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06/12/2018

CE: Série Mundo de Direitos: pelo direito integral e prioritário à infância

Fonte: ASCOM/DPE-CE
Estado: CE
Brincar, ter um local seguro para morar, estudar, acessar o sistema de saúde e conviver socialmente. Situações que assegurariam uma vida comum para qualquer criança. Algo simples que, porém, ainda não abrange a maioria daqueles que estão começando a viver em sociedade. O estar no mundo de cada criança passa pelo direito à infância (entenda no vídeo abaixo), um conjunto de garantias para que pequenos e pequenas tenham proteção integral e prioritária.
 
No Brasil, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei da Primeira Infância formam o tripé do direito à infância, trazendo preceitos de como o país deve assegurar tais garantias. São legislações internacionalmente reconhecidas, inspiradas em artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Crescer de forma livre, saudável e plural já é, portanto, algo reconhecido formalmente pelo Estado.
 
Mas o que existe escrito nos termos da Lei não transforma, de imediato, o contexto de crianças que vivem nas ruas, sofrem abandono, maus-tratos e exploração econômica e sexual. A realidade mostra que ainda há muito a ser feito para permitir uma infância mais humana.
 
Dados recentes apontam para uma difícil realidade vivenciada por crianças no Estado. Em outubro de 2018, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), formado por um conjunto de organizações que defendem os direitos desse segmento social, publicou levantamento mostrando que Fortaleza gastou, em 2017, menos de 1 real por mês por criança e adolescente em situação de rua. Em agosto, o Cedeca já havia divulgado estudo que revelava que a capital cearense foi a segunda do Nordeste que menos destinou investimentos para essa segmento da população em 2017, com base no tópico assistência social do orçamento público.
 
Segundo o defensor público Adriano Leitinho, supervisor do Núcleo de Defesa da Infância e Juventude (Nadij) da Defensoria Pública do Estado do Ceará, o orçamento direcionado para políticas protetivas à infância e juventude não atenta para a gravidade do problema. “A consequência é o desamparo quase integral de nossas crianças. Sem orçamento, ou com orçamento ínfimo, não há como implementar as políticas públicas de retaguarda à infância. O que falta nas políticas protetivas é um orçamento prioritário aos direitos das crianças, conforme determina a Constituição Federal. Isso não existe no Brasil, nem no Ceará”, explica.
 
Para o defensor falta também participação da sociedade, com base no entendimento de que todos são responsáveis pela questão. O ECA, inclusive, determina que poder público, sociedade em geral, família e comunidade sejam todos responsáveis por assegurar que nenhuma criança esteja excluída dos direitos básicos referentes à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária.
 
Enquanto o quadro não se modifica, o Estado continua registrando episódios que afetam os mais indefesos na sociedade. “No Ceará, há violação constante ao direito à saúde para as crianças, com famílias procurando a Defensoria para acessar medicamentos, insumos, cirurgias ou tratamentos na rede pública. Também há violações no direito à educação, na questão dos acompanhantes de crianças com deficiência ou no controle efetivo sobre a frequência dos alunos, sobretudo na juventude. Outra questão é a moradia, pois percebemos diariamente crianças nas ruas, pedindo esmolas ou sendo aliciadas para o tráfico de drogas”, afirma Adriano Leitinho. O defensor lembra ainda a urgência em prover as famílias com oportunidades e assistência psicossocial, de maneira a restabelecer o vínculo familiar.
 
 
O papel do conselheiro tutelar na comunidade
 
Para lutar contra toda e qualquer violação aos direitos das crianças e dos adolescentes, existe uma rede que trabalha pela garantia de direitos. Trata-se do Sistema Protetivo da Infância, que reúne Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público, delegacias de proteção à criança e ao adolescente, organizações da sociedade civil, unidades de acolhimento, profissionais da área psicossocial e conselhos tutelares.
 
Nessa rede asseguradora de direitos, o Conselho Tutelar está na ponta, em contato direto com a comunidade. Os conselheiros são eleitos pela sociedade, devendo haver um conselho tutelar para cada 100 mil habitantes, conforme estabelecido pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Atualmente, a capital cearense possui oito Conselhos Tutelares espalhados por seis regionais, que englobam 40 conselheiros. Deveria ter 135 conselheiros, para a população de 2,6 milhões de pessoas.
 
