialista em Direito Processual pela FESURV. Membro do Conselho Estadual da Mulher do Estado de Goiás (CONEM). Membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher do Colégio de Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE). Membro da Comissão de Defesa da Mulher da ANADEP. Defensora Pública do Estado de Goiás. Coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher (NUDEM).
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