A aprovação do Projeto de Lei denominado “Estatuto da Família” na CCJ - Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal é inconstitucional. Para chegar a tal conclusão, basta uma simples leitura do texto. Tal inconstitucionalidade não se limita apenas à questão da exclusão dos casais homoafetivos do conceito de família, contrariando ao que já estabelecido por uma interpretação constitucional do STF.
Da análise dos artigos 3º e 5º do Estatuto é possível verificar que, se aprovado, as políticas públicas de promoção dos direitos mínimos existenciais serão acessíveis, com prioridade, aos entes familiares. Logo, pessoas solteiras, sem filhos e sem “sua família de ascendência” (órfãos sem avó, por exemplo) também não teriam “prioritariamente” acesso às políticas públicas. Num país em que acesso à educação, saúde, lazer, cultura são artigos de luxo, não estar no rol das prioridades importa em exclusão.
Na motivação do Projeto, afirmou-se que a valorização da família é necessária. Tal entendimento encontrou fundamento em convicções pessoais do proponente, mas também na proteção constitucional. Apesar de a família gozar de proteção constitucional, verifica-se que a inconstitucionalidade está não na pretensão de valorizar a família, mas em excluir do conceito de família, alguns arranjos familiares.
E é nesse tocante que há a violação frontal ao mais importante dispositivo da Constituição: o artigo 5º que preconiza que todos são iguais perante a lei.
Ora, se todos são iguais para o Estado, como nortear políticas públicas com prioridade para uns em detrimento de outros? Se é no núcleo familiar que o indivíduo é mais protegido e amparado, não parece um erro priorizar políticas públicas para excluir aqueles não inseridos no contexto de família? Não são os excluídos os que mais precisam de proteção estatal?
O que parece é que o parlamento se tornou um palco de afronta à Constituição com fundamento nas “íntimas convicções”, reais ou não, daqueles que deveriam, como representantes do povo, obedecer ao texto constitucional.
Não cabe ao Estado dizer o que é família, ou que há uniões mais importantes do que outras, sob pena de violação à sua principal norma: a Constituição. E, em que pesem os apaixonados argumentos favoráveis ao “Estatuto da Família” e às boas intenções de seus defensores, tem-se que este viola a Constituição e a cidadania, porque cria ou fomenta a existência de cidadãos de primeira e de segunda categoria, o que resulta na negação da democracia e do pluralismo que são os fundamentos basais do Estado Brasileiro.
Elydia Leda Barros Monteiro é defensora pública e coordenadora do NDDH – Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Tocantins