Tiago Simões, 31 anos, é conselheiro tutelar em Fortaleza há três anos. Está lotado no Conselho Tutelar que atende a Regional III. O território que abrange bairros de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), como Planalto Pici, Bela Vista, Autran Nunes, Bonsucesso, Quintino Cunha e Presidente Kennedy. Na ronda diária pelas ruas, muitas denúncias são recebidas. “Qualquer pessoa, instituição ou organização pode acionar o Conselho Tutelar. Nós intervimos quando ocorre desrespeito, averiguando a ocorrência e fazendo o encaminhamento”, afirma. De acordo com Tiago, os desafios para o exercício da profissão são inúmeros. Para começar, falta pessoal. “Cerca de 400 mil habitantes residem na Regional III de Fortaleza. Somos cinco conselheiros aqui. Acaba que temos que escolher qual denuncia atender, devido ao grande volume. Existe a previsão de abrir mais dois conselhos até 2020 na capital”, informa.
 
Na Regional III, onde atua, foram recebidas 1.606 denúncias, de janeiro a novembro de 2018,  número que ultrapassa os 1.585 casos registrados em todo o ano de 2017. “O que mais recebemos são denúncias de agressões físicas, psicológicas e sexuais, advindas principalmente de familiares. Também há crianças que sofrem negligência e maus tratos, além de falta de acesso à saúde e educação”.
 
O conselheiro acredita que a sociedade poderia conhecer mais o trabalho desempenhado pelos conselheiros. “Ainda existe uma visão de que vamos destruir o lar, mas não é assim. Existimos para proteger as crianças e não para punir ninguém”, esclarece. Outra medida seria fortalecer a rede de assistência pós-atendimento dos conselheiros. “Encaminhamos para assistência social, postos de saúde e escolas, mas, muitas vezes, não há profissionais que dêem a continuidade ao atendimento”, lamenta.
 
O que faz o Conselho Tutelar – Ao ser acionado, por meio de denúncia, o conselheiro se dirige até a família onde houve denúncia de violação do direito da criança. É papel do conselheiro acionar o sistema protetivo para acompanhar a família mais de perto, verificando a possibilidade de restabelecer o vínculo. Se a situação continuar ou for gravosa, busca-se uma unidade de acolhimento para a criança, a partir de um pedido expresso da Defensoria Pública – através do Nadij – ou do Ministério Público Estadual. “O pedido vai para a Vara da Infância e Juventude. A partir daí, entra a equipe psicossocial que vai trabalhar com essa criança para eliminar a situação de violação e restabelecer o vínculo. Se não conseguir, é destituído o poder familiar e encontramos uma família substituta, por meio da adoção. Diariamente recebemos ofícios do Conselho Tutelar, narrando situação de negligência em questões relativas ao uso e tráfico de drogas, violências, abandono e maus tratos”, explica o defensor Adriano Leitinho, que diz considerar o trabalho do conselheiro primordial.
 
 
Quando a criança vai para a unidade de acolhimento
 
Há situações em que é necessário separar pais de filhos ou fazer uma interveniência mais forte no caso de abandono e situação de rua. Nesse momento, o sistema protetivo deve correr contra o tempo perdido e as unidades de acolhimento (os também chamados abrigos institucionais) surgem como espaços temporários de proteção. Elas funcionam como um lugar de passagem, para que crianças e adolescentes tenham seus direitos restabelecidos gradativamente. Segundo a defensora pública Ana Cristina Barreto, titular do  Núcleo de Defesa da Infância e Juventude (Nadij) elas chegam às unidades, podendo ter sido encaminhadas pelo Conselho Tutelar, após passarem por situações que nem de perto se assemelham com o que está apregoado no ECA e nas leis de proteção.
 
A Defensoria acompanha periodicamente as crianças acolhidas nessas instituições, em Fortaleza e algumas cidades do interior, como na região do  Cariri e Sobral. As visitas dos defensores públicos incluem desde inspeções estruturais até acompanhamento do processo de crianças aptas à adoção. “Alguns abrigos são muito bem estruturados. Lá, os acolhidos têm acesso a serviços básicos de saúde, alimentação, educação, segurança. Mas o acolhimento deve ser o mais transitório possível, porque isso vai institucionalizando as crianças. O ideal é que elas retomem o vínculo familiar ou estejam aptas à adoção”, defende Ana Cristina.
 
