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Nº 036 - 16 de janeiro de 2020
Mayara Mendes
O primeiro "Histórias de Defensor(a)" de 2020 abre as portas para o mundo do teatro. 
 
Defensora pública no Ceará há mais de três anos, Mayara Mendes coleciona duas paixões, a Defensoria Pública e o teatro, com algo em comum: prestar ao povo. No currículo, a atriz e defensora já coleciona algumas montagens, como a peça “Abajur Lilás” texto de Plínio Salgado, direção de Gyl Giffony, na mostra “Pequenos trabalhos não são trabalhos Pequenos, “O Avarento”, texto de Moliere, direção de Henrique Gonzaga e “Tempo de Retirada”, texto de Eliana Coelho, Ernane Pereira e Rafael Barbosa, direção de Luis Carlos Shinoda. Todas as peças apresentadas nos teatros da cidade de Fortaleza.
 
Mayara acredita que a arte modifica o ser pessoal e o profissional, na medida em que torna o olhar mais sensível as causas humanas e sociais. "A atuação exige muita sensibilidade para ouvir e olhar o colega em cena. Ter calma para sentir. Como defensora, eu procuro ouvir os/as assistidos/as com mais presença, mais inteireza. Ouvir para criar é muito importante, para atender como defensora também. Muitas das minhas personagens surgem também das vozes e dos corpos que eu encontro enquanto defensora pública.", diz.
 
Quer saber como que a defensora pública foi parar também no teatro? Confira abaixo a íntegra da entrevista que ela concedeu exclusivamente à equipe de comunicação da ANADEP.
 
ANADEP - 
Há quanto tempo você é defensora pública? Por que decidiu ingressar na carreira?

Sou defensora pública há pouco mais de três anos, com ingresso na carreira em setembro de 2016. Sempre quis ser defensora pública, desde a graduação, quando pude perceber que, dentro do sistema de justiça, a Defensoria Pública é a instituição mais próxima do povo, onde o contato com as pessoas é algo que faz parte do dia a dia.

Na posse popular da minha turma, tive a honra de fazer o discurso e, na oportunidade, escrevi:

“Falar em Defensoria Pública implica necessariamente falar em povo, em gente, em coração, em ferida, em algo que vive e pulsa. Ser defensora pública é sobre olhar nos olhos, é sobre saber ouvir, é sempre sobre o outro e, principalmente, sobre não se acostumar. Sim, pois se espera que uma defensora nunca se acostume com as injustiças e violações de direito, que mantenha viva a chama de indignação e senso de justiça. “Se o nordestino é antes de tudo um forte”, uma defensora pública é antes de tudo um ser indignado com a desigualdade social, com as violações de direito, com tudo que alija as pessoas de seus direitos fundamentais. Dentre as instituições que operam o sistema de justiça, sem sombra de dúvidas, a Defensoria Pública é a mais sensível e, sem modéstia, a mais humana. Como disse Drummond: “os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis”. Pois bem. A função de defensora exige que se saia dos gabinetes, pois a vida acontece nas ruas, nas praças, nas comunidades e somente ao lado do povo a Defensoria encontra a sua razão de ser. Que a população encontre em cada defensor público um canal sempre aberto”.

Após três anos de atuação, cada palavra dita permanece aquecida no coração.

Hoje, além da Defensoria Pública, você também está no teatro. Como você ingressou as atividades no tablado? Você se imaginava atriz?

Eu sempre gostei muito de teatro como espectadora. Via muitas peças, mas não me imaginava como atriz. Até que, após passar no concurso da Defensoria Pública (quase um ano de processo entre a primeira e última fase do concurso), passei um tempo aguardando a nomeação e resolvi fazer algo que também sempre tive vontade. Fiz o ENEM e ingressei no Curso de Graduação em Teatro na Universidade Federal do Ceará – UFC, no ICA - Instituto de Cultura e Arte. No curso, me encontrei como atriz, como artista.

Foram muitas experiências. Fiz dois semestres completos e, no início do terceiro semestre, fui nomeada para assumir o cargo de defensora pública. A minhas primeiras lotações foram no interior do Estado, razão pela qual tive de “trancar” o curso. Passei um período sem atividades teatrais, mas não tem jeito, quando se “bebe” dessa fonte, sempre se quer mais! Consegui voltar a fazer um curso técnico anual “Curso Livre de Práticas Teatrais” e foi então que pude me aprofundar e participar da montagem “Tempo de Retirada”, que ficou em cartaz no Theatro José de Alencar durante todos os finais de semana de dezembro de 2019.

