Instagram Facebook Twitter YouTube Flickr Spotify
09/06/2015

A maioria tem sempre razão?

Clarice Viana Binda é Defensora Pública Estadual

Carlos Eduardo Lula é Secretário Adjunto da Casa Civil do Governo do Maranhão

“Com a crise atual do nosso modelo de Democracia Representativa, é necessário ouvir cada vez mais a população e recriar mecanismos de consulta direta à população. Precisamos de efetivos mecanismos de democracia participativa”.

O discurso acima, colocado de modo descontextualizado, serviria, sem dúvidas, de fundamento a diversos elogios, da direita à esquerda. Serve atualmente também ao Congresso Nacional, já que nosso Parlamento pretende reduzir a maioridade penal e como fundamento legitimador da medida ventilou a ideia de ouvir a população, através de um plebiscito ou um referendo. A ideia da consulta popular habitou também o discurso de muitos defensores da reforma política.

O problema da representatividade e da democracia em modelos de sociedades complexas como as que temos atualmente não é de tão simples solução. Pesquisa CNI/Ibope do ano de 2011 aponta que aproximadamente 79% dos brasileiros acreditam que penas mais rigorosas podem reduzir a criminalidade, a despeito das estatísticas mostrarem que nunca se prendeu tanto no país e nunca a criminalidade esteve tão alta. Entre os entrevistados, 46% defendem a pena de morte e 69% a prisão perpétua. Já 86% dos entrevistados aceitam a redução da maioridade penal. A pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizada em 2014 apontou que 58,5% dos entrevistados concordam com a ideia de que se as mulheres “soubessem como se comportar”, haveria menos estupros. 

Então o que fazer com a democracia direta quando é o próprio povo quem apoia a pena de morte ou tolera estupros contra mulheres de minissaia? O que fazer quando o próprio povo, esse poder soberano, esmaga “democraticamente” uma minoria marginalizada?

Nesse caso, temos de admitir, ainda que reconhecidas todas suas insuficiências, as virtudes de um modelo de democracia representativa. Atualmente, a arena política está inundada por fatores e decisões técnicas, que o povo não domina, de modo a dificultar a participação de cada pessoa nos processos decisórios. Sociedades complexas, problemas e soluções igualmente complexos.

Assim, uma decisão sobre a reforma política ou a redução da maioridade penal, é eminentemente técnica, pressupondo que quem decida conheça e entenda as consequências de sua decisão para toda a sociedade brasileira. Não se quer aqui que tais reformas sejam delegadas a uma comissão de “ilustres”, de “técnicos”.

Ao revés, o que se está a afirmar é que o melhor campo para aliar conhecimento técnico e decisão política ainda é o Poder Legislativo, o qual, caso viole em seu processo decisório algum direito fundamental, terá sua decisão submetida ao controle do Judiciário. Obviamente, tudo com a influência do povo, mas não diretamente decidido por ele. Nem sempre as decisões majoritárias são materialmente justas, e talvez resida aí a contradição trazida pela modernidade ao próprio regime democrático.

Ora, como se iria esclarecer suficientemente a população numa campanha de aproximadamente 30 dias sobre a redução da maioridade penal? Como explicar a doutrina da proteção integral e o enorme retrocesso que a redução representa no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil?  Como explicar que se trata ou não de cláusula pétrea que não pode ser objeto de emenda constitucional? Será se a sociedade está esclarecida que, diferentemente do que divulgam jornais, revistas e programas policiais, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em desequilíbrio se comparada à maioria dos países do mundo?

Numa democracia representativa, o povo não decide diretamente os assuntos da comunidade, mas elege os seus representantes para que, filtrada a opinião da maioria, decidam de acordo com um julgamento mais ponderado, informado e menos apaixonado. Em diversos casos, a complexidade do assunto exige maioria qualificada não só para se garantir uma decisão justa, mas também para a proteção das minorias que não têm a expressão política das vozes majoritárias. Além disso, esses mesmos representantes decidem pautados em bases de direitos fundamentais que a Constituição que legitima sua representatividade impõe obedecer.

São esses direitos humanos, direitos fundamentais que todo ser humano é titular, que impedem a vontade da maioria esmagar os direitos de uma minoria igualmente humana. E uma democracia que considera o bem comum acima dos interesses particulares deve ter como parâmetro de referência os direitos humanos, sob pena de se instalar um regime totalitário disfarçado de democracia.

 

Assim funciona a Democracia Moderna da qual o Brasil faz parte: a representatividade, delegada a outro cidadão, é uma das regras para que se consiga fazer democracia em sociedades muito numerosas. Apostar no medo, na insegurança e no caos para fazer valer nossas vontades políticas é algo que já deveria ter sido esquecido como mecanismo de luta política, além de ser uma estratégia populista que fere a própria democracia. Admitir tal instrumento de guerra é retroceder à Idade das Sombras, se bem que um tempo em que as mulheres que usam minissaias precisam ter receio de serem estupradas talvez mereça tal denominação.

Compartilhar no Facebook Tweet Enviar por e-mail Imprimir
AGENDA
8 de maio (São Paulo, 14h)
AGE
9 de maio (São Paulo, 14h)
Lançamento da Campanha Nacional
4 de junho (Brasília)
AGE
11 de novembro (Maranhão)
AGE
11 de novembro (Maranhão)
Reuniões das Comissões Temáticas
12 a 15 de novembro (Maranhão)
XVI CONADEP
 
 
 
 
COMISSÕES
TEMÁTICAS
NOTAS
TÉCNICAS
Acompanhe o nosso trabalho legislativo
NOTAS
PÚBLICAS
ANADEP
EXPRESS
HISTÓRIAS DE
DEFENSOR (A)