Na capital cearense, cerca de 440 crianças e adolescentes estão acolhidas. Para receber o alto volume de encaminhamentos, seriam necessárias mais unidades, de acordo com a defensora. “Em Fortaleza, nós começamos o ano de 2018 com 19 instituições, mas terminaremos com 18, porque uma deve fechar por falta de condições financeiras”, lamenta. Melhorias estruturais nas unidades que já existem são bandeiras da Defensoria, em vistas de tornar os ambientes mais seguros e confortáveis para os acolhidos. “Ainda há abrigos superlotados e hoje nós temos inclusive dificuldades de vagas para novas crianças e jovens”, acrescenta a defensora.
 
No que diz respeito ao interior do estado, o cenário é ainda pior. “Na maioria dos municípios não tem unidade nenhuma. A problemática decorrente disso é realocar essa criança em outra cidade, distanciando da família e dificultando o restabelecimento de vínculos”. Para ele, há a ausência de uma política protetiva de integral responsabilidade dos municípios, prevista em lei. “Na capital, são poucas unidades municipais, algumas do Estado e o restante todo são ONGs, que, se chegam a fechar por falta de recursos, temos que realocar todas as crianças”, contextualiza o supervisor Adriano Leitinho.
 
Diante de tantos desafios, foi criado o projeto “Defensoria Amiga dos Abrigos”, em 2015. O objetivo é estar em diálogo permanente com as instituições e com seus assistidos, com intuito de prover as crianças acolhidas de direitos fundamentais. O projeto inclui campanhas, reuniões, mas também parcerias, visitas e passeios a lugares externos ao acolhimento. “Buscamos parcerias que possam promover esse direito de ser criança, de brincar e ser feliz. De você ter teatro, cinema, parque, esporte, circo. Direito de você exercer a sua infância de forma saudável. É preciso proporcionar também a essas crianças e jovens o acesso também ao lúdico”, argumenta Ana Cristina Barreto.
 
 
Lar para quem precisa de lar
 
Lar. A palavra significa mais que uma moradia. Tem sentido no acolhimento, na harmonia, onde as pessoas vivam e se sintam bem. O lar é um ninho que aconchega. É assim, na casa de muro cinza no bairro Serrinha, em Fortaleza. Ali funciona o Lar Batista, instituição de acolhimento voltada para bebês e crianças vítimas de abandono e maus tratos. Ao cruzar o portão de entrada, o ar domiciliar permanece: quartos com enfeites infantis, cozinha compacta, paredes limpas e sem cartazes. “Tudo para uma vivência familiar mais próxima do possível”, explica Adriana Meireles, coordenadora do Lar Batista há 13 anos.
 
A instituição foi criada a partir de uma pesquisa sobre o funcionamento de unidades nesse estilo espalhadas pelo Brasil e exterior. Pedagoga de formação, Adriana ajudou a fundar o local. “A nossa instituição é uma casa-lar, de acordo com o manual de orientações técnicas. Tanto que os pais sociais, ou os tutores, devem residir no local. Eu e meu marido moramos aqui, no andar de cima, durante toda a semana”, conta. “Nós não incentivamos que elas nos chamem de pai e mãe, até porque entendemos que elas tem uma mãe, quer seja biológica, quer seja uma que venha a ter por adoção. A palavra mãe é muito forte. Entende-se que é a tia Adriana’ ou madrinha”, explica.
 
O espaço é voltado para crianças de zero a sete anos. Das 13 crianças acolhidas, 12 têm até dois anos. Todas passam por processos de destituição do poder familiar, acompanhadas pela Defensoria Pública e serão encaminhadas para adoção. “Quando é destituído, rapidamente elas são adotadas, porque estão no perfil muito procurado”, avalia a coordenadora. São crianças que chegam após terem vivido processos de abandono ou violência doméstica. “Se uma criança é vítima de maus tratos, tortura, é colocada na lata de lixo, ela é vulnerável e precisa de um olhar da justiça”, pondera.
 
No Lar Batista, as crianças seguem uma rotina programada, ou seja, tem hora para tudo. Descanso da tarde, reforço, escola, brincadeiras e refeições. O acolhimento é mantido por doações e amor familiar. Tanto que a filha e a nora de Adriana auxiliam nas tarefas administrativas. “Com 16 anos, me interessei pelo trabalho. Quando eu era mais nova, sempre descia a escada e visitava as crianças. Com o tempo fui aprendendo e ajudando. Aconteceu, tornou-se rotina. Acho o trabalho dos meus pais incrível, inspirador. Minha mãe sonhou e realizou”, diz Isabel Meireles, 21 anos, filha de Adriana. Cinco funcionárias ajudam nos cuidados dos pequenos.
 