Mayara Mendes interpretando Rosa, na peça “Tempo de Retirada”

Quais peças você já interpretou?
Já interpretei a peça “Abajur Lilás” texto de Plínio Salgado, direção de Gyl Giffony, na mostra “Pequenos trabalhos não são trabalhos Pequenos, “O Avarento”, texto de Moliere, direção de Henrique Gonzaga e “Tempo de Retirada”, texto de Eliana Coelho, Ernane Pereira e Rafael Barbosa, direção de Luis Carlos Shinoda. Todas as peças foram apresentadas nos teatros da cidade de Fortaleza.
 
Na oportunidade, concebi uma entrevista à TV Assembleia do Ceará, onde falei da peça Tempo de Retirada. 
 

Qual foi a sua maior emoção dentro do palco?

Minha maior emoção em cena foi viver as dores da personagem Rosa, no espetáculo “Tempo de Retirada”. A personagem tinha 76 anos, era alcoolista e, por diversos desencontros, acabou ficando sozinha no mundo tendo apenas a companhia de Fernando, o seu amigo imaginário.

Foi um trabalho difícil, que mexeu muito comigo, e também exigiu um trabalho de corpo e voz bastante profundo, pois além da construção de um corpo velho, a Rosa tinha um corpo muito sofrido. Apesar de tudo, Rosa passou uma mensagem muito bonita acerca do tempo, de como aproveitá-lo com as coisas que realmente importam... É como se ela dissesse para o público: não seja o que eu fui, ei, vocês estão vivos! Uma frase do texto dela: “Alguém deve avisar as pessoas que não se pode ter foco na vida, porque ter foco nesse mundo é abandonar o que realmente importa e abandonar o que realmente importa é perder tempo”.

 
Mayara Mendes interpretando Rosa, na peça “Tempo de Retirada”
 
E que atriz/ator te inspiram no teatro?
Fernanda Montenegro, por sua verdade em cena. Da nova geração, Sophie Charlotte e Isis Valverde, pelas transformações e por enxergar que elas realmente procuram sentir a energia da personagem antes de interpretá-las.
 
Seis em cada dez brasileiros nunca assistiram a uma peça teatral, segundo um levantamento feito pelo Sesc e pela Fundação Perseu Abramo. Como isto pode ser mudado?

Muito triste essa realidade, pois o teatro, como uma manifestação cultural, ainda é inacessível à população mais vulnerabilizada. Em muitas comunidades, o Estado só chega com sua face penal, o Estado Social e a arte como uma de suas vertentes é quase inexistente. Especialmente, em quase todas as capitais do Brasil, os teatros estão localizados em bairros nobres ou no centro da cidade, longe das periferias. Além do que, em muitos locais, o transporte público nos finais de semana é reduzido, o que dificulta o deslocamento. Teatro de rua e aparelhos culturais nas periferias ajudariam a modificar essa realidade.

Como o teatro pode ser uma ferramenta de inclusão social?
O teatro pode ser uma ferramenta de inclusão social na medida em que questiona a realidade e os conflitos do nosso tempo, da nossa sociedade e suas contradições. Como diz o filósofo francês Gilles Deleuze: "a arte é o que resiste: ela resiste à morte, à servidão, à infâmia, à vergonha.".
 
 
“Tempo de Retirada” com as três atrizes que fazem a Rosa em diferentes idades
O teatro te ajuda de alguma forma no seu dia a dia de defensora?
Sim e muito, pois a atuação exige muita sensibilidade para ouvir e olhar o colega em cena. Ter calma para sentir. Como defensora, eu procuro ouvir os/as assistidos/as com mais presença, mais inteireza. Ouvir para criar é muito importante, para atender como defensora também. Muitas das minhas personagens surgem também das vozes e dos corpos que eu encontro enquanto defensora pública.
 
E, por fim, o que você acha que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública?
Para o fortalecimento da Defensoria Pública creio que necessitamos, com urgência, fortalecer a instituição numericamente para que tenhamos, nacionalmente, o mesmo número de membros que as demais carreiras possuem (juízes e promotores) e, na mesma ordem de importância, precisamos de profissionais sensíveis, próximos dos movimentos sociais e das comunidades. Ademais, não podemos cair nas vaidades de outras carreiras, não podemos cair no erro de fazer uma “Defensoria para os defensores”, precisamos construir uma Defensoria para o povo, sem encastelamentos.
 
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