Atualmente, o local está acima da capacidade. “Não deveria estar. Porque nossa casa-lar tem essa característica de pequenos grupos. Levar para a pracinha três ou quatro crianças maiores para brincar e acompanhar essa turminha correr, é viável. Mas em um acolhimento com um excedente, esse direito ao lazer fica ameaçado de existir, não porque queiramos, mas é outra estrutura”, lamenta a coordenadora. Da sala de jantar, vem a canção que diverte as crianças no intervalo do lanche da tarde. Apesar de toda história de vida difícil delas, o riso traz a esperança de que o futuro seja melhor.
 
 
Um mundo para ser colorido
 
A quilômetros dali, no município de Maranguape, Região Metropolitana de Fortaleza, outra unidade de acolhimento promove um trabalho diferente. Fundada por um ex-frade franciscano alemão, a Associação Beneficente Pequeno Nazareno abre as portas para meninos de seis a 12 anos, em situação de rua, independente da causa. Atualmente, são 29 estão acolhidos. O local, criado em 1994, fica numa espécie de fazenda com 54 hectares e vários equipamentos como três casas para as crianças – distribuídas por idade, escola, campo de futebol, ginásio esportivo, parquinho, pista de skate, cozinha e refeitório. A mesma experiência existe em Recife e Manaus.
 
O assistente social Antônio Carlos, que faz parte da equipe do Pequeno Nazareno há quinze anos, explica que a estrutura contempla crianças e familiares. “Nosso foco é o acolhimento institucional, mas existem outros eixos, como o trabalho junto às famílias e também o projeto de profissionalização. Os familiares também em situação de vulnerabilidade passam por um trabalho junto a psicólogos e assistentes sociais, assim como cursos para ter um empoderamento econômico. Mais importante do que acolher a criança aqui, é devolvê-la para a convivência familiar e comunitária. Se não investirmos no trabalho maciço com as famílias, essa realidade não vai mudar”, opina. O trabalho com familiares é feito em dois escritórios, no Centro de Fortaleza.
 
Por conta do serviço prestado na Capital, a instituição tem convênio com a Prefeitura de Fortaleza para dez vagas no acolhimento. A maior parte dos recursos para manter a unidade, porém, vem de doações, inclusive da Europa. “Em 2018, por conta da crise por lá, recebemos poucas doações. Foi um ano difícil, tivemos até que demitir funcionários”, lamenta Antônio Carlos. As doações também vêm de pessoas que aderem ao repasse pela conta de energia elétrica.
 
Para organizar o trabalho desenvolvido, os meninos têm uma rotina regrada. Parte deles estuda no turno da manhã, o restante à tarde, todos na rede pública municipal de Maranguape. Quem não está na escola, tem um reforço. Mesmo com boa estrutura de lazer nos espaços, um dos passatempos preferidos das crianças é a aula de artes (confira no vídeo abaixo).
 
Renato, 10 anos, mostra-se orgulhoso com o desenho que está pintando. Entre uma cor e outra, fala da mãe, que mora na capital. “Gosto de morar aqui. Tenho saudade da minha mãe, mas não quero voltar a morar com ela, porque não quero voltar para a rua”, diz. O sonho dele é ser jogador de futebol.
 
O desejo é compartilhado por Alan, 11 anos, que, além de futebol, afirma que ama estudar matemática. Ele conta que a família está “toda separada”. “Tinha dois irmãos, um já morreu, o outro mora em Horizonte. Meu pai também já morreu, vejo pouco minha mãe”, fala com a voz mansa. O menino cheio de paixões também gosta de animais e diz sonhar trabalhar no zoológico.
 
Já o pequeno João, 9 anos, divide o acolhimento com outros dois irmãos. Enquanto desenha, diz orgulhoso que é “amigo de todo mundo aqui”. “Não conheço meus pais. Estou aqui já faz dois anos. Mas quando eu crescer, vou morar em outro lugar”, desabafa em tom de gente grande que quer ser veterinário.
 
Em meio às subjetividade, o assistente social enxerga a necessidade que eles têm de buscar segurança. “No momento em que as crianças estão na rua, elas já estão desprovidas de todos os direitos: educação, lazer, saúde, alimentação, moradia… Ou seja, ela está excluída de todo e qualquer direito. Mas quando ela chega aqui, os direitos básicos voltar a ser assegurados. Nosso maior desafio com essas crianças é projetar um futuro”.
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